O estudo "O impacto da pandemia de covid-19 na rotina diária e nos comportamentos das crianças em idade escolar na Europa: resultados de 17 Estados-Membros", apresentado hoje em Lisboa, foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e coordenado cientificamente pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).
Em declarações à agência Lusa, a investigadora do INSA que liderou a investigação, Ana Rito, realçou o facto de o estudo ter avaliado pela primeira vez variáveis sobre o bem-estar psicossocial das crianças.
“São dados únicos que não temos disponíveis nestas idades em outro estudo desta magnitude, com 54.000 crianças [e famílias], em questões relacionadas com o bem-estar, com a saúde mental e com e estado psicossocial destas crianças”, sublinhou.
Em média, segundo a perceção dos pais, a “capacidade das suas crianças se divertirem com os amigos” piorou em 42% dos casos, nomeadamente na capacidade da criança poder “desfrutar de atividades no tempo livre” (27%) ou de "ter tempo suficiente para si própria" (19%).
A perceção dos pais de tristeza e solidão nas suas crianças foi mais frequente no período pandémico para uma em cada cinco crianças (20% e 24%, respetivamente) e uma em cada quatro crianças foi também percecionada pelos pais como sentindo-se menos bem e em forma.
Perante estes resultados, Ana Rito defendeu ser necessário fazer uma “reflexão conjunta” sobre os impactos desta vivência em crianças que tinham entre 6 e 10 anos e que hoje são adolescentes.
“Foi um impacto bastante grande nos comportamentos psicossociais destas crianças” numa altura muito importante das suas vidas em que “aprendem a socializar com os amigos e com os colegas e com os professores” na escola.
O trabalho agora divulgado pelo INSA analisou também as condições familiares em comparação com o período pré-pandemia, tendo verificado uma diminuição dos pais que reportaram estar empregados a tempo inteiro ou a tempo parcial durante a pandemia, sendo mais evidente nos pais (70-62%) do que nas mães (52-44%%).
Segundo o estudo, as dificuldades financeiras das famílias europeias aumentaram durante a pandemia.
Entre 2020 e 2022, 22% das crianças, 30% das mães e 26% dos pais testaram positivo para a covid-19 nos países estudados, uma prevalência que em Portugal atingiu os 55,3% nas crianças.
Para Ana Rito, a publicação deste relatório acontece “num momento muito oportuno”, apesar de já terem passado quatro anos desde o início da pandemia.
“Estes dados permitem-nos fazer uma reflexão conjunta daquilo que vai ser a abordagem da obesidade infantil e, portanto, eu acho que é muito importante podermos verificar o que é que aconteceu em Portugal, mas, ao mesmo tempo, termos um termo de comparação com os outros 16 países que participaram neste relatório”, adiantou.
No seu entender, é muito importante perceber como as medidas governamentais que foram transversais a toda a Europa, principalmente confinamento, resultaram em mudanças de hábitos.
A primeira reflexão vai ser realizada hoje na sessão pública de apresentação do relatório europeu COSI/Covid, coordenado cientificamente pelo Centro Colaborativo da OMS para a Nutrição e Obesidade Infantil do INSA, que reunirá peritos nacionais e internacionais.
Ana Rito adiantou que os peritos vão refletir sobre os dados do relatório, mas também debater “as ferramentas, os mecanismos” para dar resposta a questões como o excesso de peso, que em Portugal atinge mais de 30% das crianças, e a obesidade infantil.
“A intervenção política, económica, social tem sido feita de uma forma contínua nestes últimos 10, 15 anos com algum compromisso político”, admitiu.
No entanto, defendeu maior compromisso político e mais responsabilização para as famílias, para a escola e para todos aqueles que estão ligados à saúde infantil, defendeu, lembrando que o excesso de peso é a doença mais prevalente na infância e “traz inúmeros riscos de comorbidades no futuro”.
Apesar de Portugal ter tido “uma trajetória de alguma forma feliz entre 2008 e 2019”, com uma tendência invertida na prevalência de excesso de peso e obesidade infantil, a situação foi revertida em 2022.
“Não sabemos se a única causa foi a vivência com a covid-19”, disse, avançando que as autoridades terão de avaliar novamente as crianças em 2024/2025 e travar agora o problema da obesidade.
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