O que é que aconteceu?

O Twitter anunciou nesta sexta-feira a demissão de "cerca de 50%" dos seus quase 7.500 funcionários no mundo, uma semana após a plataforma ser adquirida pelo homem mais rico do mundo, Elon Musk.

"Cerca de 50% do quadro de funcionários será afetado" pelas demissões em curso na empresa californiana, conforme documentos que chegaram à imprensa, confirmando o intuito do novo dono de reestruturar a empresa à sua imagem.

O dono da SpaceX e da Tesla, que comprou o Twitter por 44 mil milhões de dólares, já tinha dissolvido o conselho administrativo da empresa, demitiu o seu CEO e outros executivos.

Os despedimentos também já tinham começado a ser noticiados ao longo da semana, mas não com esta magnitude. Só que não foi apenas o volume dos despedimentos que fez levantar sobrolhos — foi também a forma como aconteceram.

Então?

Foi de surpresa. Começou quando milhares de funcionários do Twitter foram chamados a ficar em casa, depois de um encerramento temporário dos escritórios.

Enquanto estavam em casa, seguiu-se uma onda de demissões, sendo que a empresa californiana comunicou a cada funcionário a sua decisão através de um e-mail.

"Conforme anunciado mais cedo, o Twitter está a reduzir o seu quadro de funcionários para melhorar a saúde da empresa. Estas decisões nunca são fáceis e é com pesar que escrevemos para informar que o seu cargo no Twitter foi afetado. Hoje (sexta-feira) é o seu último dia de trabalho", lê-se numa das mensagens enviadas aos funcionários.

Antes disso, porém, alguns trabalhadores já tinham descoberto que tinham sido despedidos, recorrendo à própria plataforma para se despedir dos seus colegas.

"Não tenho emprego", escreveu, por exemplo, o ex-funcionário Blake Herzinger, enquanto outros relataram ter perdido o acesso aos servidores e contas de e-mail da empresa.

Mas a compra não significa mais dinheiro?

Não necessariamente. Recorde-se que Musk desistiu da compra e foi obrigado a seguir em frente por decisão judicial por já ter um pré-acordo. E para financiar a compra do Twitter, Musk endividou fortemente a empresa, cuja saúde financeira já era frágil por si só, registando perdas significativas nos dois primeiros trimestres do ano.

Para completar a compra, o magnata contraiu empréstimos no valor de 13 mil milhões de dólares — e aqui é a parte fulcral — que terão de ser pagos pelo Twitter e não por ele.

O bilionário também vendeu cerca de 15,5 mil milhões de dólares em ações da Tesla e deu títulos da sua construtora automóvel como garantia para outros empréstimos avaliados em 12,5 mil milhões de dólares.

Ao todo, os despedimentos vão representar uma poupança de 400 milhões de dólares ao ano, confirmou hoje a empresa. Por isso, também nas cartas de despedimento, vinha mencionado que o Twitter está a passar por um momento "incrivelmente desafiante". "Reconhecemos que isto afetará muitas pessoas que deram contribuições valiosas ao Twitter, mas, infelizmente, essa ação é necessária para garantir o sucesso da empresa no futuro".

E agora?

Os tempos de facto parecem ser "incrivelmente desafiantes" para o Twitter, em parte devido à conjuntura atual, em parte devido à forma como Musk começou desde logo a fazer alterações na empresa.

É que mesmo antes da compra, Musk vinha a fazer promessas quanto a tornar o Twitter uma rede social com maior liberdade de expressão — o que, perante o cenário de polarização política vigente, especialmente nos EUA, pareceu significar passar a haver menos controlo sobre discursos inflamatórios ou até mesmo de ódio.

Além disso, Musk sugeriu que iria restabelecer contas bloqueadas, como a do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump — recorde-se que o magnata republicano foi expulso logo após os seus apoiantes invadirem o Capitólio americano, a 6 de janeiro de 2021.

Musk afirmou desde logo que ia formar um comité para avaliar as futuras políticas de utilização do Twitter, especialmente no que concerne à moderação de conteúdos publicados e ao dito restabelecimento de contas bloqueadas. Coincidência ou não, quando a compra foi efetuada, foi observado um pico de publicações recorrendo a linguagem sexista ou racista.

Além disso, a necessidade de obter formas de financiamento rápidas para tapar o buraco financeiro da rede social levou Musk a encarar propostas que estão a ser mal-recebidas por uma percentagem significativa dos utilizadores. A mais controversa é o possível lançamento de uma assinatura de oito dólares por mês para os utilizadores que desejam ter a conta verificada, entre outras regalias.

Qual é o problema?

O atual sistema de verificação de identidade do Twitter é gratuito — para ter o selo azul junto ao seu nome, precisa de comprovar a sua identidade junto da equipa da rede social.

No entanto, este é um serviço apenas prestado a figuras públicas cuja autenticidade seja necessária salvaguardar — o que vai desde políticos, médicos, investigadores e jornalistas, a artistas e celebridades. No fundo é, por exemplo, uma forma de ninguém poder criar uma conta fazendo-se passar pelo presidente dos EUA.

Onde é que isto me afeta?

Musk tem recorrido ao argumento de que este sistema por um lado cria "elites" na comunidade do Twitter e por outro permite a proliferação de bots e contas falsas, alegando que com esta subscrição está a incentivar o utilizador comum a proceder à verificação. Mas a sua solução pode criar ainda mais problemas

Como a Vox explica neste artigo, o novo sistema de verificação proposto apenas requer o pagamento, não exigindo verificação de identidade. Como tal, em última análise, será possível a qualquer pessoa fazer-se passar por outra desde que pague oito dólares por mês.

A questão agrava-se com o facto de que este novo sistema também prevê que quem adira à subscrição tenha primazia nas pesquisas — ou seja, os seus tweets aparecem primeiro que os de contas não verificadas — e nas respostas nas threads que se costumam gerar entre conversas.

Este cocktail pode significar, na pior das hipóteses, a proliferação de contas falsas a espalhar desinformação fazendo-se passar por verdadeiras devido ao sistema de verificação ou, na melhor das hipóteses, a criar um sistema igualmente desigual ao vigente, apenas promovendo utilizadores de má fé que paguem pelo privilégio.

Ora, seja como for, mesmo que não tenha uma conta no Twitter, isto poderá afetar a sua vida de formas mais imprevisíveis do que imagina, já que grande parte das comunicações políticas ocorrem através desta plataforma, atualmente — e é onde muitas notícias começam por proliferar. Basta recordar a influência que Donald Trump tinha no período em que ainda era dono de uma conta nesta rede social.

E estas mudanças podem ser contraproducentes até mesmo a nível financeiro.

Porquê?

Perante este misto de aumento do discurso hostil na plataforma com a possibilidade do novo sistema de verificações poder alterar por completo as dinâmicas na plataforma, grandes empresas, como a General Motors e a Volkswagen, suspenderam a sua publicidade no Twitter.

A publicidade é a principal fonte de receita do Twitter e Musk tem tentado acalmar os ânimos garantindo que a plataforma não tornar-se-á um "inferno para todos".

Mas hoje, apontou um novo alvo, criticando os "grupos de ativistas que pressionam os anunciantes, embora nada tenha mudado quanto à moderação do conteúdo e que nós tenhamos feito tudo o que pudemos para apaziguá-los", escreveu hoje num tweet. "É realmente marado! Estão a tentar destruir a liberdade de expressão nos Estados Unidos", acrescentou.

Enquanto o caos promete continuar a grassar no Twitter, há utilizadores já a recorrer a outras redes sociais: o Mastodon, por exemplo, subiu esta semana aos 655 mil utilizadores.