“'Elas estiveram lá' incide sobre a presença feminina e a sua invisibilidade em determinados registos da história, uma vez que a história é contada por homens, e estes deixam sempre as mulheres na sombra”, explicou à agência Lusa Joana Craveiro, autora do texto e responsável pela direção da obra.
A peça acaba por ser uma “reflexão sobre a condição feminina, face ao processo histórico e ao processo de repressão, daí que seja um espetáculo que começa na rua e termina numa sala", disse Joana Craveiro à Lusa, acrescentando que, assim, "acaba por ser também uma peça que aborda o processo de libertação feminina”.
“Elas Também Estiveram Lá - quotidianos de resistência e de revolução de mulheres” não parte de testemunhas de personalidades conhecidas da história, antes de mulheres anónimas que Joana Craveiro foi conhecendo ao longo dos tempos - umas, ativistas políticas, outras, nem tanto -, e que são originárias de várias zonas do país, todas com vivências diferentes.
“A peça parte de uma pesquisa alargada que o Teatro do Vestido tem vindo a fazer ao longo de cinco anos, a partir da recolha de testemunhos de mulheres anónimas, de mulheres que viveram a ditadura e o processo revolucionário, de mulheres que fomos encontrando ao longo do processo de construção" da obra, acrescentou Joana Craveiro.
Os “quotidianos de resistência” são evocados num percurso dramatizado, entre a avenida da Liberdade e o Cinema São Jorge, através de testemunhos de mulheres, acerca da sua vivência durante a ditadura do Estado Novo, o dia 25 de Abril de 1974 e o processo revolucionário que se lhe seguiu.
O "percurso começa na Avenida da Liberdade, entra por uma porta, sobe um lance de escadas, e desemboca numa antiga sala de visionamento da censura", escreve o Teatro do vestido, na apresentação da obra.
"Arredadas da história, pelo menos das narrativas históricas dominantes, as mulheres portuguesas têm contudo muito a dizer sobre a repressão, a censura, o machismo e o sexismo ao longo do século XX, nomeadamente durante a ditadura portuguesa, onde o mote de ‘a cada um o seu lugar’ as relegava para lugares afastados da esfera pública, sujeitas ao domínio dos maridos, numa sociedade profundamente conservadora e patriarcal", acrescenta o teatro.
"Dos relatos [oficiais] do dia 25 de Abril, as mulheres também não constam, dominados que são por narrativas masculinas heroicas militares e políticas", prossegue o teatro, que acrescenta: "No processo revolucionário que ensaiou novas formas de organização e ação política, não sabemos onde estavam, ou em que livros de história se fixaram, mas vemo-las nas fotografias de manifestações, nos filmes e documentários da época".
O Teatro do Vestido quis, por isso, "ir resgatar essas vozes perdidas, anónimas, mas participantes, em tudo isso, e assim dar conta de uma multiplicidade de retratos da mulher portuguesa, que são também um espelho do presente, ou de como chegámos até aqui".
Construído para um espaço emblemático - o Cinema São Jorge, onde existia uma sala de visionamento da censura - e para a zona exterior circundante, a Avenida da Liberdade, esta criação do Teatro do Vestido está "profundamente ancorada nas memórias da própria cidade, resgatando a pequena história que nos constitui", lê-se na apresentação da obra.
A peça tem texto e direção de Joana Craveiro, que também interpreta, com Ainhoa Vidal, Inês Rosado, Joana Margarida Lis, Tânia Guerreiro e Vera Bibi, figurinos de Ainhoa Vidal, desenho de luz de João Cachulo, produção de Cláudia Teixeira e fica em cena, a partir de terça-feira, até sábado, no âmbito do festival Abril em Lisboa.
De hoje a sexta-feira, as representações têm início às 21:00, no sábado, às 19:00.
Os bilhetes são levantados no próprio dia do espetáculo, na bilheteira do Cinema São Jorge, a partir das 13:00. A companhia recomenda "o uso de roupa e calçado confortáveis".
A 24 e 29 de abril, o Teatro do Vestido vai estar em Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite, com “Um minimuseu vivo de memórias do Portugal recente”, uma peça para crianças a partir dos 11 anos, que aborda a ditadura portuguesa, de 1926-1974, a revolução de 25 de Abril de 1974 e o processo revolucionário de 1974-76, também a partir de testemunhos.
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