
Ao início da tarde soube-se através do site da Presidência da República que o Presidente da República falou telefonicamente com Maria do Céu Guerra, a quem transmitiu a sua solidariedade, extensiva a toda a Companhia e seus atores.
Sublinhou, em particular, que: "em democracia há e tem de haver liberdade de pensar e exprimir o pensamento, de forma plural e sem censuras. E que essa liberdade e esse pluralismo não podem ser calados, nem sovados, por quem discorda".
"Vivemos em democracia e não queremos voltar a viver em ditadura", refere o chefe de estado.
Também Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, diz que ataque no teatro A Barraca é "inadmissível" e deixa "grito de alerta" ao governo.
Carlos Moedas dirigiu-se ao teatro ainda ontem à noite e insiste que não pode haver hoje menos polícia na cidade de Lisboa do que havia há 14 anos.
"É inadmissível este tipo de ataques, um ataque à nossa identidade, cultura", disse esta quarta-feira em declarações à SIC, depois de já ter estado com o filho da vítima e com a encenadora Maria do Céu Guerra. "Ontem apercebi-me do ataque, fui lá, estive com o filho do ator [Adérito Lopes] e com Maria do Céu Guerra. Fui um dos primeiros a falar em segurança e já pedi uma reunião de urgência à senhora ministra da Administração Interna, precisamos de atuar", diz.
A ministra da Cultura, Juventude e Desporto, Margarida Balseiro Lopes, repudiou igualmente a agressão classificando-a como um “atentado contra a liberdade de expressão, contra o direito à criação, contra os valores democráticos”.
“A Cultura é um lugar de liberdade, nunca de medo. Repudio a agressão cobarde de que foram alvo os atores da companhia A Barraca”, começa por escrever a ministra, sobre a agressão, na noite de terça-feira, em Lisboa, que levou a que um ator de A Barraca fosse hospitalizado com ferimentos no rosto.
Margarida Balseiro Lopes sublinhou: “Este ataque é um atentado contra a liberdade de expressão, contra o direito à criação, contra os valores democráticos que nos definem enquanto país. A Cultura não se intimida. Não recua. E não aceita ódio travestido de discurso político”.
“Temos de garantir que artistas, técnicos e público podem participar plenamente na vida cultural, com segurança, respeito e dignidade”, reforçou a governante, que dirigiu ao ator agredido e a toda a equipa da companhia a sua solidariedade, em particular à diretora artística Maria do Céu Guerra, “cujo papel na cultura portuguesa é inestimável”.
Também a Casa do Artista condenou a violência cometida, na noite de terça-feira, e lembrou que numa democracia “não há lugar para o ódio, a intimidação ou a agressão”.
Em comunicado, a direção da Casa do Artista condenou “veementemente o ato de violência de que foram alvo os atores da Companhia A Barraca”, sublinhando a “total solidariedade” para com o ator agredido e para com os demais membros da companhia teatral.
A Casa do Artista reafirma a sua “firme defesa dos valores da democracia, do respeito e da dignidade humana bem como o [seu] compromisso com a dignidade e a segurança de todos os artistas”.
O Teatro D. Maria II, "enquanto instituição artística, e perante o recrudescimento de ameaças à liberdade de expressão, […] condena todas as formas de violência e tentativas de condicionamento dos direitos culturais de todas as pessoas e continuará a trabalhar comprometidamente na defesa da liberdade de criação e participação cultural como valor fundamental de uma sociedade democrática", lê-se na página oficial do teatro nacional.
A ACTA - A Companhia de Teatro do Algarve também reagiu, expressando "solidariedade para com A Barraca Teatro, em particular com o ator Adérito Lopes, brutalmente agredido num ato cobarde de violência de cariz neonazi".
"É urgente travar a propagação do ódio e pôr fim às narrativas extremistas que ameaçam a liberdade, a arte e a dignidade humana", apela A Companhia de Teatro do Algarve.
De igual modo, a Federação Portuguesa de Teatro condenou "o ato de violência de que foram alvo os atores de A Barraca Teatro", expressando solidariedade.
A escola profissional Instituto para o Desenvolvimento Social (IDS), a cujo corpo docente pertence o ator Adérito Lopes, coordenador do curso de Ator/Atriz, publicou na rede social Instagram que "repudia a vil agressão cometida sobre o seu professor".
"O nosso docente, vítima de um grupo de criminosos motivados pelo ódio e pela violência, partilha os valores universais que o levaram, há quase uma década, a juntar-se ao IDS, por saber que, nesta Casa, a defesa dos valores humanistas, como a educação, a liberdade, a paz, a justiça, o respeito pelo outro, é parte integrante da nossa missão como Escola".
O que se sabe até agora?
Um ator da companhia de teatro A Barraca, Adérito Lopes, foi agredido na terça-feira à noite por um grupo de extrema-direita, em Lisboa, quando entrava para um espetáculo com entrada livre de homenagem a Camões, disse a diretora da companhia, Maria do Céu Guerra.
Em declarações à Lusa, a também atriz Maria do Céu Guerra contou que por volta das 20h00, estavam os atores a chegar ao Cinearte, no Largo de Santos, quando se cruzaram à porta “com um grupo de neonazis com cartazes, programas”, com várias frases xenófobas, que começaram por provocar uma das atrizes.
“Entretanto, os outros atores estavam a chegar. Dois foram provocados e um terceiro foi agredido violentamente, ficou com um olho ferido, um grande corte na cara”, afirmou a também encenadora, de 82 anos, que disse que o ator em causa teve de receber tratamento hospitalar.
Maria do Céu Guerra contou à Lusa que o espetáculo 'Amor é um fogo que arde sem se ver' teria a última récita, de um conjunto de seis, às 21h00, com entrada livre, e tinha sala cheia, mas acabou por não acontecer.
O público só abandonou o espaço já para lá das 22h00, disse a atriz, que realçou que o sucedido só não foi pior por ter aparecido a Polícia de Segurança Pública (PSP), que já intercetou um suspeito.
Maria do Céu Guerra lembrou que se assinalam hoje os 30 anos do ataque por neonazis que matou Alcindo Monteiro: “30 anos depois, este país ainda não arranjou forma de se defender dos nazis”.
“É terrível. E tenho aqui o elenco, 14 atores, todos temendo pela sua saída do teatro. E que querem falar, dar a sua opinião, querem dizer o que sentem em relação a isto e à proteção que lhes é merecida”, afirmou a atriz, que sublinhou o quão vulneráveis se sentem.
Fonte da PSP adiantou à Lusa que foi chamada pelas 20h15 ao Largo de Santos por “haver notícia de agressões”, onde foi contactada por um homem de 45 anos, que “informou que, ao sair da sua viatura pessoal, foi agredido por um indivíduo”.
A PSP, com as características do eventual suspeito fornecidas pelo ofendido e por um seu amigo, encetou várias diligências nas ruas adjacentes ao Largo de Santos, tendo sido possível localizar e intercetar um homem com 20 anos, suspeito de ser o autor da agressão, adiantou a mesma fonte.
De acordo com a mesma fonte, o agredido necessitou de assistência hospitalar, tendo sido assistido no local pelos bombeiros e depois transportado para o hospital.
A PSP identificou os intervenientes neste caso - suspeito, ofendido e testemunha - e vai comunicar todos os factos apurados ao Ministério Público.
Segundo o jornal Expresso, o grupo extremista "Blood & Honour" poderá ser a responsável pela agressão de Adérito Lopes. O ataque terá sido feito em conjunto com o "Portugueses Primeiro", segundo revelou uma fonte à SIC Notícias.
Os relatos iniciais ligavam o grupo Reconquista ao ataque devido à distribuição de autocolantes nos arredores — disponíveis à venda no seu site —, em que se lia o lema “Remigração. Portugal aos portuguezes”. No entanto, a organização partilhou um comunicado a negar o seu envolvimento.
Entretanto, o jornal Expresso recebeu uma fotografia de dois elementos do grupo português Blood & Honour junto ao Cinearte, onde o Adérito Lopes foi agredido.
Ao jornal Observador, um ator da companhia de teatro A Barraca, não ser identificado, revelou que o grupo de cerca de 30 neonazis “estava a participar num evento num dos restaurantes perto do teatro”, quando um dos elementos se dirigiu a uma das atrizes que fazem parte do elenco da peça.
Entretanto, a SIC Notícias avançou que suspeito das agressões ao ator Adérito Lopes faria mesmo parte do grupo extremista intitulado "Portugueses Primeiro".
À SIC Notícias, fonte ligada à investigação garante que o suspeito de 20 anos está há muito referenciado pelos serviços de informações.
Fundada há 10 anos, a associação "Portugueses Primeiro" diz ser um grupo identitário e etnonacionalista. Apesar de serem poucos membros, permanecem ativos nas redes sociais, onde difundem mensagens contra a imigração.
O movimento é liderado por João Martins, que já foi condenado a 17 anos de cadeia pelo homicídio de Alcindo Monteiro, precisamente num feriado do 10 de Junho.
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