“Foi extemporânea e despropositada. Teria sido mais oportuna em setembro [quando a Organização Mundial da Saúde publicou uma orientação provisória de prevenção e controlo de infeção para manejo seguro de cadáveres no contexto covid-19] ou deixar que este pico pandémico passasse e se estabilizasse a realização das cerimónias. Se não houver segurança para o operador funerário conseguir executar a tarefa, deve-se abster de o fazer”, referiu hoje o presidente da ANEL, Carlos Almeida.
Em declarações à agência Lusa, o dirigente considerou que “a possibilidade de abertura da tampa da urna é uma coisa atroz” e que “o menos mau de tudo é a utilização do visor amovível para visualização do rosto”, mas frisou como “conselho aos operadores funerários” que estes “façam tudo com muito cuidado” ou “recusem fazer no caso de não terem segurança”.
A DGS atualizou as normas para a realização de funerais de pessoas com covid-19 e recomenda que, dada a situação atual de mortalidade aumentada, os cemitérios e crematórios deverão funcionar na sua capacidade máxima.
Esta atualização das regras prevê, ainda, que para a cerimónia fúnebre/funeral, o caixão deve preferencialmente manter-se fechado, mas caso seja esse o desejo da família, e houver condições, pode permitir-se a visualização do corpo, desde que rápida, a pelo menos um metro de distância.
A DGS acrescenta que a visualização do corpo pode também ser conseguida através de caixões com visor não sendo permitido, em qualquer uma das situações, tocar no corpo ou no caixão.
Mas, embora veja esta atualização como “um paliativo psicológico muito bom para os enlutados”, a ANEL critica o ‘timing’ da mesma, apontando que se tivesse surgido em setembro, a par da orientação da OMS, “se compreenderia melhor”.
“Se a DGS nessa altura tivesse tomado esta posição seria entendível e atendível. Estaríamos a resolver em menor pressão. E a 04 de setembro não eram conhecidas as várias estirpes que andam por aí. Então as estirpes novas só são más para algumas coisas, não são para outras?”, questiona Carlos Almeida.
O presidente da ANEL lembrou que em causa está um momento, o da última despedida, que se pauta por “imprevisibilidade” porque “às vezes a emoção tolda a razão” e “o ‘stress’ emocional provoca muitas situações inesperadas”, apelando ao “bom senso” de todos, nomeadamente da população portuguesa.
“O profissional funerário é o saco de boxe, aparece depois de ‘nãos’ acumulados — não pode sair, não pode visitar, não pode falar, não pode ver, não pode cuidar — e numa última despedida, o último ‘não’ cabe ao profissional funerário, ao saco de boxe”, lembrou o responsável.
Segundo Carlos Almeida, 99,9% das funerárias portuguesas são pequenas e médias empresas familiares, estando algumas fechadas devido a casos de infeção, quarentena ou isolamento, o que “nos grandes centros poderá não ter grande repercussão em termos de capacidade de resposta, mas nos pequenos tem”, descreveu.
“E não ser o rosto familiar daquela funerária, a pessoa que se conhece e na qual se confia, a tratar do funeral, traduz-se em prejuízo para a empresa, mas também em imprevisibilidade no momento da despedida”, alertou o dirigente, apontando para pelo menos 10 ou 12 funerárias com atividade encerrada, de um universo de cerca de 1.300.
Outra situação para a qual alerta Carlos Almeida é o facto de neste momento Portugal viver um pico de mortes, o que se tem repercutido em demora na concretização de funerais, nomeadamente cremações.
Apesar da conservação dos cadáveres pelo frio, o dirigente apontou que esta realidade se repercute no aspeto visual dos cadáveres, podendo ser “mais chocante ainda as pessoas visualizarem nestas circunstâncias do que não visualizarem”.
“Para além da consequência da doença, a putrefação dos corpos vai ser por demais evidente. E esta norma não permite, nem nos passaria pela cabeça, ter qualquer intervenção junto do cadáver para amenizar o impacto visual”, referiu Carlos Almeida que também questiona as normas sobre a vacinação.
“Folgo em saber que os bombeiros e as forças de segurança serão os próximos profissionais da linha da frente a serem vacinados, mas não vislumbro lá que o setor funerário, que acolhe cerca de 5.000 pessoas, esteja em previsão”, concluiu.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.310.234 mortos no mundo, resultantes de mais de 105,7 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Portugal registou hoje 204 mortes relacionadas com a covid-19 e 3.508 casos de infeção com o novo coronavirus, segundo a DGS.
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