"Sou um filho de Santo Agostinho", ouviu-se a 8 de maio na varanda da Basílica de São Pedro, no Vaticano. Robert Francis Prevost é o 267.º Papa da Igreja Católica — mas é o primeiro norte-americano e o primeiro da Ordem de Santo Agostinho.

Consigo traz ideais de comunidade, com base na ciência (estudos), na continência (castidade) e na autêntica pobreza (tendo tudo em comum). O que pode isto dizer do novo Papa e como é que esta ordem surgiu e está representada em Portugal?

"A Ordem de Santo Agostinho nasce, como o nome indica, do próprio Santo Agostinho, depois de uma experiência de muitos anos longe de Deus, quando, à procura da verdade, se converte com aproximadamente 33 anos, volta à sua terra natal que é Tagaste, no Norte de África, e funda uma comunidade de monges", explica ao SAPO24 o padre João Silva, da Ordem de Santo Agostinho, vigário paroquial em São Domingos de Rana.

Este santo, que "tem como raiz da sua própria experiência a vida partilhada em comunidade, a amizade — esse é o coração do carisma", escreve uma "Regra de Vida" e, depois disso, os monges multiplicam-se. "Formaram-se cada vez mais comunidades dispersas, que pedem ao Papa, em 1244, para se unirem".

Assim, "oficialmente, juridicamente, a ordem nasce no século XIII, ainda que a sua fundação remonte a Santo Agostinho", e é nessa altura que ganha a "componente mendicante própria do século", tal como aconteceu com o surgimento dos franciscanos ou dos dominicanos.

"O carisma tem como centro a amizade verdadeira, aquela amizade que nasce de Deus, e por isso isso traduz-se na vida fraterna, na vida em comunidade, que é, diríamos, a característica mais sublinhada da nossa forma de viver, da nossa espiritualidade, até porque muitas outras ordens vivem em comunidade, mas como um meio para a missão", justifica o padre João Silva.

"A vida comunitária é um fim em si mesma. Nós juntámo-nos para procurar juntos a Deus, e é desde a comunidade que depois nos colocamos ao serviço da Igreja, naquilo que ela precisar. Isto depois se desenvolve noutros pilares da espiritualidade, como a formação e o estudo, a pobreza, a partilha de todos os bens espirituais e materiais, o serviço à Igreja e a interioridade", acrescenta ainda.

"Santo Agostinho é o doutor da graça, o mestre da interioridade, que descobre que antes de ele procurar a Deus, Deus já o tinha encontrado por dentro", resume.

créditos: Agostinhos Portugal

Uma ordem presente em Portugal

É também no século XIII que a Ordem de Santo Agostinho chega a Portugal, com "uma presença muito, muito, muito grande ao longo de todo o território, inclusive nas ilhas".

"Praticamente todos os grandes conventos ou igrejas que em Portugal ainda se chamam de Nossa Senhora da Graça pertenceram à Ordem de Santo Agostinho. É assim que os agostinhos em Lisboa eram conhecidos como gracianos. Este grande convento, este complexo enorme que existe na colina de Lisboa, foi casa provincial dos agostinhos até à expulsão no século XIX, quando foram expulsas todas as ordens, em 1834".

Depois, deu-se o regresso a Portugal. "Celebrámos o ano passado 50 anos. Portanto, em janeiro de 1974, a ordem voltou a Portugal. Primeiro na Guarda, depois na Arruda dos Vinhos e Sobral de Monte Agraço, e posteriormente, e é onde estamos agora, em duas comunidades, Santa Iria da Azóia e São Domingos de Rana".

No total, existem "seis padres, três em cada uma das comunidades". Mas os agostinhos são mais do que isso. "Temos também cinco fraternidades, a terceira ordem — os amigos afiliados à ordem de Santo Agostinho. Para além disso, temos uma associação juvenil, com reconhecimento civil, que se chama Juventude Agostiniana Portuguesa, com cerca de 200 associados".

"É um homem muito sereno, muito tranquilo, muito organizado, muito trabalhador"

O padre João Silva não tem dúvidas: "podemos esperar um Papa de diálogo, de pontes". E di-lo com a "alegria de o conhecer pessoalmente". "É um homem muito sereno, muito tranquilo, muito organizado, muito trabalhador. E é, diríamos, um agregador, um conciliador".

"Guardo com carinho as duas primeiras vezes que estive com ele. Eu era noviço, estava no primeiro ano da formação inicial. E o então padre Prevost era prior-geral da Ordem de Santo Agostinho. Nesses encontros que tivemos, primeiro em Roma, depois em Milão, no contexto de uma formação social, ele foi muito próximo, muito simpático connosco, muito acolhedor", recorda.

"Sendo nós jovens, muito miúdos, foi muito importante contarmos com ele para a formação, a alimentar-nos, a animar-nos a continuar. Também estivemos com ele na Jornada Mundial da Juventude, em Madrid, em 2011, já que presidiu à Eucaristia do Encontro dos Agostinhos, com todos os jovens ligados à Ordem. E sublinhou-se uma vez mais essa serenidade, essa tranquilidade — mas muito assertivo e muito próximo do coração das pessoas".

O que se espera de um Papa agostiniano?

Por isso, para este pontificado, "esperaremos, com certeza, um diálogo, uma palavra certa no horizonte. Por outro lado, nós, agostinhos, levamos em princípio para a nossa vida a sinodalidade, o caminho conjunto, o trabalho conjunto, e por isso eu creio que ele será um continuador entusiasta deste processo sinodal. E ele já disse ontem: estender pontes, o encontro, a paz", enumera.

Será "um homem de Deus que dará, certamente, essa importância à espiritualidade, à vida interior, muito própria também dos agostinhos. E que ontem também o fez notar, especialmente com a referência a Nosso Senhora", completou.

Por outro lado, "o Papa Leão XIV tem uma experiência muito forte do que é Igreja em saída, a Igreja missionária. Foi missionário no Peru antes de ser nomeado bispo. Depois foi 12 anos Superior-Geral da Ordem de Santo Agostinho. Portanto, conhece mais de 40 países. Esta proximidade às pessoas, especialmente aos que mais sofrem, aos últimos, vai ser certamente o alento do seu pontificado".

Tal como aconteceu com Francisco, também os jovens não deverão ficar esquecidos. "Já estão a circular nas redes sociais alguns vídeos de há não muito tempo, de vários encontros que teve com jovens. É um Papa muito próximo".

Com pontos em comum, mas diferente de Francisco

Apesar de tudo isto, o padre João Silva pensa que Leão XIV vai ser "muito diferente de Francisco".

"É uma personalidade diferente, mas muito próximo. O pontificado pode surpreender, mas é uma pessoa muito discreta, muito tímida. O Papa Francisco talvez fosse mais expansivo, mais espontâneo, era-lhe mais fácil de sair do guião, do protocolo, ter alguns gestos mais efusivos. Vamos ver", nota.

Sobre o contexto político internacional, já que o Papa é oriundo dos Estados Unidos da América, o padre agostinho recorda que "é importante sermos conscientes que o Papa não muda nada".

"O Papa é uma voz autorizada. Para além de ser a cabeça visível da Igreja, é também um chefe de Estado. Portanto, tem uma palavra a dizer, com certeza. Mas será, sem nenhuma sombra de dúvidas, um espelho do Evangelho, da vontade de Deus para o nosso mundo", alerta.

E é para o mundo que o olhar do novo pontífice se deve voltar. "Sendo ele filho de imigrantes, tem uma proximidade a esta realidade muito, muito, muito acentuada. Isso certamente far-se-á notar, sendo ele um pastor com coração de pai e, como dizia o Papa Francisco, com cheiro a ovelha".

ERNESTO BENAVIDES / AFP

"Eu apostava todas as fichas em como será um pontificado tranquilo, mas que vai marcar", frisa. "É do que o mundo mais precisa.
Não há paz sem serenidade. E as duas primeiras palavras que disse, citando Jesus ressuscitado — a paz esteja convosco — e que repetiu por duas vezes, creio que será uma linha mestra deste pontificado".

"Os Papas são sempre sucessores de Pedro e todos sucessores uns dos outros. Eu acredito com fé viva que o Espírito Santo envia à Igreja o Papa que é preciso em cada altura.  É verdade que Prévost foi um cardeal muito unido ao pontificado anterior. É o Papa Francisco que o nomeia bispo, que o cria cardeal, que lhe dá um cargo relevante na Cúria Romana. E eu creio que o Papa Leão XIV será um continuador de processos e certamente abrirá outros", remata.

Uma notícia especial

Nas comunidades da Ordem de Santo Agostinho em Portugal, a notícia da eleição de Robert Francis Prevost como Papa foi recebida com alegria. "Não há sondagens na eleição de um Papa, mas era um cardeal com muito peso. Era o Prefeito do Dicastério para os Bispos, tinha muito peso. E nós, dentro do nosso coração de agostinhos, também sonhávamos que ele um dia pudesse chegar à Cátedra de Pedro", assegura o padre João Silva.

Uma eleição que surgiu numa dia "com uma particularidade": a 8 de maio celebrou-se o dia de Nossa Senhora da Graça, uma "devoção tão especial para os agostinhos em Portugal".

Por outro lado, é um facto que realça uma particularidade do novo Papa, a devoção mariana. "Também é muito próprio dos agostinhos este amor a Nossa Senhora, à grandíssima discípula, à Mestra do Discipulado".