Mesmo com sinalética de proibição, no final de julho, os parques de estacionamento de várias praias daqueles concelhos, muito procuradas por praticantes de surf, começaram a encher-se de caravanas, denunciam à Lusa empresários locais.

“Temos aqui um autêntica fauna, grande parte são sevilhanos, que carregam a caravana de latas de conserva e cerveja, acampam durante dias e isto vira um pátio sevilhano em ‘botellón’, afirma à Lusa António Ferreira.

É numa esplanada na praia do Amado, no concelho de Aljezur, em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) que o mentor pela recuperação e criação do projeto de turismo rural Aldeia da Pedralva procura ilustrar o que “se passa um pouco por todo o parque”.

“É essencial perceber-se que estamos no PNSACV e isso aqui não acontece. Não há indicação de parque nem das regras de comportamento, o mesmo se passa com o caravanismo”, afirma.

A poucos metros da esplanada está instalado um contentor que funciona como casa de banho de apoio à praia, que encerra às 17:30 e “só abre às 9:30, 10:00”, adianta António Ferreira.

“A solução é um arbusto”, lamenta.

Uma pequena caminhada pelas moitas que rodeiam os parques comprova a afirmação, sendo facilmente detetáveis amontoados de lixo, vários pedaços de papel higiénico e dejetos.

Nos dois parques de estacionamento, boa parte dos 300 lugares estão ocupados por autocaravanas e carrinhas transformadas para pernoita, apesar de a sinalética indicar o trânsito proibido a estes veículos.

'Zé' Diogo Zambujal, natural de Faro, mas que há oito anos escolheu Aljezur para morar e montar o seu negócio de alojamento local e escola de surf, partilha das queixas.

“Isto é quase uma anarquia, quem chega primeiro fica com os lugares e quem vem a seguir que se lixe”, reclama, enquanto dá uma olhadela no carro, “mal estacionado por falta de lugar”.

“Algumas são deixadas no local e alugadas à distância, registadas no estrangeiro, mas vendidas com a bela imagem da costa vicentina”, sublinha.

Para o jovem empresário, é “incompreensível” que, num ano em que “se pede rotatividade de praia”, para uns “haja uma burocracia enorme para montar um galinheiro e depois outros podem fazer o que lhes apetecer e ninguém tem direito a dizer alguma coisa”.

Entretanto, num dos parques, uma patrulha da Guarda Nacional Republicana de Aljezur efetua uma ação de fiscalização e informa os autocaravanistas que não é permitido estarem ali parados, como indica o sinal à entrada do parque.

“Pois, devia haver mais controlo, mas infelizmente só há um carro patrulha em Aljezur”, lamenta 'Zé' Diogo, adiantando que as autoridades “deveriam agarrar o problema pela frente e não chutar uns para os outros”.

Já António Ferreira remata que os caravanistas têm de ir para outro parque.

Com o avançar da hora, os banhistas saem da praia, deixando vagos alguns lugares de estacionamento, mas em sentido contrário vão chegando mais carrinhas e autocaravanas. “Já começam a chegar para a noite”, comenta 'Zé' Diogo.

De saída da praia, Natércia Pires, residente em Vilarinho, concelho de Aljezur, cumprimenta os dois empresários e percebendo do que se fala, decide dar o seu contributo, afirmando que “as autoridades pouco ou nada fazem, muitas vezes refugiam-se na lei”.

Reconhece, no entanto, ter presenciado este ano “ações ao início da noite para correr com os caravanistas”, mas “saem de uma praia para a outra ou até para terrenos particulares”, como revela já lhe ter acontecido.

Como solução, o trio aponta “informar, dar a alternativa e proibir o autocaravanismo selvagem”, defendendo também que o PNSACV deveria “agilizar medidas” para criar parques de campismo na sua área, “que nesta altura é quase impossível”.

A colocação de pórticos na entrada dos parque para impedir a entrada da autocaravanas “é outra opção”, mas “não evita” a passagem das carrinhas transformadas, que afirmam ser a “nova praga”.

António Ferreira acrescenta que “no caravanismo há de tudo e que uns pagam pelos outros”, mas denuncia haver aplicações de telemóvel “que revelam dicas para se ultrapassar constrangimentos” e até “onde se pode abrir a torneira para tomar o duche, à borla”, em instalações privadas.

No parque, um grupo de dez espanhóis, divididos por duas carrinhas e uma autocaravana, preparam o jantar e acedem relutantemente a revelar à Lusa que “o local, a vista, a praia e as ondas” são a razão da escolha pela praia do Amaro. O período de estadia será “de um dia”, confessam, entre sorrisos.

A pergunta sobre a proibição de campismo no local termina a conversa, mas ainda atiram, “No hay problema” ["Não há problema", em português].

Pela Estrada da Praia junto à falésia, entre a praia do Amado e a da Bordeira - assinalada como de trânsito proibido a autocaravanas – são várias as carrinhas paradas à beira da falésia a servir de base para se apreciar mais um final do dia ou para preparar o jantar, com vista de mar.

A estrada termina no parque de estacionamento da Carrapateira, onde há quem procure a companhia de outros vinte companheiros de caravanismo para uma noite 'grátis' à beira mar e um novo dia para apreciar a beleza natural da costa vicentina.

Fim de caravanismo selvagem na Costa Vicentina só com "união de todas as entidades"

O fim do caravanismo selvagem no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), no Algarve, só é possível se houver “união e cooperação de todas as entidades envolvidas”, disse à Lusa fonte do INCF.

“Isto resolve-se não com uma, mas com todas as entidades, que têm de estar colaborantes e acima de tudo com o civismo de quem usa esses espaços”, afirmou à Lusa o diretor regional do Algarve do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Segundo Joaquim Castelão Rodrigues, a responsabilidade “não é só do parque”, já que “quem tem o território são as autarquias” e, na zona das falésias, a responsabilidade é da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

“Mas não fugimos à nossa responsabilidade”, defendeu.

Em causa, uma crescente contestação de empresários locais por pernoita ilegal nos parques de várias praias de Aljezur e Vila do Bispo de dezenas de caravanistas. Mesmo com a existência de sinalética de proibição, afirmaram à Lusa que no final de julho os parques de estacionamento começaram a encher-se de caravanas.

O diretor regional afirmou que, depois de ter tomado posse em maio de 2019, o ICNF reforçou a fiscalização a estas situações, que no segundo semestre desse ano se traduziu “em 1.109 autos” e em “1.089 nos seis primeiros meses de 2020”.

A última ação aconteceu na quinta-feira, em conjunto com a Guarda Nacional Republicana (GNR) e o município de Vila do Bispo, tendo sido levantados “116 autos, dos quais 91 por contraordenação resultante de campismo, autocaravanismo selvagem e estacionamento ilegal em locais não permitidos, e 25 por incumprimento do regulamento de sinalização de trânsito”.

“Não há ausência de fiscalização, não há é capacidade de fazer fiscalização diariamente e em todos os locais e praias”, frisou.

Castelão Rodrigues adiantou que “20% dos autos são pagos de forma voluntária” e que os restantes seguem o processo “moroso” de contraordenação, mas realça que a “recente colocação de sinalização de proibição de circulação de autocaravanas permite a atuação da GNR no âmbito do código da estrada com a cobrança na hora”.

Segundo Castelão Rodrigues, é necessário elaborar uma campanha de sensibilização, alertando “para a natureza do parque” e consequente “degradação do ambiente”, que “não foi possível este ano, mas que acontecerá em 2021”.

Quanto às acusações de burocracia que dificultam a construção de parques de campismo no PNSACV, o diretor regional do ICNF argumentou que a nova direção “já aprovou critérios para poder licenciar mais parques”, que “fizeram chegar aos quatro municípios” do PNSACV para que “quem conhece o território se pronunciar e acabar com esta burocracia que o regulamento cria”.

O presidente do município de Aljezur confirmou à Lusa a receção do documento “há dois meses” e consequente resposta da autarquia, “estando a aguardar o finalizar do processo”. Segundo José Gonçalves, “há cinco anos” que se discutem os critérios para a possibilidade de aparecerem parques para autocaravanas”.

O autarca adiantou que tem sido colocada “sinalética a indicar as proibições", bem como "valas e algumas pedras para condicionar o acesso a algumas zonas”, nomeadamente as falésias, mas que é necessária “uma ação concertada com mais incidência e fiscalização”.

“São levantados autos que não têm consequência”, lamentou.

Além dos regulamento do PNSACV, “é preciso alterar algumas regras”, sustentou, exemplificando com as casas de banho de apoio na praia do Amado, que “não seriam possíveis ao abrigo do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC)”, que dificulta também a “criação de parques de campismo por parte dos privados”.

O autarca revelou que está a ser ultimado um documento com um “levantamento de fotografias áreas e terrestres” para apresentar aos ministérios com a tutela do Ambiente e do Turismo “a realidade que é preciso alterar”.

Como solução, José Gonçalves defendeu “a repressão a quem realmente abusa”, mas também “alterações ao código da estrada”, que abranjam as “carrinhas transformadas” e a possibilidade de “cobrança dos autos na hora, não só aos portugueses, mas também aos estrangeiros”.

Em resposta à Lusa, a GNR informou que entre 01 de janeiro a 12 de agosto de 2020, no decorrer de várias fiscalizações na Costa Vicentina, elaborou “72 autos de contraordenação por campismo/caravanismo ilegal”, número que, em 2019, ascendeu "aos 116 autos”.

Informa ainda que “os autos são enviados para a entidade administrativa com competência nesta matéria, designadamente, o ICNF, a quem compete instruir os processos e aplicar as respetivas coimas”.

Questionada em relação à interdição de permanência de autocaravanas ou similares nos parques e zonas de estacionamento, agravada no contexto da pandemia covid-19, a GNR avançou que “tem realizado um acompanhamento mais direcionado para a informação e sensibilização da população, procurando divulgar as regras em vigor, não deixando de atuar com firmeza, quando necessário”.

*Por Pedro Miguel Duarte (texto) e Luís Forra (fotos), da agência Lusa