“O que peço é que se tenha aqui um sono tranquilo, para que vão trabalhar relaxadamente, pois não faz sentido ir para fora e estar sempre a pensar: Será? Não será?”, conta Elsanque Cravide, 39 anos, um dos representantes das cerca de duas dezenas de famílias que habitam aquele bairro, em Santa Iria da Azóia, no concelho de Loures.

A dúvida apontada à Lusa pelo morador são-tomense reside no sobressalto diário de sair para procurar o sustento, em atividades precárias e mal remuneradas, sem saber se quando regressarem às casas de madeira, lonas e chapas de zinco, ou de tijolo (algumas), ainda as vão encontrar de pé.

“Já pedimos à câmara para dar o direito de contribuir e pagar água e luz”, explica Cravide, acrescentando que as precárias habitações possuem energia elétrica, através de uma “puxada” de uma casa próxima, mas apenas durante a noite, pois “a pessoa trabalha e só quando chega a casa liga a luz”.

O trabalhador numa empresa de “engenharia civil”, como descreve a firma com atividade na área do saneamento e calçadas, refere que muitos dos moradores, todos oriundos de São Tomé e Príncipe, “estiveram noutro sítio, mas o senhorio deu um tempo para procurarem uma casa e, quando não conseguiram, foram postos fora”, só lhes restando instalarem-se junto à fábrica da Sidul e do viaduto do IC2 (Sacavém-Santa Iria da Azóia).

“Toda a gente aqui trabalha, só queremos é casas com preços acessíveis”, afirma outro morador, Cleuse dos Santos, 38 anos, pintor de profissão, que retrata as dificuldades por que passam os seus vizinhos quando sentencia que “imigrante não escolhe o trabalho, às primeiras horas tem que aceitar o que aparecer, não importa o salário”.

O bairro Marinhas do Tejo desenvolve-se num terreno que se transforma em lama com a água da chuva, ao lado de caminhos sob o viaduto do IC2, aqui e ai pontuado de mato, caniços e restos de roupas ou uma velha cómoda abandonada.

“Tentámos inscrever na câmara, mas bloquearam porque tem muita gente à frente”, avança Lor Neves, 39 anos, serralheiro atualmente desempregado.

Depois de ter ficado “em casa dois dias”, quando ouviu falar dos despejos, o patrão rapidamente o substituiu sem querer saber o que o inquietou.

O também representante da associação de moradores do bairro Marinhas do Tejo defende que, se os responsáveis camarários os “querem tirar rapidamente” dali, “podiam procurar uma solução e avançar com uma proposta como deve ser”, que permita encontrar uma alternativa.

Os moradores foram avisados, em 9 de dezembro, para abandonarem as habitações. A Câmara de Loures tem prolongado o prazo para as demolições, que ameaçam “25 famílias e cerca de 60 pessoas”, pelas contas de Lor Neves, apesar de a autarquia estimar a necessidade de retirar 99 pessoas a viver em 15 casas autoconstruídas e em nove apartamentos no bairro clandestino da freguesia de Santa Iria da Azóia, no distrito de Lisboa.

“Não é fácil. Não estamos aqui porque queremos, estamos aqui porque não há alternativas”, salienta Neves, admitindo que a Câmara de Loures tem reunido com os moradores e apoiado uma parte das “13 a 15 crianças” para que frequentem a escola, mas no resto só se disponibilizou para “pagar uma [mensalidade de] renda e uma caução” a quem deixe o bairro.

Em relação à alternativa para a maioria dos moradores, Lor Neves admite que o caminho é muito curto e mais duro, e fica mesmo ao lado: “Se vão nos pôr na rua e deixar debaixo da ponte é pior”.

Numa nota, o movimento Vida Justa alertou que a autarquia de Loures iria avançar hoje com demolições sem alternativa habitacional em Santa Iria da Azóia, apelando “ao bom senso do executivo da câmara” e pedindo para que “não avance com os despejos sem alternativa habitacional, pois as consequências para as famílias e para o município serão muito piores”.

A Câmara de Loures anunciou em 29 de janeiro que prolongou por mais um mês o prazo limite para as 15 famílias instaladas em habitações precárias e ilegais em Santa Iria da Azóia encontrarem uma alternativa habitacional.

Em declarações anteriores à Lusa, a vice-presidente da câmara, Sónia Paixão (PS), que detém o pelouro da Habitação, disse que será impossível atribuir uma casa municipal a estas famílias, uma vez que “existe uma longa lista de espera” por parte de pessoas em situação de “maior vulnerabilidade social”.

O movimento Vida Justa, que denunciou e está a acompanhar o caso, indicou que entre os moradores que vão ser despejados estão 21 crianças, quatro pessoas doentes e uma mulher grávida.

Fonte oficial do gabinete do presidente da autarquia, Ricardo Leão (PS), disse hoje à Lusa que os “moradores estão avisados” para deixarem as casas, mas “a câmara nunca disse quando” avançará com as demolições, ditadas pela necessidade de controlar a proliferação de construções clandestinas e também por “situações de insalubridade” em que as pessoas vivem.

Enquanto as máquinas não avançam, Elsanque Cravide olha para a pequena horta junto ao acesso ao bairro clandestino, com couves e alfaces, entre outros legumes, e admite que “essa terra é boa, é uma terra preta”, como a que recorda da longínqua São Tomé, e que “as plantas não crescem, voam”, tal a rapidez com que crescem, à beirinha do Tejo.