Os exemplos de dificuldades em compatibilizar os rendimentos com o preço de uma habitação multiplicaram-se ao longo deste ano: estudantes a condicionarem a escolha universitária, professores a desistirem de colocações, polícias e outros profissionais deslocados a passarem dificuldades.

A classe média juntou-se aos grupos mais vulneráveis, como as pessoas em situação de sem-abrigo ou a população migrante, que há muito reclamavam ter sido abandonados por cidades cada vez mais viradas para o turismo e menos para as pessoas que as habitam.

O coro de vozes engrossou em manifestações de rua, um pouco por todo o país, exigindo uma casa para viver e uma vida justa.

Mas isso não impediu a proliferação de tendas nas ruas das maiores cidades, com Lisboa à cabeça, tornando desfasados os últimos números oficiais (2022) sobre sem-abrigo, que identificam 10.773 pessoas nessa situação, 394 pessoas das quais nas ruas da capital.

Um número aquém do que presenciam as várias organizações no terreno, sem mãos a medir para o aumento do número de pessoas sem-abrigo e prevendo um agravamento da situação em 2024.

Simultaneamente, a população migrante que acorre às grandes cidades com promessas de trabalho nem sempre cumpridas sobrevive em regimes de "cama quente" e condições habitacionais indignas.

Ao longo do ano letivo, repetiram-se os casos de estudantes que deixaram cursos a meio e que condicionaram escolhas universitárias à proximidade das suas terras de origem, agravando-se a tendência de os jovens portugueses saírem tarde de casa dos pais.

“Muitos de nós já correram o país de casa às costas, pagando a dobrar” – clamaram os professores, juntando-se às queixas sobre a dificuldade – que para muitos passou a impossibilidade – de compatibilizar rendimentos e habitação, situação que levou a Federação Nacional de Professores (Fenprof) a defender apoios à habitação para os professores deslocados “em toda e qualquer região do país”.

A subida acentuada dos preços das casas e o aumento das taxas de juro provocaram impacto no mercado da habitação, dificultando a vida também a quem comprou casa.

No primeiro semestre do ano, o número de casas vendidas caiu 22%, face a igual período do ano anterior, e o volume de negócios caiu 16%.

Perante a crise, o Governo colocou a habitação entre as ações concretas da prioridade “reforçar os rendimentos”, uma das três do Orçamento do Estado (OE) para 2024.

A comparação entre os relatórios dos OE 2023 e 2024 confirma o agravamento da crise habitacional, visível na quantidade de tentativas de resposta por parte do Governo.

Logo em fevereiro, o executivo apresentou um pacote de medidas que haveria de fazer correr muita crítica ao longo do ano, com direito a veto presidencial, apoiado na ausência de consenso político sobre a matéria.

O pacote Mais Habitação não agradou nem a gregos nem a troianos, com a esquerda a pedir mais, concretamente o congelamento do aumento das rendas e a suspensão dos despejos, e a direita a fazer acusações de violação dos direitos de propriedade e de destruição de setores da economia, como o alojamento local.

As medidas do Governo foram também contestadas nas ruas, onde se manifestaram dezenas de milhares de pessoas, congregando uma centena de associações e coletivos distintos.

Só em setembro é que o programa seria, finalmente, aprovado, e apenas pela maioria socialista.