Numa entrevista em São Bento, o primeiro-ministro confessou que só no final percebeu que o Orçamento do Estado iria ser chumbado.
"Fizemos tudo, tudo o que estava ao nosso alcance para garantir ao país o orçamento de que precisava e estivemos a negociar até ao último minuto", afirmou.
Questionado sobre se imediatamente antes da votação já sabia que o Orçamento ia ser chumbado, António Costa afirmou que "tinha uma réstia de esperança que houvesse, no último minuto, alguém que percebesse que o país precisava mesmo de um Orçamento, de estabilidade e que não se podia desperdiçar a oportunidade extraordinária de sair da pandemia, mas também de se recuperar tudo aquilo que se perdeu ao longo dos últimos dois anos".
Já sobre se aquando da aprovação do PRR, teria realmente ficado com a ideia de que haveria "muitos interessados em deitar abaixo o Governo", o primeiro-ministro justificou apenas dizendo que "ao longo destes seis anos conseguimos construir uma solução que foi nova, que garantiu seis anos de estabilidade e que foi a solução pluripartidária mais estável que tivemos até agora. Conseguimos virar a página da austeridade, vencer a batalha contra as sanções da União Europeia, conseguimos ter o primeiro excedente orçamental", rematando que "agora, cabe aos portugueses escolher" - referindo-se às eleições legislativas de 30 de janeiro.
Sobre o que faltou para a aprovação deste Orçamento, reafirmou que “o Governo fez tudo para ir ao encontro das preocupações dos parceiros”, elencando os vários pontos nos quais cedeu.
"Houve dois pontos que bloquearam a solução”, salientou o primeiro-ministro, referindo que um tem que ver com a sustentabilidade da Segurança Social e outro com a questão do salário mínimo.
"Vivemos num país de salários muito baixos e em que temos de ter a ambição de subir significativamente os salários, não só o mínimo mas todos os outros. O salário mínimo, desde 2016 até agora, já subiu 39%. A proposta que temos para o próximo ano é do maior aumento de sempre do salário mínimo, estes 40 euros. Aquilo que nos era proposto pelo PCP, para chegar aos 800 euros, era subir só no próximo ano mais do que subimos nos quatro anos da legislatura anterior", notou.
António Costa referiu ainda que seria "muito fácil dizer sim", mas questiona se tal medida seria responsável, justificando que as empresas do turismo e do comércio teriam de acompanhar este aumento depois da crise económica gerada pela pandemia, numa altura de tantas incertezas.
"Não se está a falar de verbas de OE, mas sim da capacidade de sustentação das empresas. Eu não tenho mandato para isso", justifica, questionando se seria "realista" adotar esta medida para chegar aos 800 euros.
Costa defendeu ainda a necessidade de haver uma discussão geral sobre a "valorização dos salários, em particular dos jovens", por não considerar "aceitável os vencimentos que têm", mas alerta que é necessário verificar se haverá tampouco "acordo para os 705 euros".
Defendendo que não poderá comprometer o futuro da Segurança Social, Costa destacou que as “reservas da Segurança Social, que servirão para sustentar os anos de défice, aumentaram em 22 anos" e que "foi essa força que permitiu responder como respondemos a esta crise", dando como exemplo o pagamento do lay-off durante a pandemia e acrescentando que “se enfraquecermos a Segurança Social hoje perdemos capacidade de resposta a crises que possam surgir".
Sobre as negociações disse ainda: "Fomos ao limite dos limites. Em consciência, uma pessoa, para se manter no poder, não pode ceder a qualquer coisa. E qual é o limite? É o limite da razoabilidade".
Já questionado sobre se houve uma intenção prévia por parte de BE e PCP para o chumbo do OE2022, o primeiro-ministro escusou-se a responder e disse que não ia "abrir feridas que importa sarar", reiterando que "Portugal tem de superar esta crise".
Sobre a ideia, lançada pela esquerda, de que o seu objetivo é alcançar uma maioria absoluta, respondeu: “Tenho-os ouvido e não vou responder. O país não quer mais polémicas, não quer tricas políticas, quer que nos concentremos a cumprir o nosso dever que é encontrar soluções", acrescenta. "O que eu sinto, o que o país sente, é que os políticos não tiveram respeito pelo sacrifício que as pessoas fizeram”.
Costa admitiu, ainda, que “se tivesse havido vontade, o Orçamento não tinha chumbado”.
"Ninguém pode dizer que foi enganado pelo Presidente da República"
Questionado sobre a possibilidade de haver um segundo orçamento, António Costa relembrou que o Presidente da República avisou, desde logo, que se não houvesse Orçamento dissolveria a Assembleia da República e que, por isso, "ninguém votou ao engano" e "ninguém pode dizer que foi enganado pelo Presidente da República".
António Costa disse compreender a decisão do chefe de Estado de dissolver o parlamento e de convocar eleições antecipadas a seguir ao chumbo da proposta do Governo de Orçamento.
“Havendo uma rejeição de fundo – aliás, sobre outras matérias que não tinham a ver com o Orçamento –, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, entendeu que isso significava que a base política em que este Governo assentava tinha desaparecido e, portanto, fazia sentido ir para eleições”, observou.
“Ninguém gosta destas eleições antecipadas. Sinceramente, acho que não é possível apontar o dedo ao Presidente da República. Acho que o Presidente da República, perante as circunstâncias com que foi confrontado pelos partidos, não lhe restava escolher a menos má de todas as más soluções”, acrescentou.
"A solução boa era ter havido um Orçamento viabilizado, sem colocar em causa o futuro do país”.
Já sobre a escolha do Presidente da República de convocar eleições para 30 de janeiro próximo, quando o PS tinha proposto o dia 16 desse mês, Costa desvalorizou essa questão: “Quanto mais depressa melhor, mas o que é preciso é que todos se sintam bem e confortáveis. A data não é a questão fundamental. A questão fundamental que se coloca aos portugueses é saberem que Governo querem e em que condições desejam que governe”.
Costa: "Com ou sem maioria, não deixarei de dialogar"
Sobre a possibilidade de governar em duodécimos, Costa afirmou que "tem imensas limitações", mas que "quando se é primeiro-ministro está-se obrigado a estar disponível, quaisquer que sejam as circunstâncias - boas ou más".
Em relação a eventuais cenários pós-eleitorais, Costa respondeu sobre a possibilidade de um novo entendimento à esquerda, assegurando que não gosta de "fechar portas ou abrir portas", mas que “em eleições, há que ter humildade de perceber que quem escolhe os resultados são os portugueses”.
O primeiro-ministro recusou também que uma maioria absoluta do PS seja perigosa para a democracia, recorrendo ao período em que foi presidente da Câmara de Lisboa, a partir de 2013 com maioria absoluta. “Peço o voto dos portugueses para uma solução estável para quatro anos de Governo. Com ou sem maioria [absoluta], não deixarei de dialogar”, declarou.
“Acho que ninguém tem medo da minha ação e da forma como governamos, ninguém tem dúvidas de que o Presidente da República não deixará de estar atento, que a comunicação social estará atenta e que o poder judicial é livre e independente”, argumentou.
Logo a seguir, confrontado com um cenário em que o PS saia das próximas eleições legislativas novamente com uma vitória com maioria relativa, António Costa respondeu: “Procurarei um entendimento duradouro com os nossos parceiros”, disse, numa alusão ao Bloco de Esquerda, PCP e PEV.
O líder socialista defendeu a tese de que “a escolha fundamental dos portugueses é se querem regressar a um Governo do PSD ou se querem dar continuidade a um Governo do PS”.
“E, dando continuidade a um Governo do PS, em que condições querem que o Governo do PS governe: Querem dar força a esse Governo para poder governar de forma estável, de uma forma duradoura, ou não querem. É uma opção dos portugueses. Eu estou de bem, eu ficarei de bem qualquer que seja a votação", completou.
“Há uma lição que todos temos a retirar destes anos: Bati-me por esta solução, mas não escolho a orientação nem do PCP nem do BE. Se o PCP e o BE optaram por ser partidos de protesto, tenho de respeitar. Custa-me muito, devo dizer, porque acho que foi um desperdício de oportunidades”, considerou. António Costa admitiu que a seguir às eleições de 30 de janeiro “novos tempos virão”.
Depois das eleições, de acordo com António Costa, colocam-se pelos menos dois cenários após uma eventual nova vitória dos socialistas: “ou o PS tem maioria para poder governar sozinho; ou o PS é claramente reforçado, mesmo não tendo maioria – e acho que isso inevitavelmente também implica que os nossos parceiros à esquerda também reflitam, porque fizeram asneira e as pessoas não compreenderam o que fizeram”.
“Nesse caso, poderão emendar a mão e trabalhar com o PS de boa fé, com espírito construtivo, como fizemos na legislatura anterior. Eu não fecho a porta a ninguém", reforçou.\
Confrontado com a tese de que a “Geringonça” que nasceu em novembro de 2015 está já morta, António Costa concordou e comentou que o dirigente histórico socialista Manuel Alegre já lhe “passou o atestado de óbito”.
“Esta fórmula, como tivemos desde 2016, até agora, essa indiscutivelmente acabou, É uma questão de facto. O que é que virá a seguir? Vamos ver o que os portugueses decidem que venha a seguir", argumentou.
Já sobre um eventual entendimento do PS com o PSD a seguir às eleições, António Costa não respondeu diretamente à pergunta. "Primeiro, é preciso deixá-los organizarem-se a si próprios, e depois falamos sobre os partidos à direita do PS. Neste momento, como é sabido, estão num processo interno, a arrumar a sua própria casa. Não vou interferir nesse processo. É um processo que lhes diz respeito", alegou.
Costa recandidata-se a líder do PS se vencer as eleições, mas sai se perder
O primeiro-ministro afirmou que, se vencer as próximas eleições legislativas, recandidata-se à liderança do PS em 2023, mas sairá de secretário-geral se as perder, já que considera que se abrirá então um novo ciclo político.
“Obviamente, se estiver em funções como primeiro-ministro, claro que me candidato à liderança do PS", disse. No entanto, confrontado com o cenário de uma derrota eleitoral a 30 de janeiro próximo, António Costa declarou: "Se perdesse as eleições, é evidente que não ficaria na liderança do PS".
"Isso significaria abrir um novo ciclo de governação. Quem está há seis anos como primeiro-ministro em funções, como eu tenho estado, com muita honra em servir Portugal e os portugueses em momentos tão difíceis como estes que vivemos, quando chegamos a esta fase, os portugueses conhecem-me, sabem quais são os meus defeitos, espero que saibam também quais são as minhas qualidades e, portanto, decidirão livremente. E eu acho que os portugueses saberão julgar tudo e decidir o que é que querem para futuro”, afirmou.
Pensões e desdobramento do IRS ficam em espera
Costa afirmou que “fará tudo" para verificar o aumento do salário mínimo nacional (cuja proposta é de 705 euros) e que o seu Governo apresentou na concertação social uma proposta para o aumento.
Em relação à atualização dos salários dos funcionários públicos para 2022, que o Governo apontou para 0,9% no próximo ano, António Costa também referiu que o seu executivo pode avançar já.
“O que nós não faremos, porque não devemos fazer, é tudo aquilo que tem natureza extraordinária", disse, numa alusão à proposta que esteve em cima da mesa nas negociações do Orçamento, com o PCP, no sentido de se proceder a um aumento extraordinário de 10 euros de todas as pensões até aos 997 euros.
“Há uma atualização dos salários da função pública, com um aumento normal das pensões. O aumento extraordinário não, porque é precisamente extraordinário", justificou.
“Havendo convocação de eleições, os portugueses vão ser livres de escolher a continuação deste Governo ou de outro Governo. Todos esses compromissos que nós assumimos constarão do meu programa eleitoral com o compromisso de serem aplicados retroativamente ao dia 01 de janeiro", frisou.
Se vencer as eleições legislativas, António Costa prometeu que cumprirá essas medidas “retroativamente a dia 1 de janeiro”.
“Vamos fazer tudo o que é normal fazer: Subida do salário mínimo, atualização dos salários [da função pública], atualização das pensões. Quanto aos outros compromissos, como a atualização extraordinária das pensões, a redução do IRS, a criação das novas prestações sociais, designadamente do combate à pobreza infantil, todas essas medidas extraordinárias ou novas medidas, incluiremos no programa eleitoral com o compromisso de as aplicarmos retroativamente ao dia 01 de janeiro”, frisou.
“Preocupa-me que haja uma rede de qualquer tipo de criminalidade onde quer que seja, e nas Forças Armadas por maioria de razão”
Questionado sobre a investigação que está a incidir sobre asForças Armadas, o primeiro-ministro destacou que atuaram logo, comunicando às autoridades judiciárias para que tomassem as providências necessárias, perante suspeitas de crime por parte de militares portugueses em missão na República Centro Africana.
“Preocupa-me que haja uma rede de qualquer tipo de criminalidade onde quer que seja, e nas Forças Armadas por maioria de razão”, declarou António Costa em entrevista à RTP, depois de confrontado com a investigação a uma rede criminosa com ligações internacionais e que se dedicará ao contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa.
Sobre este caso, o líder do executivo salientou que “as próprias Forças Armadas detetaram e, mal detetaram, comunicaram às autoridades judiciárias para tomarem as providências necessárias”.
“Vivemos num país onde ninguém está acima das leis, sejam as Forças Armadas, sejam as forças de segurança, seja político, seja quem for”, frisou.
Questionado se este caso terá um impacto negativo nas Forças Armadas, designadamente na sua imagem internacional, António Costa recusou.
“Não creio. O senhor ministro da Defesa [João Gomes Cravinho] já o disse, informámos imediatamente as Nações Unidas do que tinha acontecido. Não vou desvalorizar dizendo que não é um caso inédito, qualquer caso é um caso em si grave”, respondeu.
Interrogado se o Governo tenciona propor em breve ao Presidente da República um novo chefe do Estado Maior da Armada, António Costa respondeu que esse é um assunto que o executivo tratará com o chefe de Estado.
“E não trataremos seguramente através da televisão, trataremos cara a cara, como sempre temos. Quando o fizermos, o Presidente da República anunciará”, respondeu.
António Costa referiu depois que estes cargos “são de propositura do Governo e de nomeação do Presidente da República”.
“Até agora foi sempre o senhor Presidente da República a anunciar a nomeação desta senhora ou daquele senhor. E assim será", acrescentou.
*com Lusa
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