Depois do escândalo que assombrou o Bloco de Esquerda (BE) durante a semana, este sábado os membros da oposição interna do partido Elisa Antunes, Gabriela Mota Vieira, Pedro Soares e Ricardo Salabert demitiram-se da Comissão Política do partido, que consideram "um órgão esvaziado das suas competências".

De acordo com uma nota enviada à comunicação social, estas demissões foram hoje apresentadas durante a reunião da Mesa Nacional do BE, órgão máximo do partido entre convenções, que decorre em Lisboa.

Nessa nota, "a recusa na última reunião da Comissão Política de constituição de uma comissão de inquérito para avaliação e apuramento de responsabilidades coletivas e individuais no processo de despedimento de funcionários" é apontada como a "gota de água que fez transbordar o copo".

Os quatro membros da Comissão Política eleitos pela lista de oposição à direção do BE coordenada por Mariana Mortágua afirmam não querer "continuar a ser membros de um órgão esvaziado das suas competências e que, pela sua maioria, confere total cobertura a métodos, posições e decisões" em relação às quais "se consideram estranhos".

"Enfrentar a crise que o Bloco atravessa exige coragem e humildade por parte da direção. Assumir erros implica, necessariamente, consequências que devem ser definidas de forma justa e fundamentada", lê-se no texto.

O que é a Comissão Política do Bloco de Esquerda?

A Mesa Nacional do BE elege de entre os seus membros uma Comissão Política, tendo em conta a proporcionalidade dos resultados eleitorais das diferentes moções apresentadas à Convenção Nacional, para tarefas de direção, representação e de aplicação das suas deliberações.

Por sua vez, a Comissão Política, órgão que assegura a direção quotidiana do BE, elege um Secretariado Nacional para tarefas de coordenação executiva.

Segundo Elisa Antunes, Gabriela Mota Vieira, Pedro Soares e Ricardo Salabert, "ao longo do mandato foi sendo referido em várias reuniões da Comissão Política que este órgão não estava a cumprir as suas responsabilidades estatutárias".

Os eleitos pela lista de oposição à direção alegam que "o Secretariado Nacional, que não é um órgão estatutário do Bloco e que inclui camaradas que nem são membros da Comissão Política, mas que tomam decisões que são da competência exclusiva da Comissão Política, tem vindo a substituir-se à Comissão Política nas suas funções, situação só possível pela ação da maioria".

Quais as acusações?

Os quatro acusam "o Secretariado Nacional e os seus membros" de atuarem como "uma espécie de nomenclatura que está acima dos Estatutos, esvaziando na prática as competências democraticamente conferidas à Comissão Política" e que impõe "uma espécie de 'cordão sanitário' contra a crítica".

A propósito dos despedimentos no partido que estão a ser investigados pelo Ministério Público, criticam a ausência de debate na Comissão Política sobre "uma política para o quadro de funcionários e assessores" e "processos de despedimento e formas de adaptação às disponibilidades financeiras do Bloco".

O que fará o partido?

A Mesa Nacional do Bloco de Esquerda (BE) decidiu mandatar a Comissão Política para elaborar uma proposta de revisão dos estatutos dos funcionários, após a polémica sobre despedimentos no partido.

Esta decisão foi anunciada pela coordenadora do BE, Mariana Mortágua, em conferência de imprensa, num hotel de Lisboa, no fim de uma reunião da Mesa Nacional, órgão máximo entre convenções.

A coordenadora do BE considerou que na reunião de hoje foram prestados todos os esclarecimentos sobre este assunto.

Sobre as quatro demissões da Comissão Política apresentadas por membros da oposição interna, Mariana Mortágua relativizou-as, referindo que se mantêm na Mesa Nacional e que é antigo o seu "distanciamento político" em relação à direção do BE.

Segundo a coordenadora do BE, "essa decisão de saída não aconteceu por consequência da rejeição de uma Comissão de Inquérito" sobre os despedimentos no partido e foi anunciada "na reunião da própria Comissão Política que houve no início da semana".

"A Mesa Nacional mandata a Comissão Política para elaborar e propor à Mesa Nacional uma proposta de atualização de estatuto dos funcionários do BE", estabelece o último ponto da resolução aprovada na reunião de hoje.

Participaram nesta reunião 63 membros da Mesa Nacional. A resolução teve 14 votos contra e três abstenções.

A proposta da oposição interna para que a Mesa Nacional nomeasse "uma Comissão de Inquérito para avaliação do processo das responsabilidades coletivas e individuais relativamente aos despedimentos tornados públicos recentemente" foi rejeitada pela maioria, com 14 votos a favor e três abstenções.

O que se sabe até agora sobre os despedimentos no Bloco de Esquerda?

O procurador-geral da República, Amadeu Guerra, referiu esta quinta-feira, haver indícios de “falsificação de documentos à Segurança Social”, em investigação pelo Ministério Público (MP), no caso dos alegados despedimentos no Bloco de Esquerda (BE).

Na quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou ter aberto um inquérito para investigar o caso dos alegados despedimentos de funcionários do Bloco de Esquerda, que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.

O caso dos cinco alegados despedimentos foi divulgado na semana passada pela revista “Sábado”, que adiantou que algumas das mulheres que trabalhavam no partido e foram despedidas estavam ainda a amamentar.

Em reação, o Bloco de Esquerda justificou, em comunicado, que a redução de pessoal feita na sequência da baixa da subvenção mensal que recebia foi feita de duas formas: “a generalidade das comissões de serviço foi terminada no final de março de 2022, respeitando os prazos legais de notificação” e “em dois casos, em atenção a situações pessoais particulares, o Bloco propôs que a cessação de vínculo se efetuasse no final de dezembro de 2022, garantindo às duas funcionárias mais tempo de preparação da fase seguinte das suas vidas”.

“Nenhuma trabalhadora ‘com um bebé de dois meses’ foi despedida do quadro do Bloco. Nenhuma trabalhadora afetada pelo término de comissões de serviço foi substituída por outro trabalhador contratado para o efeito”, divulgou o partido.

De acordo com o BE, a notícia “cita cinco ‘despedimentos’, um dos quais o de uma pessoa que - a própria notícia o reconhece - trabalha no Bloco de Esquerda até hoje”.

“Outros dois casos são relativos a contratos cessados automaticamente pelo Parlamento Europeu no final dos mandatos de José Gusmão e Marisa Matias, como acontece com todos os contratos de todos os assistentes parlamentares europeus no final dos mandatos”, acrescentou.