“Decidi demitir-me da atividade teatral e, consequentemente da direção artística da Seiva Trupe (…), dada a falta de apoios do Ministério da Cultura, traduzidas no não apoio agora da DGArtes [Direção-Geral de Artes] a um projeto pontual, após diversas promessas da senhora ministra [Graça Fonseca], no sentido de resolver o problema da Seiva Trupe”, declarou esta tarde à agência Lusa Jorge Castro Guedes, diretor desta companhia de teatro.
Em entrevista telefónica à Lusa, Jorge Castro Guedes considerou uma “canalhice” a decisão do júri da DGArtes, por não contemplar, com um subsídio, o projeto de um espetáculo pontual, "O Crime de Aldeia Velha", sobre o texto de Bernardo Santareno.
“Considero uma canalhice na medida em que são júris ‘ad hoc’, que houve todo um trabalho desenvolvido e que realmente se comportam como miúdos. Canalhas nesse sentido. Se alguém eticamente quiser entender noutro [sentido], eu também o compreendo”.
O diretor demissionário assume que, com a sua decisão, a companhia, que iria celebrar o seu 50.º aniversário em 2023, não tem “grandes condições para continuar”.
“É por essa razão que eu saio. Não posso cumprir aquilo a que me propus. Saio. Demito-me”.
Numa carta enviada à Lusa, Jorge Castro Guedes vê a decisão da tutela como uma “sentença de morte, sadicamente por garrote, da Seiva Trupe, ironicamente proferida sob o mandato de quem afirmara querer salvá-la e aplaudiu a sua renovação”.
"A única coisa que queria era um mínimo de condições para trabalhar, mas, pelos vistos, nem a Seiva Trupe, nem eu o merecemos, dos poderes instituídos. Ou a nós não nos merecem eles. A ordem disto é comutativa. A situação, neste particular, da sobrevivência, é-me preocupante, mas mais preocupante seria continuar a viver o que, para mim, passou a ser um cancro intelectual que literalmente me corrói e mata. Antes a eutanásia do artista".
O diretor demissionário avisa que dará uma nota pública, em "momento oportuno" e longe do "habitual chavascal", em carta à ministra e ao primeiro-ministro, num "último ato de uma batalha" que "perdeu sem perder o rosto".
A 26 de julho de 2019, Jorge Castro Guedes e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, "trocaram impressões em geral sobre o teatro e sobre o futuro de um espaço da Seiva Trupe", durante uma visita às instalações da Cooperativa do Povo Portuense, local para onde aquela companhia se mudou depois de ter sido despejada em 2013 do Teatro do Campo Alegre, equipamento da Câmara do Porto.
Na altura, a justificação para a ação prendeu-se com o facto de a companhia de teatro ter falhado o pagamento de prestações em dívida.
Nessa altura, Jorge Castro Guedes avançava à agência Lusa que a companhia pretendia constituir uma "incubadora de teatro" para integrar um "banco de estagiários onde licenciados da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do Porto, por exemplo, pudessem fazer livremente os seus projetos, depois dos dois anos de estágio".
Desde agosto de 2019 que a sede administrativa da Seiva Trupe passou para a Fundação Escultor José Rodrigues, porque as salas de espetáculo e de ensaios da companhia, na Cooperativa do Povo Portuense, "jamais passariam, com as novas normas da IGAC [Inspeção-Geral das Atividades Culturais]", porque não tem, por exemplo, "acessos para deficientes" nem "saídas de emergência", explicou o diretor da Seiva Trupe, na altura.
Passou então a ensaiar os seus espetáculos em salas "emblemáticas" da cidade, como Cooperativa Árvore, Museu Nacional da Imprensa, Café Lusitano, Pinguim Café, Casa Allen, sala do Cineclube, na Casa das Artes e Convento de Francos.
A Seiva Trupe-Teatro Vivo esteve para fechar portas em 2018, depois de não ter conseguido apoios através dos concursos do Programa de Apoio Sustentado às artes 2018-2021, da DGArtes.
Na sexta-feira passada, a DGArtes anunciou os resultados do Programa de Apoio a Projetos, nas áreas de Criação e Edição, com a garantia, para 2020, do financiamento de 110 candidaturas, num valor de cerca de 2,4 milhões de euros.
Este ano foram analisadas pela DGArtes 506 candidaturas. Destas, 388 foram consideradas elegíveis para apoio. Porém, só 110, menos de um terço dos candidatos elegíveis irão receber financiamento. Em relação ao número total de candidatos, só 20% dos projetos consegue aceder aos apoios.
De acordo com os mapas do concurso, a candidatura da companhia Seiva Trupe foi considerada elegível para apoio financeiro, com uma classificação de 72%.
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