“O Brasil virou o foco, o epicentro da pandemia neste momento uma vez que nos Estados Unidos houve uma queda de mais de um terço dos óbitos (..) O Brasil é o foco [da doença] no mundo”, afirmou à Lusa neurocientista, que liderou por onze meses um grupo de especialistas responsáveis por orientar um consórcio de governadores no nordeste do país para o combate à pandemia.
Médico e neurocientista, Miguel Nicolelis é também professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e já esteve numa lista dos maiores cientistas do mundo, realizada pela revista Scientific American.
À Lusa, Nicolelis afirmou que a nova estirpe registada no país, conhecida como variante brasileira ou amazónica, é mais transmissível e, embora ainda não existam dados confiáveis sobre sua letalidade, ou seja, não há certeza se ela é ou não mais mortal do que outras variantes do SARS-CoV-2 em circulação no país, é um sinal de alerta já que uma transmissão pode provocar o surgimento de um novo tipo de coronavírus.
“O perigo é que nós estamos dando chance para o coronavírus, aqui no Brasil, se replicar e [infetar] entre 70 mil e 80 mil pessoas por dia e, isto, gera um número incrível de mutações no vírus. Isto pode dar origem a novas variantes e inclusive, no limite, a mistura do material genético de diferentes variantes pode gerar um novo vírus, um SARS-Cov-3”, explicou.
Nicolelis salientou que o aparecimento de um novo vírus ainda é uma possibilidade teórica, mas há uma probabilidade biológica de que este cenário se concretize.
Dados divulgados pelo Imperial College de Londres em 05 de março indicam que a taxa de transmissão da covid-19 no Brasil estava em 1,1.
“Estamos criando um reservatório gigantesco de pessoas infetadas gravemente. Estamos criando [novas estirpes], como esta variante amazónica. É muito provável que nós tenhamos outras variantes surgindo no Brasil, como esta ocorrendo nos Estados Unidos”, afirmou.
“Quando você tem um reservatório humano muito grande de um vírus e o vírus se multiplica demais é inevitável que ocorram mutações por acidente na replicação do vírus. Nós estamos dando para a biologia [o vírus] o que ela necessita para gerar mutações e variantes”, acrescentou.
O Brasil registou uma média acima de 60 mil nos últimos 14 dias, segundo dados do Ministério da Saúde.
Mais de 11,2 milhões de pessoas já foram diagnosticadas com a doença desde que houve a confirmação do primeiro caso em território brasileiro, em 26 de fevereiro de 2020.
Também foram registadas oficialmente mais de 275 mil mortes provocadas pela doença.
Nicolelis também explicou que a taxa de crescimento e replicação do vírus muda constantemente, mas usando os valores médios dos últimos 14 dias para fazer uma estimativa, uma curva de crescimento de casos e óbitos, é possível prever que o Brasil vá superar a marca de 500 mil mortes por covid-19 em julho.
“No caso [do Brasil] o valor está tão alto, há um crescimento ainda exponencial, que é possível fazer uma aritmética simples. Estamos com mais de 270 mil óbitos, se fizer [um cálculo] com 2 mil óbitos em média por dia, nos próximos 90 dias, haverá 180 mil óbitos. Em três meses batemos 450 mil óbitos. Se houver um colapso completo vai morrer gente e [muitos] nem vão chegar ao hospital”, explicou.
“Se usar uma média de 2 mil a 3 mil [mortes diárias] chega nos quinhentos mil óbitos em 90 dias a partir do final de março. Três meses, entre abril até julho, não tem muito segredo, é aritmética”, avisou.
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