Em entrevista à agência Lusa, Jerónimo de Sousa defendeu as "arruadas", comícios, almoços e jantares com militantes, prestes a lançar-se, pela quinta vez desde que é secretário-geral do PCP, numa disputa eleitoral legislativa em quase 15 anos de mandato, para umas eleições legislativas que se disputam dentro de um mês e 12 dias.
Num coisa reconheceu convergência com o presidente do PSD, Rui Rio, a fartura face à quantidade de vezes com que se depara com lombo assado "em centenas" de refeições das diversas iniciativas partidárias até porque "Portugal tem coisas muito boas", as quais o deixam "embevecido", com alguns manjares com que vai enganando a fome ao longo dos longos percursos estrada fora.
"Às vezes, coisas simples, naquele Alentejo, na região autónoma da Madeira, nos Açores, em Braga, tenho encontrado coisas de grande valor que existem neste país e, particularmente, mesmo no plano gastronómico. E, por isso, é que não vamos alterar significativamente a forma de campanha. Há uma questão que é central: uma campanha de massas, junto das pessoas, onde não se fique pelo 'slogan', pela proclamação. No contacto direto, ouvindo, aprendendo, sem perder esta característica própria de estarmos perante umas centenas de comunistas, ecologistas, independentes, democratas que se identificam com a CDU e de podermos ouvir, mas, simultaneamente também, enviar a nossa mensagem, transformando quem está a ouvir, de certa forma, num candidato, na defesa e alargamento da CDU", regozijou-se.
Jerónimo de Sousa admitiu que, hoje em dia, "com a evolução tecnológica, há meios e formas espantosas de realizar campanhas eleitorais".
Todavia, "podem chamar arcaico, mas a política é para quê?", questionou.
"A política tem de ser direcionada para as pessoas. Tem de se chegar às pessoas. Não pela via do Facebook, embora também o Facebook tenha importância para nós. Mas é profundamente criador e de grande atualidade - não é arcaico - continuar a manter uma linha de contacto direto, esclarecimento, aprendizagem também. Essa linha, que alguns contrariam, até classificando de uma forma de apoucamento, é uma das maiores riquezas que pode haver na vida política nacional. Existirão outros que vivem muito dependentes da comunicação social e olham para estes nossos comícios e sessões um pouco como aquela estória da fábula da raposa e das uvas: 'estão verdes, não prestam'. Nós vamos manter esta perspetiva de uma campanha ligada ao povo", prometeu.
Para o líder comunista, "não é uma questão de moda".
"É uma questão de fundo, tendo em conta a natureza do nosso projeto, que, também nas campanhas eleitorais, se mantenha essa profunda ligação aos trabalhadores e ao povo. Foi sempre a chave da nossa vida de partido, ao longo de quase 100 anos. Sempre em situações, às vezes difíceis, de repressão, cerco, perseguição, tortura e até assassinato. Havia sempre uma palavra de ordem: é preciso ir para junto dos trabalhadores e do povo'. Também se aplica no quadro das eleições e processos eleitorais, é preciso continuar sempre ligado aos trabalhadores e ao povo e disso não abdicamos", garantiu.
Há quatro anos, a CDU foi a quarta força política mais votada com 08,3%, um total de 445.980 votos, equivalentes a 17 mandatos no hemiciclo de São Bento, imediatamente atrás do BE (10,2%), sendo que PSD e CDS-PP também concorreram coligados.
Desde que Jerónimo de Sousa é o líder dos comunistas (novembro de 2004), a CDU conseguiu sempre ir aumentando o número de deputados no parlamento: 14 em 2005, 15 em 2009, 16 em 2011 e 17 em 2015.
"Um funcionário de um partido não é um empregado"
O secretário-geral do PCP considera que a decisão judicial que obrigou o partido a reintegrar um seu funcionário crítico da 'geringonça' "entra em contradição com a lei dos partidos políticos", que "têm direitos" reconhecidos.
"Continuamos a considerar que um funcionário de um partido não é um empregado", responde Jerónimo de Sousa, em entrevista à agência Lusa, quando questionado sobre o processo judicial que o PCP perdeu em primeira instância e que se encontra em fase de recurso para o Tribunal da Relação.
Sem querer alongar-se em comentários relativamente a "uma questão interna", que constitui "um caso isolado", o líder comunista recorda que "é uma opção livre de cada um integrar ou não o quadro de funcionários do partido" e, "obviamente, quem não está bem, pode mudar-se, tem a liberdade de fazer isso".
"Temos a liberdade de nos filiarmos e, também, a liberdade de, não estando de acordo, sair", comentou o secretário-geral dos comunistas, para quem deveria ser respeitada a organização interna de um partido, "que a todos obriga".
No início de junho, o PCP foi condenado pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa a reintegrar o funcionário Miguel Casanova, que o partido considerava ter abandonado o respetivo posto de trabalho.
A sentença considerou "ilícito o despedimento do trabalhador", por "não ter havido motivo para o despedimento por abandono do posto de trabalho". "Condena-se o réu a reintegrá-lo nas mesmas funções que exercia" antes do conflito laboral, lê-se na decisão, da qual o PCP recorreu.
Miguel Casanova, segundo várias fontes, desempenhava funções políticas de dirigente na Organização Regional de Setúbal do PCP até que, no início de 2018, foi contactado no sentido de mudar de instalações e de tarefas, para o recinto da Festa do Avante!, no vizinho concelho do Seixal.
O então funcionário terá continuado a apresentar-se ao trabalho em Setúbal, onde o seu gabinete, segundo outra fonte próxima do processo, foi desmantelado em março de 2018, falhando assim a presença na Quinta da Atalaia (Seixal), como o PCP requeria, e desejando manter as suas "funções políticas, que cumpria desde 2007", em vez das novas tarefas "meramente técnicas", no espaço dedicado ao evento político-cultural anual dos comunistas.
Na versão do aparelho comunista, o funcionário terá recusado a nova colocação e funções, tendo a sua dispensa sido efetivada em maio de 2018. A ação judicial do queixoso contra o PCP só viria a ser interposta em setembro de 2018.
O filho de José Casanova, histórico militante do PCP, antigo dirigente e diretor do jornal "Avante!" entre 1997 e 2014, disse-se vítima de perseguição política por ter "fugido da linha oficial do partido", desde o final de 2015, ao criticar publicamente, embora em reuniões e órgãos do partido, a atual solução política que viabilizou o Governo socialista, com a posição conjunta entre PS e PCP, a denominada "geringonça", assente em acordos semelhantes com BE e "Os Verdes".
“Funeral do PSD é manifestamente exagerado”
Jerónimo de Sousa, a 43 dias das eleições legislativas e em entrevista à agência Lusa, começou por recusar "ingerências na vida interna de outros partidos", mas acabou por concluir que "o problema não está em Rui Rio", mas antes na "política que [o PSD] praticou e naquilo que propõe para a sociedade".
"Naturalmente, é um grande partido. Aliás, eu acho que muitos estão a subestimar o PSD. O PSD é um partido com enraizamento em muitos setores e regiões do país. Falar em funeral do PSD é manifestamente exagerado e errado. Rui Rio encontrou dificuldades objetivas, tendo em conta todo o histórico recente do Governo PSD/CDS", diz.
Segundo o secretário-geral comunista, "[o PSD] não foi capaz de compreender a alteração da correlação de forças, mantendo-se no essencial com propostas que tinham levado o PSD à derrota".
"Independentemente de qualquer conflitualidade interna - não me quero pronunciar -, acho que o PSD passará por dificuldades, mas está longe de ser um partido que vai implodir. Não acredito nisso. O PSD vai continuar a ser um partido presente na política e na sociedade", antecipa.
Sem querer "fazer juízos de valor antecipados" em relação ao sufrágio dos eleitores portugueses em 06 de outubro, Jerónimo de Sousa considera que "está muita coisa em aberto ainda, em termos eleitorais, políticos".
"A situação do PSD... o problema não está em Rui Rio, está na política que [o PSD] praticou e naquilo que propõe para a sociedade. Este é o problema do PSD, mais do que uma questão fulanizada", conclui.
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