Um novo estudo da Aliança Evangélica Portuguesa (AEP), que contou com a participação de 350 pastores que lideram uma ou mais igrejas evangélicas em Portugal, revela que o ritmo de crescimento destas comunidades no país acelerou fortemente a partir de 2020. A esmagadora maioria dos entrevistados (80%) afirmou que as suas igrejas estão atualmente a crescer e mais de metade das comunidades (62,5%) têm já “planos e local definido para plantar novas igrejas nos próximos cinco anos”, avança o relatório divulgado pela AEP esta quarta-feira, 28 de junho, ao qual o 7MARGENS teve acesso em primeira mão.

Intitulado “Igreja Evangélica em Portugal vista de perto”, o estudo foi realizado com base num questionário disponibilizado online entre fevereiro e março deste ano e surge na sequência de dois estudos já realizados em 2016 e 2020 pelo Gabinete de Estudos e Pesquisa da AEP, permitindo assim perceber a evolução das comunidades evangélicas desde então.

Pedro Silva, membro da equipa de assessoria de missões da AEP e responsável técnico do estudo, exemplifica: “Há três anos, a percentagem de igrejas que planeavam constituir novas comunidades nos anos seguintes não ultrapassava os 48% e agora já são mais de 60% as que têm intenção expressa de o fazer”. Para o também pastor auxiliar na Igreja Baptista Vida Nova (em São Domingos de Rana, Oeiras), o que mais se destaca neste estudo é precisamente “o número de novas igrejas, que vemos que tem crescido de forma acelerada, e esta predisposição e vontade de continuar a abrir novas congregações”.

Comparativamente às pesquisas anteriores, verifica-se também um aumento da percentagem das igrejas que declaram ter mais assistência (75 pessoas ou mais) e uma diminuição da percentagem das igrejas que declara ter até 75 pessoas. Dos 350 pastores que responderam ao inquérito este ano, mais de metade (53%) assinalam que esta assistência “cresceu no pós-pandemia” e apenas 4% consideram que a sua comunidade está “a decrescer”, enquanto 11% assumem que esta pode “estar estagnada”.

Dentro do universo das igrejas cujos pastores participaram no estudo, 6,5% “foram fundadas entre 2021 e 2022, significando um ritmo percentual de crescimento do número de igrejas, por ano, de 3,25%”. Setúbal, Lisboa, Braga e Viana do Castelo são as “regiões onde foram plantadas mais igrejas após 2020”.

Igrejas “rejuvenescidas por causa da emigração”

A esta evolução não é alheio o crescimento da comunidade brasileira em Portugal. O estudo indica que o Brasil é o país de origem de 61,3% dos cristãos que começaram a frequentar, a partir de 2020, as igrejas às quais pertencem os pastores inquiridos. Portugal surge em segundo lugar, mas bastante distanciado, com 25,4%. Dos países lusófonos africanos provêm 5,9% e os restantes 7,4% são “de outras nacionalidades”.

Para Timóteo Cavaco, presidente da AEP, “não é propriamente uma surpresa, mas é muito relevante a grande presença de cidadãos estrangeiros, particularmente brasileiros, nestas comunidades”. O estudo da Aliança Evangélica Portuguesa vem assim “confirmar as tendências registadas em estudos anteriores pelos investigadores Alfredo Teixeira e Helena Vilaça”, assinala, em declarações ao 7MARGENS.

Assim, “nas igrejas mais antigas a percentagem indicada de portugueses na assistência é maior”. pelo contrário, “à medida que olhamos para as igrejas fundadas mais recentemente, a percentagem de portugueses indicada vai diminuindo”, sublinha o relatório.

Se tivermos em consideração o número total de fiéis estrangeiros nas igrejas evangélicas em Portugal, os brasileiros representam perto de 82%. Uma preponderância “que se traduz na nacionalidade dos próprios pastores”, destaca Timóteo Cavaco, e que os dados confirmam: 38,1% dos líderes das comunidades são, também eles, originários do Brasil.

À semelhança do presidente da AEP, Pedro Silva não considera estes resultados surpreendentes. “O Brasil tem 30% de evangélicos ou talvez até mais, e Portugal tem recebido muitos emigrantes brasileiros, pelo que isso surtiu um grande crescimento, tanto no número de fiéis como de pastores, e veio alterar a multiculturalidade das igrejas, sobretudo nas comunidades do interior”.

Apesar disso, a maior parte dos pastores afirma “não existirem barreiras para que haja unidade e cooperação profunda entre as diferentes nacionalidades presentes na sua igreja local”, pode ler-se no relatório. “Pelo contrário – salvaguarda o responsável técnico do estudo – por causa da crise da habitação, muitos emigrantes são forçados a sair dos centros urbanos e ir para o interior, e isso é um alento para as igrejas desses locais e uma autêntica renovação para algumas delas, que se encontravam estagnadas e agora rejuvenesceram por causa da imigração”. Estas comunidades, assinala Pedro Silva, “não só recebem muito bem estes imigrantes como se tornam muito ativas a ajudá-los a integrar-se no nosso país e funcionam para eles como um porto de abrigo”.

Católicos atraídos por liturgia menos formal e igrejas mais acolhedoras

Quanto à “proveniência religiosa” daqueles que se converteram à Igreja Evangélica nos últimos três anos, o estudo indica que “grande parte” eram anteriormente “católicos não praticantes e indivíduos provenientes de famílias evangélicas”. Já “os ‘sem religião’ e praticantes de outras religiões foram as categorias onde se registaram menos conversões”, assinala o relatório.

Timóteo Cavaco afirma que “de uma forma geral, ao longo da história do protestantismo em Portugal, a conversão de católicos tem sido a situação mais comum e provavelmente na atualidade até há menos situações desse tipo do que já houve no passado, porque a sociedade está mais secularizada”.

Relativamente às conversões que continuam a registar-se, lembra que “há uma matriz comum”. “Acredito que muitas dessas pessoas se tenham afastado da Igreja Católica mais por deceção em relação à instituição do que por uma crise de fé”, afirma.

O presidente da AEP considera que o facto de a liturgia ser “menos formal” pode ter “um papel muito importante” nessa troca. “Conheço pessoas que foram a uma igreja evangélica a um casamento ou funeral e perceberam que a mensagem não é muito diferente, mas a liturgia é mais cativante”, refere, acrescentando que o facto de “as comunidades evangélicas, em geral, serem mais pequenas” do que as católicas também pode ser um fator relevante para muitas pessoas “que gostam de ambientes mais íntimos”.

Pedro Silva concorda e partilha um exemplo concreto: “Há uma senhora na minha comunidade que era católica e ia regularmente à igreja, mas conta que ouvia as homilias e não percebia praticamente nada do que era dito. Além disso, diz que agora se sente mais acolhida, sente que faz verdadeiramente parte de uma família. Imagino que isto seja transversal”.

O pastor da Igreja Baptista Vida Nova assinala ainda que “há muitas pessoas que resolvem conhecer melhor as igrejas evangélicas ao tomarem contacto com elas no âmbito das atividades de ação social”. Essas pessoas “têm contacto com os nossos gestos de amor e depois querem conhecer a sua origem”, sublinha.

De resto, outra das conclusões do estudo agora publicado pela Aliança Evangélica Portuguesa é a de que o número de igrejas que, em 2020, não estavam envolvidas em atividades de ação social desceu para quase metade em 2023 (passou de 19% para 11%). Paralelamente, quase duplicou o número de igrejas com fundações/associações criadas para esse fim (de 16% para 29%), havendo também cada vez mais comunidades a trabalhar em parceria com outras entidades.

Preocupações e perguntas por responder

Procurando conhecer melhor o perfil de quem lidera as comunidades evangélicas em Portugal, o estudo da AEP conclui que uma percentagem relevante dos pastores (19%) tem mais de 60 anos. E quando considerados apenas os pastores de nacionalidade portuguesa, essa percentagem cresce para 25%. Além disso, se por um lado 88% dos pastores dizem ter iniciado as suas funções com uma idade inferior a 40 anos, por outro apenas 18% dos que responderam ao questionário está atualmente abaixo dessa faixa etária.

Pedro Silva, que vai fazer 41 ainda este ano, considera que “estes dados são preocupantes” e exigem “mais pesquisa”. “Depreendemos que o envelhecimento dos pastores acompanha um pouco a demografia do próprio país, mas pode não ser apenas isso”, afirma. Timóteo Cavaco partilha desta preocupação e defende que “é necessário um reforço da formação teológica, particularmente das gerações mais novas”.

O estudo demonstra também que 26,6% dos pastores inquiridos são “bi-vocacionais”, ou seja, “exercem outra profissão além do pastorado” e isso acontece sobretudo nos líderes mais jovens provenientes do Brasil e nos que estão à frente de comunidades mais pequenas, o que poderá ser revelador de que são também aqueles que “migraram sobretudo por razões económicas” (no primeiro caso) e cujas comunidades “têm mais dificuldades em assegurar meios de subsistência” (no segundo), justifica o presidente da AEP.

Por responder fica “a questão de um milhão de euros”, diz Timóteo Cavaco: “Quantas comunidades evangélicas existem afinal em Portugal?”. Mas será quase impossível encontrar a resposta, dado que “na Igreja Evangélica, não há uma estrutura como na Igreja Católica, e não é obrigatório o registo destas comunidades”. Seja como for, “apesar de o movimento evangélico ser muito difícil de rastrear por ser muito descentralizado”, os dados deste estudo “são bem reveladores da evolução das comunidades evangélicas no nosso país e daquilo a que devemos estar atentos”, conclui Pedro Silva. O Gabinete de Estudos e Pesquisa da AEP conta fazer nova sondagem, “ainda mais completa e abrangente, dentro de dois ou três anos”.