O Sudão tem assistido, nos últimos dias, a confrontos entre as forças armadas, lideradas pelo líder de facto do país desde o golpe de Estado de 2021, o general Abdel Fattah al-Burhan, e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF), chefiado pelo general Mohamed Hamdane Dagalo, conhecido como "Hemedti", que orquestrou em conjunto o golpe de 2021, mas que se tornou entretanto inimigo.

O surto de violência surgiu no fim de semana entre os dois principais generais sudaneses, cada um deles apoiado por dezenas de milhares de combatentes fortemente armados, e levou milhares de pessoas a permanecerem desde então nas suas casas ou em outros abrigos, com os mantimentos a esgotarem e vários hospitais a serem forçados a encerrar os serviços.

Apesar dos apelos da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do G7 no Japão, da ONU e dos EUA "para pôr fim imediato à violência", os combates continuam em Cartum, a capital sudanesa.

Face à tragédia em curso, diplomatas de diferentes países tentaram sem êxito negociar uma trégua, e o Conselho de Segurança da Nações Unidas foi convocado para discutir a crise.

Como chegámos aqui?

A luta pelo poder colocou o general Abdel Fattah al-Burhan contra o general Mohammed Hamdan Dagalo, numa reviravolta face à organização conjunta de um golpe militar em outubro de 2021.

Sob pressão internacional, Al-Burhan e Dagalo tinham recentemente formulado um acordo-quadro com partidos políticos e grupos pró-democracia, mas a assinatura foi repetidamente adiada à medida que as tensões aumentavam entre as duas fações em resultado da integração das RSF nas Forças Armadas e da definição da futura cadeia de comando.

Apenas há quatro anos, o Sudão inspirou esperança após uma revolta popular, ajudando a depor o líder autocrático de longa data Omar al-Bashir, mas a agitação desde então, especialmente o golpe de 2021, frustrou o impulso democrático e arruinou a economia.

Agora, a violência trouxe o espectro da guerra civil, numa altura em que os sudaneses estavam a tentar incrementar um governo democrático e civil, após décadas de governo militar. Na prática, o conflito explodiu devido à divergência sobre como integrar os paramilitares das RSF nas tropas regulares.

Como vão os confrontos?

Paramilitares das RSF foram vistos esta terça-feira em camionetas a disparar para o ar, na entrada de vários prédios residenciais em Cartum.

Já os aviões comandados pelo general Al Burhan tiveram como alvo os quartéis-generais das RSF, espalhados pela cidade.

Os ataques aéreos já atingiram quatro hospitais em Cartum. Em todo o país, pelo menos 16 hospitais estão fora de serviço, segundo um grupo de médicos.

A área do palácio presidencial e o comando geral do exército sudanês, em Cartum, foram hoje palco de explosões e tiros logo após a entrada em vigor das tréguas de 24 horas propostas pelos Estados Unidos, segundo testemunhas oculares.

Esta era a primeira trégua acordada desde o início dos combates no passado dia 15 de abril e estava previsto entrar em vigor às 18:00 locais (17:00 em Lisboa) depois de o exército sudanês e as RSF terem chegado a um acordo proposto pelos Estados Unidos.

Há vítimas? 

As recentes hostilidades já provocaram cerca de 270 mortos, segundo a ONU. Estima-se também que existam mais de 2000 feridos.

Os residentes permanecem fechados nas suas casas sem eletricidade ou água corrente e veem as suas reservas alimentares diminuir.

"Estamos a receber chamadas de todos os lados, de pessoas que querem coisas básicas, comida para as suas famílias, reunir as crianças com os seus pais, e, mesmo assim, não nos podemos mudar, não podemos fornecer-lhes serviços básicos como uma garrafa de água ou uma refeição para uma criança", disse o chefe da delegação da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (IFRC), Farid Aiyywar.

O sistema de saúde está gravemente perturbado e, "se isto continuar, pode entrar em colapso", advertiu.

"Muitos dos nove hospitais de Cartum que estão a receber civis feridos estão a ficar sem tudo… sangue, material transfusional, soluções intravenosas, equipamento médico e outras necessidades básicas", disse uma porta-voz da OMS em Genebra, Margaret Harris.

A OMS denunciou também os ataques às infraestruturas de saúde. Três ataques foram até agora registados pela OMS, "mas sabemos que há muitos mais", disse Margaret Harris.

"As partes devem assegurar que os cuidados possam ser prestados, o que não é possível se o pessoal, as ambulâncias e os abastecimentos não puderem deslocar-se em segurança", insistiu.

A ONU pode fazer alguma coisa? 

Devido à situação, as Nações Unidas suspenderam as suas operações no país, disse o porta-voz de António Guterres, Stephane Dujarric, sublinhando que a ONU "não pediria ao seu pessoal para ir trabalhar quando a sua segurança não está claramente garantida".

Este conflito "apenas agrava o que já era uma situação frágil", forçando as agências da ONU e parceiros humanitários a encerrar temporariamente muitos dos seus mais de 250 programas no Sudão", lamentou, por seu lado, o subsecretário-geral para Assuntos Humanitários da ONU, Martin Griffiths, em comunicado.

"Os impactos desta suspensão far-se-ão sentir de imediato, sobretudo nas áreas da segurança alimentar e apoio nutricional, num país onde cerca de quatro milhões de crianças e mulheres grávidas e lactantes sofrem de desnutrição grave”, sublinhou.

Os três membros africanos do Conselho de Segurança (Gana, Gabão e Moçambique), numa declaração conjunta após a realização do Conselho de Segurança, apelaram a um "cessar-fogo imediato".

"Apelamos fortemente às forças armadas sudanesas e às Forças de Apoio Rápido para que adotem rapidamente, no espírito do Ramadão, uma solução pacífica e um diálogo inclusivo para resolver as suas divergências", defenderam os três países.

Há portugueses no Sudão?

Ontem, o ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou que "uma dúzia" de portugueses no Sudão "estão bem", apesar dos confrontos que começaram no sábado.

"Lamentamos profundamente os conflitos e subscrevemos a posição das Nações Unidas, que pede um cessar-fogo imediato", acrescentou Gomes Cravinho.

Por sua vez, a Comissão Europeia anunciou que está a coordenar uma resposta para os cidadãos dos Estados-membros que estão no Sudão, na sequência da violência registada.

“Como a situação está a evoluir rapidamente, lembramos a importância de que todos os cidadãos da União Europeia no Sudão sigam as recomendações dos respetivos Estados-membros, como registar a sua presença”, sustentou a porta-voz da Comissão Nabila Massrali.

*Com Lusa