“Este tipo de violência [contra os profissionais de saúde] não vai ser tolerado e, portanto, as coisas vão ter consequências. Os casos vão ser analisados e as responsabilidades vão ter que ser assumidas”, disse à agência Lusa André Biscaia, no final da apresentação do Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde (PAPVSS) na Direção-Geral da Saúde, em Lisboa.

Contudo, disse, o sistema também tem que ter capacidade de celeridade em conseguir responsabilizar os agressores, mas também em reabilitá-los.

“Muitas vezes estas pessoas também precisam de reabilitação para não serem reincidentes neste tipo de episódios”, disse o médico de família, sublinhando ainda que, em caso de conflito, “a resposta é a reclamação, não é violência”.

Para André Biscaia, esta tem de ser “uma mensagem muito forte e tem que ser corretamente clara a todos os níveis”.

Segundo dados apresentados pelo coordenador do Gabinete de Segurança do Ministério da Saúde, Sérgio Barata, até outubro de 2021 foram reportadas 752 situações de violência contra profissionais de saúde na plataforma Notifica da DGS, mais 4% face ao período homólogo 2020 e menos cerca de 24% relativamente a 2019, o último ano pré-pandemia.

“É um fenómeno com crescente visibilidade, cada vez mais sinalizado e muito frequente”, disse André Biscaia, sublinhando que cerca de metade dos profissionais de saúde são alvo, pelo menos, de um episódio de agressão física ou psicológica em cada ano.

Esta situação, afirmou durante a sua intervenção, “afeta qualquer trabalhador, em qualquer local de trabalho e assume várias tipologias de violência”.

“Ninguém está imune, nenhum serviço está imune, nenhum profissional de saúde está imune e tem graves consequências para a saúde de pessoas atingidas”, mas, afirmou, “o próprio ato de assistir a um episódio de violência tem consequências muito negativas nessa pessoa e em todo o serviço”.

Sobre o plano apresentado hoje, o coordenador disse que resulta de duas dezenas de anos de trabalho das várias instituições do Ministério da Saúde.

“Conseguiu-se agora chegar a este objetivo de ter um plano integrado, abrangente, que tem a força de uma resolução de Conselho de Ministros”, disse, adiantando que o que vai agora fazer a diferença é que vai acontecer no terreno, nomeadamente a constituição de equipas em cada instituição, em cada serviço, em cada unidade funcional.

Depois também tem de se “extravasar a saúde”, com iniciativas também a nível dos ministérios da Administração Interna, da Justiça. “Aliás, toda a sociedade é fundamental para resolver este problema porque muitas vezes as suas causas raiz estão muitas vezes na infância, no local de trabalho, na família, portanto, tem que se trabalhar todo este ciclo”, defendeu.

Para André Biscaia, é preciso ter “uma abordagem integrada e abrangente” com campanhas de sensibilização, com o aumento da literacia, com formação de profissionais, com formação de dirigentes, com melhoria de condições de trabalho para realmente se conseguir “o grande objetivo” de “prevenir todas as formas de violência no setor de saúde”.

No seu entender, é preciso abordar adequadamente os episódios de violência quando eles acontecem e mitigar as consequências, responsabilizando e reabilitando os agressores e também apoiando as vítimas na sua reabilitação.

Criadas duas redes para apoiar profissionais de saúde vítimas de violência

As redes foram criadas no âmbito do Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde (PAPVSS) que reflete um trabalho de quase 20 anos, mas com uma medida que nunca se tinha conseguido implementar: a criação de um modelo de governação alicerçado numa rede de pontos focais regionais e institucionais, adiantou Graça Freitas.

“Esta rede abrange já todas as instituições do Ministério da Saúde e está a ser, agora, alargada a todas as unidades funcionais, departamentos e serviços com uma rede local”, afirmou Graça Freitas na apresentação do plano que decorreu hoje na Direção-Geral da Saúde, em Lisboa.

Paralelamente, o Gabinete de Segurança criou uma rede de pontos focais das forças de segurança que também já cobre todo o território.

“São estas redes, com a sua reflexão e trabalho local, que com maior probabilidade poderão melhorar a abordagem da violência no setor da saúde”, salientou Graça Freitas.

Em declarações à agência Lusa, a diretora-geral da Saúde afirmou que o PAPVSS “ganhou força” porque foi publicado numa resolução do Conselho de Ministros que permite uma organização que “o torna mais funcional”.

Na sua opinião, a “grande mais valia” desta publicação é a criação do modelo de governação baseado nas duas redes de pontos focais das forças de segurança e da saúde para que se façam medidas preventivas da violência e de controle de danos no caso desta acontecer.

“O grande objetivo é a prevenção. Se a prevenção falhar, pelo menos, que esses danos sejam mitigados, sejam resolvidos e que as vítimas tenham apoio e, eventualmente, se for crime que seja julgado como um crime que é a violência contra profissionais de saúde”, disse à Lusa.

Também em declarações à Lusa, o coordenador do Gabinete de Segurança do Ministério da Saúde, Sérgio Barata, apelou aos profissionais de saúde para notificarem este tipo de situações.

O subintendente da PSP adiantou que têm feito um “forte incentivo à notificação” nas ações com os profissionais de saúde, explicando a forma como poderão fazê-lo e os meios que têm ao dispor para o fazer.

“Pode ser a notificação na plataforma da DGS e pode também ser, e deve ser, a denúncia criminal quando tal se justificar”, disse Sérgio Barata, explicando que, só sabendo onde a situação está a acontecer, se pode intervir de “uma forma muito mais orientada, muito mais eficaz”.

“Os recursos são escassos e é pela notificação que conseguimos orientar melhor esses recursos”, afirmou Sérgio Barata.

Sobre as razões que podem levar os profissionais a não notificarem as situações, disse que, muitas vezes, “ainda é uma questão de desvalorização do ato em si, porque consideram que o utente tem alguma razão” ou porque esteve muito tempo à espera, ou porque não se conseguiu dar o que pretendia.

“Acredito que fundamentalmente seja desta interação entre o profissional e o utente que surge a subnotificação”, rematou Sérgio Barata.

Numa intervenção por vídeo, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde afirmou que o plano foi aprovado “num momento de grande simbolismo, num momento em que todos reconhecem que os profissionais de saúde são a joia da coroa do Serviço Nacional de Saúde”.

“Devemos-lhes muito e temos o dever de criar ambientes onde se sintam em condições de poder exercer as suas profissões, onde se sintam seguros, onde sintam que a sua missão de serviço aos outros é uma missão segura”, salientou António Lacerda Sales, acrescentando que este fenómeno tem repercussões na organização do trabalho, nas relações de trabalho e no desempenho dos trabalhadores.

“É por isso da maior relevância a existência de uma estratégia de prevenção deste fenómeno” que “afeta todos transversalmente que lidam com o setor da saúde”, declarou o governante.

[Notícia atualizada às 17:46]