Numa entrevista à agência Lusa, em Luanda, o também investigador e professor da Universidade Católica de Angola, de 71 anos, salientou que a cooperação com o Ocidente, nomeadamente financeira, foi sempre toldada por condicionalismos do ponto de vista político, aspetos que, realçou, “a China não coloca”.

“Tenho tido uma apreciação relativamente crítica sobre a ligação à China. Mas, nesta fase, não só para Angola, mas também para África – a China tem muito dinheiro, sobretudo nas linhas de crédito, nos financiamentos e, eventualmente, no investimento privado chinês em Angola – é a melhor parceira que Angola pode ter”, disse.

“Há condicionalismos que muitos países europeus colocam nas linhas de crédito e nos financiamentos que concedem. São sempre com alguma condicionalidade política: Há uns resultados preliminares da estratégia de João Lourenço nos domínios da transparência e do combate à corrupção e isso pode ser bom”, acrescentou o também diretor do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica, órgão criado em 2002.

Alves da Rocha lembrou que a China é o maior credor de Angola e que, atualmente, tem em cima da mesa a negociação de mais uma linha de crédito – que ronda os 10 mil milhões de euros -, razão que leva, de novo, o Presidente angolano, João Lourenço, a Pequim, depois da presença em setembro na terceira cimeira do Fórum de Cooperação China-África.

O economista angolano, no entanto, não isenta de críticas a cooperação financeira chinesa e muito menos a definição, escolha e implementação de projetos financiados pela linha de crédito da China, “que não tem sido a melhor”.

“Temos problemas em várias vias rodoviárias, construídas com base nos créditos da China, que já estão a ser reconstruídas seis, sete ou oito anos depois, quando estas infraestruturas têm uma vida económica média útil de 20, 25 ou 30 anos. Significa que estamos a duplicar investimentos públicos, estamos a diminuir a sua rendibilidade económica e social e a criar mais dívida, a aumentar a dívida externa do país”, criticou.

Para Alves da Rocha, porém, a “culpa” é também de Angola, que não fez uma fiscalização correta, permitindo que a escolha das empresas que devem executar as obras seja feita pela China – “temos obras chinesas de fraca qualidade, mas temos obras chinesas de elevada qualidade”.

“Tem de haver aqui um espaço de negociação para tornar os financiamentos chineses mais úteis e, do ponto de vista económico, mais rentáveis”, sugeriu, lembrando que o Governo do Presidente angolano tem, pelo meio, “muitos desafios” pela frente.

Questionado pela Lusa sobre quais os principais desafios, Alves da Rocha salientou três, que passam por questões políticas, económicas e financeiras.

“Tem, em primeiro lugar, uma questão política. Não sei se a sua eleição política, com a sua eleição para a liderança do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, no Congresso Extraordinário, a 08 de setembro], acabará por organizar um partido mais unido e unificado, de modo a que tenha uma participação na condução dos destinos do país”, referiu.

Como segundo desafio, acrescentou, João Lourenço tem um problema económico -“não vejo como vai ser ultrapassado” -, uma vez que Angola vive, desde 2009, problemas de consolidação do crescimento económico.

“2009 foi o início de um período em que a dinâmica de crescimento de Angola diminuiu significativamente, comparado com o período que se costuma chamar a ‘mini idade de ouro do crescimento económico de Angola’ e, consultando o Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN – 2018/2022), tenho algumas reservas sobre se de facto se será o instrumento ou abordagem para se ultrapassar os problemas económicos”, questionou.

“O PDN conta com nove eixos estratégicos de desenvolvimento, em que cada eixo tem uma série de políticas para serem executadas. Cada política tem uma série de objetivos e há um conjunto variado de ações, ou seja, trata-se de um PDN cujos resultados ficam quem das nossas expectativas. Tanta política, tantos eixos estratégicos para, no fim, para Angola rubricar uma taxa média anual do crescimento do PIB até 2022 de 3%”, criticou.

Sublinhando desconhecer “quanto vai tudo custar”, Alves da Rocha lembrou que a implementação de um plano “tem custos diretos para o governo e custos de oportunidade para a economia”.

Em terceiro lugar há o problema financeiro, pois Angola “está com dificuldades financeiras a vários níveis”.

“O país, a própria economia, tem problemas de divisas, as finanças públicas têm problemas de receitas. Apesar de o preço do petróleo estar a aumentar, há aqui um problema de ligação às quantidades produzidas. Pode ser que esta situação se venha a alterar a partir de 2020 ou 2021, quando os engulhos sobre a produção serão resolvidos. Mas, até lá, o problema permanece. Temos tentado resolver o problema financeiro, o problema dos défices, através de empréstimos, nomeadamente externos, desta maneira”, disse.

“São muitos desafios, mas creio que João Lourenço contará, não sei se durante todo o tempo da sua legislatura, com o apoio do partido e o apoio das organizações da sociedade civil, que veem João Lourenço como uma esperança de mudança, de colocar o país nos trilhos corretos”, concluiu.

Natural de Malanje, onde nasceu a 26 de agosto de 1957, Manuel José Alves da Rocha é professor Associado da Universidade Católica de Angola, onde leciona as cadeiras de Finanças Públicas e Integração Económica.

Alves da Rocha é escritor assíduo de artigos de opinião em alguns órgãos de comunicação social angolanos e estrangeiros e autor de cerca de duas dezenas de livros sobre a temática direta ou indiretamente associada à vida económica em Angola.

O economista é ainda membro da Academia de Ciências de Lisboa (Académico Correspondente), da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Senado da Universidade Católica de Angola, da Ordem dos Economistas Portugueses, da Associação Angolana de Economistas, da Canadian Association of African Studies (desde 1998), entre outros.