"O ultraje moral mais recente é a incapacidade de garantir equidade nos esforços de vacinação. Apenas 10 países administraram mais de 75% de todas as vacinas para a covid-19. Enquanto isso, mais de 130 países não receberam uma única dose", escreveu António Guterres no artigo de opinião publicado esta segunda-feira no The Guardian.
O secretário-geral das Nações Unidas considera o mundo "enfrenta muito mais do que uma emergência sanitária".
"A covid-19 aprofundou divisões preexistentes, vulnerabilidades e desigualdades" (...). O vírus prosperou graças à pobreza, discriminação, a destruição do nosso meio ambiente e outras falhas nos direitos humanos criaram enormes fragilidades nas nossas sociedades. A vida de centenas de milhões de famílias ficaram viradas do avesso — perderam-se empregos, há dívidas esmagadoras e reduções acentuadas nos salários", nota.
Os mais afetados foram "aqueles que trabalham na linha da frente, as pessoas com deficiência, os idosos, as mulheres, raparigas e minorias. No espaço de meses, os progressos na igualdade de género recuaram décadas. A maior parte dos trabalhadores da primeira linha [de combate à pandemia] são mulheres, e em muitos países pertencem a grupos raciais e étnicos marginalizados".
"A violência contra mulheres e raparigas aumentou significativamente, desde abusos online, a violência doméstica, tráfico, exploração sexual e casamentos infantis", acrescenta. A par, "a pobreza extrema está a aumentar pela primeira vez em décadas" e "os mais jovens estão em dificuldades, fora das escolas e muitas vezes sem acesso a tecnologia".
No que à distribuição de vacinas diz respeito, recorda que "se se permitir ao vírus espalhar-se livremente a sul do globo, teremos mutações atrás de mutações. As novas variantes podem ser mais transmissíveis, mais mortais e potencialmente ameaçar a eficácia das vacinas e do diagnóstico atual".
"Isto pode prolongar a pandemia significativamente", alerta, "permitindo ao vírus voltar a assombrar o norte — e atrasar a recuperação económica mundial".
António Guterres alerta ainda para o facto de a pandemia estar a colocar em causa os direitos civis, salientando que alguns países utilizam o contexto de emergência como pretexto para uma intervenção musculada contra dissidentes, criminalizando liberdades básicas, silenciando o jornalismo independente e impedindo as organizações não governamentais de agir.
Por fim, a pandemia foi igualmente aproveitada por extremistas para aumentar a polarização social e política, denuncia.
Face ao descrito, o secretário-geral das Nações Unidas defende que "uma resposta eficaz à pandemia tem de ser assente na solidariedade e na cooperação. Abordagens divisivas, autoritarismos e nacionalismos não fazem sentido contra uma ameaça global".
"Estamos nisto juntos. O vírus ameaça todos. Os Direitos Humanos elevam todos. Ao respeitar os direitos humanos neste tempo de crise, vamos construir soluções mais eficazes e equitativas para a emergência de hoje a recuperação de amanhã", conclui.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.461.254 mortos no mundo, resultantes de mais de 111 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 15.962 pessoas dos 797.525 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
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