"Os transportes públicos é um dos pontos nevrálgicos da transmissão", afirmou, defendendo que "para manter o distanciamento, os autocarros, os comboios e o Metro deviam ter fila sim, fila não, com passageiros”.
Mas para isso era preciso “ter quatro vezes mais carruagens, autocarros, e quatro vezes mais motoristas e maquinistas”, disse o infeciologista do Hospital Egas Moniz em entrevista à agência Lusa, a propósito do agravamento da situação epidemiológica da covid-19.
Se esta solução tivesse começado a ser pensada em maio, tinha havido tempo para reforçar a frota e ter “maquinistas e motoristas suficientes”. “É caro? É, mas ter a economia fechada não é mais caro”, questionou, argumentando que “só uma semana de economia fechada para tentar evitar [a propagação do vírus] pagava isto tudo e ainda sobrava muito dinheiro”.
O especialista lamentou que não haja “uma abordagem global” e que se esteja a ver “setor a setor”, prevendo “um problema com o inverno”.
“Enquanto que no verão as pessoas evitam os transportes públicos, têm as janelas abertas, se estiver uma chuva desgraçada não estou a ver ninguém a andar de carro com as janelas abertas, nem a andar muito na rua quando pode andar de autocarro”, disse o professor na Universidade Nova de Lisboa, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e da Faculdade de Ciências Médicas.
Sobre a evolução da epidemia, Jaime Nina disse que já está na segunda “onda”: “o agosto foi um bocado molhado, houve chuva, e isso teve logo uma repercussão em toda a Europa, não só em Portugal”.
Mas, nesta fase, está a atingir mais os jovens, uma situação que disse estar relacionada com o aumento de testes: “estão a apanhar pessoas infetadas que há três meses não eram apanhadas porque tinham uma doença mais ligeira, e como tal, a letalidade está a baixar porque há mais casos ligeiros”.
O infeciologista saudou o aumento da testagem, mas considerou que tem sido “muito lentamente” e “muito longe daquilo que deveria ser feito”.
A este propósito, fez uma analogia futebolística: “a tática que Portugal e a Europa está a usar é como se chamasse os 10 jogadores de campo tudo em frente da baliza de olhos fechados a tentar apalpar a bola e não a deixar passar”.
“Era muito mais preferível andar a correr pelo campo todo atrás da bola” e tentar apanhá-la e controlá-la.
Exemplificou com o que países como Singapura, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul estão a fazer ao nível de testes para apanhar os casos ligeiros e cortar as cadeias de transmissão.
“Portugal fez cerca de dois milhões de testes, Singapura vai quase em 100 milhões para uma população um bocadinho mais pequena que a nossa”, disse, observando que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, Portugal tem mais de 1.900 mortes e Singapura tem 27, com um número de casos sensivelmente igual.
No seu entender, “há muita coisa que está a falhar no rastreio e no encaminhamento de casos” porque “o Ministério da Saúde está a utilizar quase exclusivamente os recursos próprios”.
“Depois não tem médicos e técnicos de saúde pública, não tem laboratórios de biologia molecular quando há um manancial enorme de pessoas disponíveis”, salientou.
Em abril e maio, contou, “quando toda a gente estava aflita porque não havia capacidade de fazer os testes todos”, os laboratórios de biologia molecular da Universidade Nova estavam fechados com as pessoas em teletrabalho, apesar da faculdade os ter colocado ao dispor.
Por outro lado, podiam chamar os estudantes de medicina: “Era bom para eles porque estavam a fazer um trabalho útil e relevante para o seu curso e, obviamente, era bom para o Ministério da Saúde porque triplicava ou quadruplicava a mão de obra necessária para fazer rastreio de casos”.
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