Mais do que eventuais diferenças de atuação do novo coronavírus no organismo de homens e mulheres ou de características fisiológicas distintas, especialistas consultados pela Lusa inclinaram-se para o peso de algumas comorbilidades entre os doentes infetados com o vírus SARS-CoV-2, que provoca a doença covid-19, e que as autoridades de saúde já identificaram como fatores de risco.

“Algumas comorbilidades importantes, como doenças cardiovasculares e diabetes, têm maior prevalência nos homens em Portugal, Espanha e Itália”, disse o epidemiologista Ruy Ribeiro, diretor do Laboratório de Biomatemática da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, sem excluir “diferenças de resposta imunitária e questões fisiológicas relacionadas com o recetor do vírus, o ACE2, que pode ter uma expressão diferente em homens e em mulheres”.

Do ponto de vista imunológico, a diretora do Laboratório de Imunologia Clínica no Instituto de Medicina Molecular, Ana Espada de Sousa, assinalou a existência de “um padrão que se vê em praticamente todos os países” na taxa de letalidade maior entre os homens. Em Portugal, esse indicador situava-se em 16 de abril nos 3,3% em termo globais, subindo para 4,1% no sexo masculino e descendo para 2,8% no sexo feminino.

“Os dados que temos apontam mais para o peso das comorbilidades do que para o peso do sistema imunitário. Pode ser uma combinação de vários fatores, mas, na realidade, é só a partir de certa idade que há estas grandes complicações; se fosse só uma questão de sistema imunitário, talvez houvesse uma diferença maior [de letalidade] em outras idades”, observou.

A contribuir para este padrão consistente na pandemia - quer no tempo, quer no espaço - estarão também fatores de natureza comportamental. De acordo com Ruy Ribeiro, que não deixou de alertar para o risco de generalizações, alguns comportamentos mais frequentes nos homens associam-se a um pior prognóstico no contexto da covid-19.

“Em geral, os homens têm menos tendência a recorrerem a cuidados de saúde e, quando têm alguma queixa, esperam mais tempo para ir ao médico do que as mulheres. E os homens fumam mais do que as mulheres, não tanto no ocidente, mas em especial nos países asiáticos, como a China, sobretudo em idades avançadas”, frisou, sem descartar aspetos “hormonais ou imunológicos intrínsecos”, face à ausência de estudos mais conclusivos sobre o SARS-CoV-2.

Nessa mesma linha de raciocínio, Ana Espada de Sousa lembrou que “ainda se sabe muito pouco” do novo coronavírus, manifestando, por isso, cautelas na análise da importância da dimensão hormonal, bem como da diferente resposta imunitária entre homens e mulheres.

“O que se sabe da componente hormonal em relação ao sistema imunitário é que não é uma ação direta. O estrogénio tem um papel, porque interfere com múltiplos outros mecanismos que reforçam a resposta contra infeções. E isso sabe-se desde sempre. Se se aplica à covid-19? É possível, mas ainda não sabemos”, explicou, assumindo, porém, “enormes diferenças no sistema imunitário” dos dois sexos.

Por outro lado, Ruy Ribeiro fez questão de notar que a taxa de letalidade poderá estar inflacionada, devido a “uma sub-representação dos casos” existentes de covid-19 e aos diversos métodos de contabilização dos países. O epidemiologista chamou ainda a atenção para a influência que as assimetrias regionais e a pirâmide demográfica podem ter no número de óbitos, que em Portugal eram 629 até quinta-feira, segundo a Direção-Geral da Saúde.

“Temos de ter uma visão abrangente, focando a mensagem em quem está mais em risco, como as pessoas de idade ou com comorbilidades. Será mais fácil de implementar do que fazendo possíveis segmentações entre homens e mulheres”, apontou, sendo secundado por Ana Espada de Sousa: “Temos de proteger as populações que têm comorbilidades, mais do que proteger homens em relação a mulheres”.

A nível global, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 145 mil mortos e infetou mais de 2,1 milhões de pessoas em 193 países e territórios. Mais de 465 mil doentes foram considerados curados.

Em Portugal, morreram 657 pessoas das 19.022 registadas como infetadas.