“Que seja no mandato de uma mulher que uma declaração desta natureza seja discutida e aprovada pela Assembleia Geral da UNESCO”, diz Rui Nunes, referindo tratar-se de “uma declaração de pendor universal que toca diferentes domínios da igualdade entre homem e mulher em qualquer sociedade do planeta, independentemente do nível de desenvolvimento, sobretudo nas áreas de acesso à educação e também questões relacionadas com literacia em saúde”.
A proposta de criação da Declaração Universal da Igualdade de Género da UNESCO, subscrita por uma equipa liderada pelo especialista em bioética e professor catedrático Rui Nunes, venceu um concurso público internacional em que participaram 120 países.
A equipa de Rui Nunes, principal impulsionador da criação da figura do “Testamento Vital” em Portugal e atual coordenador mundial do Departamento de Investigação da Cátedra de Bioética na UNESCO, integra Francisca Rego, investigadora em Psicologia Clínica e Ciências Sociais, e Guilhermina Rego, igualmente professora da Faculdade de Medicina do Porto e vice-presidente da autarquia portuense.
Em entrevista à Lusa, Rui Nunes explicou que “a existência de uma declaração destas não é apenas uma carta de princípios gerais, é algo que, caso seja aprovada, tem a possibilidade de moldar definitivamente a legislação, a prática e os costumes de diferentes países, incluindo Portugal”.
Por isso, defende que a existência desta declaração é “tão importante”, não para o presente, mas para o futuro porque “as sociedades à escala mundial teriam este referencial de atuação na implementação de políticas públicas na educação, na saúde, no planeamento familiar, na nomeação de cargos públicos e políticos, entre outras”.
“É essencial que se promovam valores como planeamento familiar e se avance para uma certa regulação ética mundial para questões que tem a ver com a integridade pessoal, que têm a ver, por exemplo, com a mutilação genital feminina, para que os direitos básicos das mulheres não sejam expressamente violados”, frisou.
Rui Nunes disse que esta proposta de declaração tem também a ver com as questões da igualdade de género no mundo laboral, na entrada das carreiras profissionais, na formação profissional, na ascensão na carreira e na ascensão aos lugares de topo nas carreiras profissionais.
“Portugal está muito avançado nesta matéria, mas ainda tem focos importantes de desigualdade e de iniquidade de género e importa que haja pensamento e depois que haja também legislação específica para uma verdadeira igualdade de oportunidades, nomeadamente, em lugares de topo da administração pública e da atividade política”, referiu.
Rui Nunes apontou como “um exemplo concreto” a questão da liderança da Caixa Geral de Depósitos.
“Independentemente do mérito que ninguém retira aos nomes que foram sugeridos nos últimos tempos, não é concebível que nem sequer tenha sido proposto o nome de uma mulher para chefiar um banco público”, considerou.
Em seu entender, num organismo público devia haver “regras claras”, seguindo-se, por exemplo, o mesmo princípio que já está patente para as entidades reguladoras independentes, que é o princípio da alternância de género.
Contudo, considera que “Portugal está especialmente bem colocado para liderar este projeto, porque conseguiu implementar em muitos domínios os direitos humanos e a igualdade de género na sociedade portuguesa nos últimos 40 anos e também pelo papel que sempre teve à escala internacional, nomeadamente no âmbito da lusofonia, e com as pontes que consegue estabelecer com outros blocos linguísticos e culturais de que a eleição de António Guterres para as Nações Unidas é um excelente exemplo”.
A primeira versão da proposta da declaração ficará concluída até final deste mês, ficando depois, durante três meses, em discussão internacional.
“Vamos receber os contributos dessas reflexões dos vários países e das várias culturas e civilizações e tencionamos em abril fazer uma proposta já mais formalizada aos órgãos competentes da UNESCO para que ao longo do ano possa ir a votação na Assembleia Geral”, salientou.
Rui Nunes disse ainda à Lusa estar a “estabelecer contactos” para convidar a jovem paquistanesa, Prémio Nobel da Paz, Malala Yousafza, conhecida pelo seu papel de ativista pela educação, para ser a embaixadora internacional deste projeto.
“É evidente que se esta personagem tão jovem, mas já um símbolo tão grande para a humanidade aceitasse seria uma enorme vitória, quase que antecipada, para este projeto”, disse.
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