As crianças, sem aulas, estão em casa, de onde muitos trabalhadores passaram também a trabalhar à distância. E o perigo de contágio de um vírus fatal, que já causou quase meio milhar de mortos, com Macau a identificar já 10 casos de infeção, conseguiu quebrar a resistência lusa em usar a máscara, uma prática habitual entre a população asiática.

“Quando cheguei ao escritório, na segunda-feira, a primeira coisa que disse aos meus colegas portugueses foi: ‘bem, tinha de vir uma destas para os ‘tugas’ usarem todos máscara'”, afirmou Madalena Perestrelo, advogada estagiária, há quase três anos a viver em Macau.

“Os chineses usam, ou costumam usar, quando alguém está doente, mas os portugueses não gostam muito de aderir à questão das máscaras. Agora andamos todos de máscara”, sublinhou a portuguesa de 28 anos.

Os quatro filhos de Filipe Regêncio Figueiredo, também advogado, mas há oito anos no antigo território administrado por Portugal, aceitaram bem a máscara, até porque para “eles é uma novidade”.

Já a “limitação de saídas à rua” causa algum desconforto, sobretudo porque muitos dos espaços públicos estão fechados, como parques e jardins, acrescentou o português de 41 anos.

Esse constrangimento, essa limitação, reiterou, “poderia ser suavizada, pelo menos no que diz respeito aos parques, se estivessem abertos”, nem que fosse “para se dar lá uma volta de cinco minutos, principalmente para quem crianças, (…) para não ficarem o tempo todo fechadas em casa”.

Se em termos profissionais a vida de Filipe não sofreu grandes sobressaltos, “está quase tudo na mesma” já que só as audiências de julgamento foram suspensas, com exceção das consideradas urgentes, “em termos pessoais e familiares, aí a rotina mudou radicalmente”, com o encerramento das escolas.

Os professores têm enviado trabalhos de casa para os filhos fazerem em casa, “através de plataformas virtuais, como é o caso do Google Classroom, ou por e-mail”, com os professores de educação física a ‘prescreverem’ inclusive exercícios.

“Felizmente a minha mulher, sendo funcionária pública, (…) está a trabalhar também a partir de casa e, nesse aspeto, consegue dar um apoio que, no caso de estarmos os dois a trabalhar [fora] seria impossível dar às crianças”, apontou. “Esta é a maior alteração em termos de vida”, frisou.

Zélia Almeida, terapeuta da fala, de 27 anos, tal como Madalena, está a trabalhar a partir de casa. Perde-se eficácia e a possibilidade de trabalhar em equipa, admitiu, mas, face à situação excecional, é “o possível” para garantir que se “passem estratégias aos pais das crianças, de forma a haver um trabalho contínuo em contexto familiar”.

A portuguesa, há pouco mais de um ano em Macau, lembrou que assim que as autoridades anunciaram medidas excecionais para combater o surto, o receio de que as máscaras rapidamente desaparecessem das prateleiras levou-a a pedir que uma amiga trouxesse de Portugal meia centena. “Já tenho ‘stock'”, resumiu.

Na passada semana conseguiu escapar ao cancelamento de voos nas Filipinas, onde outros amigos ficaram retidos, comprou, por prevenção, “desinfetantes, pequeninos, (…) porque em Macau já não há, está tudo esgotado”.

Isso, “infelizmente, cria algum pânico nas pessoas, porque vai-se aos supermercados (…) e não há desinfetantes, não há álcool, mesmo para [fazer] as limpezas”, lamentou.

Madalena também ‘importou’ desinfetante para as mãos nas Filipinas, mas hoje lamenta que tenha sido apenas “uma embalagenzinha”, porque “não tinha noção de que iria ser tão necessário”. Agora, “é até acabar [a embalagem]”, disse, conformada.

Em termos profissionais, os três anos que passou em Macau ‘dizem-lhe’ que esta é uma situação inédita, com alguma incerteza em relação ao futuro.

No escritório para o qual trabalha foi-lhe transmitido inicialmente que a deslocação para o local de trabalho era opcional. Tal como a esmagadora maioria dos colegas, optou por garantir o trabalho em casa.

Esta semana voltou ao escritório para, na terça-feira, após o anúncio do Governo de Macau de medidas excecionais que praticamente paralisaram Macau, o empregador ter decidido enviar os advogados para casa. “Domingo vão informar-nos se a situação se mantém, se voltamos à normalidade ou, até, se passamos a trabalhar por turnos, para ficarem assegurados os serviços mínimos”, concluiu.

À semelhança de Filipe, ele com maior preocupação por causa dos quatro filhos, Zélia Almeida destacou a ‘nova’ vivência e “os hábitos ainda mais controlados” neste período. “Mais cuidado a lavar as mãos, (…) mudar de máscaras todos os dias (…) e essencialmente não sair de casa, porque são as diretrizes do Governo para não haver tanta circulação de pessoas e, neste caso, também da doença”, justificou.

Pouco mais de um ano depois de ter chegado a Macau para trabalhar, Zélia contava receber a visita do namorado por esta altura. O vírus chegou primeiro e o reencontro terá de ser adiado para uma outra oportunidade, quando Macau voltar a ser a cidade que Zélia se habituou a conhecer.

“O meu namorado vinha agora de Portugal. Como é lógico queria apresentar-lhe Macau, os casinos, o coração da cidade, e infelizmente não sabemos como vai estar a parte das fronteiras, e vai-se tentar adiar a viagem”, explicou.

O Consulado-geral de Portugal estima que existem 170 mil portadores de passaporte português entre os residentes em Macau e em Hong Kong. Destes, apenas cerca de seis ou sete mil serão expatriados.

Na terça-feira, no dia em que foi anunciado o 10.º caso de infeção em Macau e o fecho dos casinos durante duas semanas, o chefe do Governo de Macau determinou também o fecho cinemas, teatros, parques de diversão em recintos.

A frequência do transporte público foi novamente reduzida e todos os parques públicos foram encerrados, à semelhança do que acontece já com os serviços públicos, escolas e espaços desportivos e culturais.

O número de mortos provocados pelo novo coronavírus (2019-nCoV) subiu hoje para 490, e o total de pessoas infetadas aumentou para 24.324.

Estas são as principais recomendações das autoridades de saúde à população

O surto do novo coronavírus detetado na China tem levado as autoridades de saúde a fazer recomendações genéricas à população para reduzir o risco de exposição e de transmissão da doença. Eis algumas das principais recomendações à população pela Organização Mundial da Saúde e pela Direção-geral da Saúde portuguesa:

- Lavagem frequente das mãos com detergente, sabão ou soluções à base de álcool;

- Ao tossir ou espirrar, fazê-lo não para as mãos, mas para o cotovelo ou para um lenço descartável que deve ser deitado fora de imediato;

- Evitar contacto próximo com quem tem febre ou tosse;

- Evitar contacto direito com animais vivos em mercados de áreas afetadas por surtos;

- Deve ser evitado o consumo de produtos de animais crus, sobretudo carne e ovos;

- Em Portugal, caso apresente sintomas de doença respiratória e tenha viajado de uma área afetada pelo novo coronavírus, as autoridades aconselham a que contacte a Saúde 24 (808 24 24 24). Caso se dirija a uma unidade de saúde deve informar de imediato o segurança ou o administrativo.

Combater a desinformação

A Organização Mundial da Saúde tem tentado também divulgar factos para combater a desinformação e mitos ligados ao novo coronavírus. Eis algumas dessas informações:

- É seguro receber cartas ou encomendas vindas da China, porque as análises feitas demonstram que o coronavírus não sobrevive muito tempo em objetos como envelopes ou pacotes;

- Não há qualquer indicação de que animais de estimação, como cães e gatos, possam ser infetados ou portadores do novo coronavírus. Mas deve lavar-se sempre as mãos após contacto direto com animais domésticos, porque protege contra outro tipo de doenças ou bactérias;

- Não há também prova científica de que o consumo de alho ajude a proteger contra o novo coronavírus;

- Usar e colocar óleo de sésamo não mata o novo coronavírus;

- As atuais vacinas disponíveis no mercado contra a pneumonia não previnem contra o coronavírus 2019-nCoV. Este novo vírus precisa de uma nova vacina que ainda não foi desenvolvida;

- Os antibióticos não servem para proteger ou tratar as infeções provocadas pelo coronavírus. Os antibióticos são usados para infeções bacterianas e não virais. Contudo, os doentes hospitalizados infetados com coronavírus poderão ter de receber antibióticos porque pode estar presente também uma infeção bacteriana;

- Pessoas de todas as idades podem ser afetadas pelo coronavírus. Contudo, pessoas mais velhas ou com doenças crónicas (como asma ou diabetes) parecem ser mais vulneráveis a ter doença grave quando infetadas.