"É um terramoto na minha vida e na minha empresa", lamentou, em declarações à agência Lusa, o comerciante José Fernandes, que há 30 anos tem uma loja de têxteis na Rua de São Lázaro, junto ao Martim Moniz, freguesia de Arroios. O lojista contou que, há cerca de um mês, recebeu uma carta do senhorio, a Câmara de Lisboa, a solicitar documentos, mas sem dar explicações. Foi de forma informal que soube, através de uma funcionária da autarquia, que teria de sair do seu espaço para ali ser concretizado o Programa Renda Acessível.
Anunciado em abril pelo presidente do município, Fernando Medina, o projeto prevê o arrendamento de 5.000 a 7.000 fogos a preços reduzidos em 15 zonas da cidade.
Na Rua de São Lázaro, a maioria das lojas funciona como armazém de revenda, mas também há venda a retalho de produtos como toalhas, cortinados, mantas, roupa interior, entre outros. "A clientela que vem a um sítio, acaba por ir a outra loja, já está habituada. Se sairmos daqui, vai ser difícil arranjar clientes novos", referiu José Fernandes. Ainda assim, o comerciante já andou a ver outros espaços: "Não há nada na zona para arrendar e o que há é com um terço da área e a pedirem três vezes mais".
Manuel Rocha e Alfredo Tomás, proprietário de outra loja de têxteis e estofador de móveis, respetivamente, souberam ainda antes de José Fernandes que teriam de sair. Como os espaço onde se encontram lhes foram cedidos há décadas de forma precária, receberam em novembro passado uma carta da Câmara de Lisboa pedindo a "desocupação do espaço não habitacional", para "dar cumprimento ao Programa de Arrendamento Acessível". Mais recentemente, em maio, foram notificados para abandonar o espaço em 60 dias.
Em ambos os casos, não há direito a indemnização (pelo contrato de arrendamento precário), mas o que os preocupa é a mercadoria que ainda têm. "Tenho a loja cheia de artigos e não dá para me desfazer deles em dois meses", salientou Alfredo Tomás. Também Manuel Rocha não conseguiu "escoar o stock'" neste prazo, razão pela qual pediu "mais tempo" à Câmara.
Enquanto este comerciante falou na "morte do comércio tradicional", Alfredo Tomás apontou "que vão acabar com um ofício que praticamente já não há na cidade", o de estofador.
Em resposta escrita enviada à Lusa, a autarquia explicou que em causa estão 27 lojas da Rua de São Lázaro cujos espaços serão reabilitados para serem arrendados para habitação a baixo custo. "Não foi interposta qualquer ação de despejo, mas sim iniciados os contactos legais visando a desocupação dos espaços, tendo sido acautelado o pagamento das devidas indemnizações nos casos dos contratos de arrendamento existentes em situação regular", assegurou o município, apontando que "alguns dos processos já terminaram e foi entregue a devida compensação".
Segundo a autarquia, os contactos feitos com os comerciantes levaram a "prorrogações dos prazos de saída dos espaços em função dos pedidos", pelo que se aumentou "o período de permanência nas lojas até ao final do ano".
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