“O grande aumento de prevalência destes casos, que já são doenças vai, ser quando a situação económica começar a apertar. Já sabemos isso”, disse José Miguel Caldas de Almeida, alertando para a necessidade de os serviços de saúde estarem preparados para este aumento de casos que deverá surgir com a pandemia de covid-19.

O professor catedrático jubilado de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade Nova de Lisboa, falava na conferência virtual “Conversas em Tempo de Pandemia”, organizada pela Comissão Nacional para os Direitos Humanos (CNDH), que hoje foi dedicada à saúde mental.

No debate, José Miguel Caldas de Almeida explicou que por causa da covid-19 houve um aumento de vários tipos de problemas de saúde mental de gravidade diferente.

Há um grupo de problemas emocionais que não são doença, mas sim situações em que há sofrimento psíquico porque há ansiedade, depressão moderada ou tristeza, tratando-se de casos normais que acontecem em situações de grande adversidade e que não exigem tratamento médico especializado.

Segundo o especialista, grande parte dos problemas de saúde mental nos últimos seis meses estão relacionados com este grupo.

Um segundo grupo tem sintomas parecidos de ansiedade e depressão, mas já se configuram como doença, uma vez que são pessoas com perturbações de pânico, depressão, perturbação de ansiedade generalizada ou problemas de abuso de álcool.

Estes casos também surgem em situações de crise como a que se vive, mas, na opinião de José Miguel Caldas de Almeida, ainda estão para vir quando a situação económica piorar, necessitando por isso de cuidados médicos que têm de ser garantidos.

José Miguel Caldas de Almeida considera que o sistema tem de se preparar para atender estes casos e que os serviços agora focados na covid-19 devem reorganizar-se para dar resposta ao aumento previsto destas situações.

O terceiro grupo, explicou, pertence ao das doenças mentais graves pré-existentes como esquizofrenia, bipolaridade ou depressões graves, e que estão a ser tremendamente afetadas pela crise, apresentando um risco elevado de infeção.

“Estas pessoas têm sido ignoradas, não nos preocupámos muito com elas e, no entanto, tiveram muitos problemas e os seus direitos humanos foram muito afetados”, disse, adiantando que “um dos direitos mais escandalosamente violado em relação às pessoas com doença mental foi e é o direito a acesso ao tratamento”.

Segundo um estudo realizado nos Estados Unidos e citado pelo especialista, pessoas com esquizofrenia apresentaram sete vezes mais risco de ficarem infetadas.

“Portugal até não está mal no conjunto internacional, contudo, 40% das pessoas com doença mental grave não tiveram acesso a qualquer cuidado de qualidade”, disse, explicando que houve uma disrupção enorme no funcionamento de instituições de acompanhamento destas pessoas, com encerramento de unidades que obrigaram a que estas fossem viver com as famílias.

José Miguel Caldas de Almeida considera que o sistema se mostrou impreparado para atender estas pessoas com problemas graves, tendo os seus direitos ficado esquecidos, uma situação vivida em Portugal e em todo o mundo.

A ministra da Saúde também participou no debate com um vídeo gravado no qual destacou que a saúde mental é uma das quatro áreas prioritárias do plano de recuperação e resiliência no setor da saúde, prevendo uma dotação de 19 milhões de euros.

Já a presidente da “FamiliarMente - Federação Portuguesa das Associações das Famílias de Pessoas com Experiência de Doença Mental”, Joaquina Castelão, destacou a dificuldade de acesso aos cuidados de saúde destes doentes e a escassez de respostas na comunidade, alertando ainda para a necessidade de acompanhamento dos doentes para evitar surtos.

"Viver com uma doença mental é um desafio diário para os doentes e famílias a vários níveis e na situação pandémica ainda pior devido ao isolamento, confinamento, convívio 24 sob 24 horas com as famílias. Uma série de coisas que provocam descompensação nos doentes diagnosticados que se tem verificado através do aumento das urgências e internamentos e ainda o surgimento de novas situações de doença mental, que pode ser ligeiro se a deteção e o tratamento for atempado, o que não está a acontecer", disse.

Joaquina Castelão manifestou ainda preocupação por se manterem encerradas as unidades de dia na área da saúde mental, considerando que está a criar um problema grave aos doentes, porque interrompem o seu tratamento, e às famílias, que não estão preparadas para responder às situações do familiar.

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