José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e bispo da diocese de Leiria-Fátima está a ser investigado pelo Ministério Público (MP) noutro caso de alegado encobrimento de suspeitas de abuso sexual de menores, adianta a edição de hoje do jornal Público.

Este caso envolve um padre ligado à Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, instituição a que Ornelas presidiu, sendo que o MP já tinha investigado este padre pelo menos uma vez mas arquivou o processo em 2015.

No entanto, uma nova denúncia levou à reabertura deste processo pelo MP de Braga, confirmou ao diário a Procuradoria-Geral da República. Em causa está a suspeita de ter sabido e ocultado alegados abusos sexuais cometidos por Abel Maia, um padre de Fafe que pertenceu à Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus até Junho de 2014 e que foi afastado da Arquidiocese de Braga por decisão do Papa Francisco — informação veiculada ao Público pelo chanceler da própria arquidiocese, o cónego João Paulo Alves, que foi o responsável por enviar “toda a documentação sobre o assunto” ao Vaticano

José Ornelas já estava sob investigação — iniciada em setembro — por parte do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa por crime semelhante, também referente ao período em que liderava a Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, em 2011.

Nessa ocasião, Ornelas foi confrontado por um professor com supostos casos de abusos sexuais cometidos no Centro Polivalente Leão Dehon, um orfanato em Moçambique dirigido por um padre dehoniano, sendo o alto representante dos dehonianos junto do Vaticano e líder mundial desta congregação. 

O professor João Oliveira terá dado conhecimento do caso a José Ornelas, tendo recebido duas cartas “a agradecer ‘os alertas’, dizendo que o padre Cominotti não estava sob sua autoridade, mas da diocese, e que contra o padre Ilario Verri (diretor da escola) não existiam quaisquer indícios”, refere o Público.

Além da investigação iniciada no final de setembro pelo DIAP de Lisboa, a PGR adiantou também que já existiu um inquérito em 2011 com possíveis ligações a este caso, mas remeteu mais informações para a consulta do respetivo processo.

As investigações de tanto um caso como outro foram espoletadas pela denúncia apresentada à PGR em Setembro, através do chefe da Casa Civil do Presidente da República.

Este caso adicional compromete ainda mais D. José Ornelas, que disse em entrevista à RTP ter feito “tudo aquilo que podia fazer” quando recebeu as denúncias sobre alegados abusos em Moçambique e que não sente “culpa nenhuma”, rejeitando qualquer possibilidade de resignar.

“Não tenho razão nenhuma. Nestas coisas deve-se deixar trabalhar as instituições competentes”, sublinhou, adiantando que ainda não recebeu qualquer notificação do Ministério Público.

Questionado sobre o telefonema que recebeu de Marcelo Rebelo de Sousa, a dar conta que iria ser encaminhada uma queixa contra si para o MP, José Ornelas disse ter manifestado surpresa, mas que não ficou magoado com o Presidente da República.

“O meu contacto com o senhor Presidente da República foi muito cordial. O Presidente da República, segundo ele me disse, é aquilo que costuma fazer. Se recebe uma denúncia manda para a investigação”, afirmou o bispo.

Em declarações na terça-feira aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa disse que teve a iniciativa de contactar o bispo José Ornelas para lhe dizer que "não foi pessoal" a denúncia contra ele que encaminhou para o MP.

O Presidente da República frisou que o contacto com o bispo da diocese de Leiria-Fátima, em 24 de setembro, foi posterior ao envio da denúncia para a Procuradoria-Geral da República (PGR), feito em 06 de setembro.

Segundo o chefe de Estado, quando ocorreu esse contacto entre os dois, José Ornelas já "sabia pela comunicação social há semanas que havia a investigação" do Ministério Público, embora ainda não tivessem saído notícias sobre este caso de alegado encobrimento de abusos sexuais.

Questionado sobre estes encobrimentos, José Ornelas referiu-se a um caso em concreto, ressalvando que foi feita uma investigação interna, mas que as acusações eram “vagas” e que “não se podiam demonstrar”.

“Esse assunto foi enviado para a Procuradoria de Maputo [Moçambique] e de Bérgamo [Itália] e foi encerrado nas duas”, argumentou.

Contudo, o bispo da diocese de Leiria-Fátima manifestou-se disponível para esclarecer todas as dúvidas junto do Ministério Público.

“Não só estou disponível, como desejo que este assunto seja investigado cabalmente”, afirmou.

José Ornelas, de 68 anos, preside à CEP desde 16 de junho de 2020 e é bispo de Leiria-Fátima desde 13 de março deste ano. Ocupou o cargo de superior geral dos Dehonianos entre 27 de maio de 2003 e 06 de junho de 2015.

Especialista em Ciências Bíblicas, doutorado em Teologia Bíblica pela Universidade Católica Portuguesa, José Ornelas chegou a fazer formação missionária em Moçambique.

Foi José Ornelas que, no final de 2021, anunciou a criação de uma comissão independente para o estudo dos abusos na Igreja Católica em Portugal, que é coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht e que deverá apresentar as conclusões do seu trabalho em janeiro do próximo ano.