Com as medidas de confinamento e redução da atividade económica, as cidades estão na atualidade mais vazias, o que pode ter deixado espaço para os animais selvagens beneficiarem da nova situação.

“Em Portugal, devido à grande fragmentação de habitat, não veremos grandes mamíferos como raposas ou corços perto das cidades, mas o cantar dos pássaros é bem mais evidente das nossas janelas”, diz à Lusa Ana Marta Paz, da direção da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), uma organização não-governamental de defesa do ambiente.

O motivo é a “diminuição drástica do ruído”, uma das grandes mudanças para todas as espécies, com a diminuição da poluição a beneficiar também as populações de todas as espécies, diz a ambientalista, notando que não é o confinamento social que faz estas mudanças, mas sim o abrandamento de uma série de atividades, nefastas para a natureza e para as pessoas.

E porque as pessoas estão confinadas notam agora melhor a natureza, por ausência de ruído, mas também por mais tempo para a apreciar.

Domingos Leitão, diretor executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), diz que não há hoje mais aves do que havia antes do confinamento. “O que mudou foi a nossa perceção sobre o que está à nossa volta, ajudada pelo facto de haver menos ruído na rua”.

“Com o entorno mais sossegado é mais fácil detetar o que lá existe. A perceção pode ser a de que as aves apareceram agora, mas elas sempre lá estiveram. Um peneireiro numa varanda não é coisa rara. Há muita biodiversidade que usa os meios urbanos como o seu território e isso nota-se mais agora porque as pessoas estão com mais atenção”, disse à Lusa.

Até agora não foi noticiado que javalis se tenham aventurado a passear pelas ruas das cidades portuguesas, como aconteceu em Barcelona. Em Santiago do Chile foi também notícia um jovem puma passear-se pelas ruas.

Em Portugal a única mudança que se vai notar faz parte do ciclo normal e é a chegada das aves migratórias, nota Domingos Leitão. E diz até que na verdade as aves até estão a cantar com menos intensidade, porque nas cidades para ultrapassarem o ruído de fundo “aumentam o volume” e as aves do meio urbano “cantam mais alto do que aquelas que vivem no campo”.

E depois há ainda as espécies que tanto cantam de dia ou de noite e que nas cidades cantam mais à noite, como o rabirruivo-preto, mas que já cantavam antes do confinamento.

Domingos Leitão admite que a “paragem” das cidades possa provocar alterações na natureza, que haja este ano mais reprodução, cuja época é agora, mas diz que nada disso se vai notar para já, que agora o que mudou foi a perceção e a atenção das pessoas para o que as rodeia.

“É verdade que as pessoas parecem estar mais alerta” para a natureza “à sua porta”, diz também Ana Marta Paz, dando como exemplo o Parque Urbano do Vale da Montanha, em Lisboa, que “nunca terá visto tantos visitantes como nas últimas três semanas”, onde as famílias “redescobrem zambujeiros, sobreiros, azinheiras, gaios, pegas, estorninhos, joaninhas e borboletas de várias espécies”.

Um país parado, como está Portugal, traz sempre mudanças. Se os jardins deixam de ser tratados as flores crescem livremente, o que é bom para as abelhas. Mas a ausência de pessoas nas ruas deixa também os pombos com fome, porque se alimentavam de migalhas caídas das esplanadas (uma preocupação já manifestada pela associação Animal, de defesa dos animais).

Mas Ana Marta Paz defende, ou deseja, ainda outra mudança: que este novo olhar para a natureza fosse aproveitado para que, quando a crise sanitária passar, se relançasse “uma nova economia sustentável e resiliente à crise, promovendo bem-estar das pessoas e da natureza”.

Domingos Leitão expressa também um desejo, que este momento sirva para as pessoas entenderem o papel que o ser humano tem no planeta.

“É importante que as pessoas percebam que a situação que vivemos está relacionada com a maneira como tratamos o mundo natural. Nasceu de uma profunda falta de respeito pelo mundo natural”, disse o diretor da SPEA.

Porque os animas e as plantas “prestam serviços que muitas vezes não se veem”, ninguém sabe o que pode acontecer quando se alteram ecossistemas de forma grave, diz.

E para concluir: “Não somos imunes à maneira como tratamos os ecossistemas e a natureza. É uma lição que estamos a aprender da pior forma”.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, terá surgido num mercado de animais vivos na China e já infetou mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, das quais morreram acima de 57 mil.

Em Portugal, segundo dados de sexta-feira, já morreram 246 pessoas e há 9.886 casos de infeções confirmadas.

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