Segundo o INEM, em 2022, foram encaminhados “1556 casos para os hospitais mais adequados através da Via Verde Coronária” o que corresponde a um aumento de 73% face a 2021. Dados que poderiam fazer soar os alarmes, mas a explicação parece simples. O SAPO24 conversou com o Presidente da Fundação de Cardiologia, João Lopes Gomes, que começou por confirmar que "nos últimos três anos no nosso país tem havido, segundo os dados disponíveis, um número mais elevado de enfartes do miocárdio", apresentando depois a sua visão sobre estes elementos.

"A explicação mais provável para este aumento tem a ver com o facto de termos passado por um período de confinamento na sequência da pandemia causada pelo Covid 19", disse o médico, explicando, primeiro, que o aumento dos enfartes poderá nada ter a ver com a doença respiratória, concretamente.

"As alterações impostas com a finalidade de restringir a expansão da doença, levaram a alterações do estilo de vida, que certamente são responsáveis pelo aumento não só do número de Enfartes do Miocárdio, mas também de outras patologias"João Lopes Gomes

"Não há dados científicos que sugiram que o vírus pode atingir as artérias coronárias e provocar um enfarte do miocárdio. As doenças cardíacas causadas por ação direta do vírus são de natureza inflamatória, podendo atingir uma ou mais camadas do coração, causando pericardite, miocardite ou endocardite", salienta.

Então qual a ligação da Covid-19 a este aumento exponencial dos enfartes de miorcárdio? Segue então a devida explicação do especialistas.

"As alterações impostas com a finalidade de restringir a expansão da doença, levaram a alterações do estilo de vida, que certamente são responsáveis pelo aumento não só do número de Enfartes do Miocárdio, mas também de outras patologias. As pessoas ao serem obrigadas a cumprir regras de confinamento, são sujeitas a modificações no seu tipo de vida que provocam a alterações físicas e mentais. Grande parte da população desenvolve patologias pelo stress a que são sujeitas, particularmente ansiedade, depressão e medo. A diminuição da atividade física leva ao descondicionamento físico, que ajuda a manter e aumentar a gravidade dos sintomas mentais, criando um círculo vicioso, muitas vezes difícil de quebrar. A ansiedade leva também, frequentemente, ao incremento de hábitos nada saudáveis, como sejam o tabagismo e o alcoolismo", disse João Lopes Gomes, Presidente da Fundação de Cardiologia, apontando também às práticas alimentares dos portugueses.

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"O medo e a dificuldade em recorrer aos serviços de saúde, saturados pelo atendimento a pessoas infetadas, leva a que os doentes não cumpram a medicação, desvalorizem os sintomas, e acabem por serem atendidos em fases mais adiantadas da doença, o que acarreta um pior prognóstico"

"Além das situações atrás descritas, assiste-se em numerosos casos a alterações dos hábitos alimentares, fazendo com que se coma em quantidades muito superiores ao necessário para os gastos, levando ao aumento de peso. Há uma diminuição da ingestão de alimentos frescos, particularmente frutas e legumes, pela dificuldade em recorrer aos mercados, dando preferência a alimentos pré-preparados, com todos os inconvenientes", salientou.

Outros aspetos ressalvados pelo clínico foram o medo que as pessoas tinham de se deslocarem a uma unidade hospitalar durante o confinamento e as que não tinham sentiam dificuldades em receber o atendimento célere, devido ao 'entupimento' das urgências.

"O medo e a dificuldade em recorrer aos serviços de saúde, saturados pelo atendimento a pessoas infetadas, leva a que os doentes não cumpram a medicação, desvalorizem os sintomas, e acabem por serem atendidos em fases mais adiantadas da doença, o que acarreta um pior prognóstico. Como podemos ver, durante meses seguidos os fatores de risco de doença coronária a que a população esteve exposta, aumentaram exponencialmente, o que por si só justifica o aumento do número de enfartes, mas também a sua maior gravidade, pelo atraso que se verificou no início do tratamento médico", referiu.

Quando surgiu a notícia sobre o aumento dos casos de enfartes do miocárdio, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia referiu que os casos até poderiam ser mais, sobretudo porque os hospitais não serão obrigados a declarar as vítimas dos enfartes. João Lopes Gomes, contudo, prefere acreditar que a lei está a ser cumprida.

"Os hospitais, e particularmente os médicos, quando passam uma certidão de óbito, são obrigados a referir qual a causa da morte, e se o diagnóstico foi feito com base nos elementos clínicos, com ou sem confirmação de exames auxiliares. O diagnóstico de enfarte do miocárdio, para além da clínica é baseado no eletrocardiograma e doseamento de enzimas no sangue. Nos casos em que o médico coloque a causa de morte como desconhecida, é obrigatório a realização de uma autópsia para a determinar. Assim, se a lei for cumprida, as estatísticas dos hospitais são corretas", disse, dando uma sugestão do que poderia ajudar neste tipo de casos.

"Os principais fatores de risco são: stress (ansiedade e depressão), sedentarismo, tabagismo, obesidade, alcoolismo, consumo excessivo de sal e açúcar, hipertensão, diabetes, dislipidemias. Existem também fatores de risco de caráter hereditário e familiar"

"O que os hospitais não referenciam, é se a morte que ocorreu deve ser considerada uma morte súbita - pode ocorrer no enfarte ou noutras patologias. Para termos conhecimento desta circunstância seria útil haver na certidão de óbito um item em que bastaria colocar uma cruz para registar esta circunstância", afirmou.

Os equipamentos adequados e os conselhos

Os números têm aumentado, devido, então, a uma pandemia que alterou a vida das pessoas. Os hospitais, contudo, estão preparados para a assistência, de acordo com o Presidente da Fundação de Cardiologia.

"Em Portugal, as unidades hospitalares de referência estão dotadas de equipamentos e meios humanos diferenciados para fazerem o tratamento dos enfartes agudos do miocárdio de acordo com o atual estado da arte. A acessibilidade é assegurada durante as 24 horas do dia, nos 365 dias do ano. Acresce que o acesso rápido é garantido pela chamada “via verde coronária”, na dependência do INEM e que deve ser acionada telefonicamente pelo número 112", afirmou João Lopes Gomes, dando depois alguns conselhos para prevenir estes casos.

"Sintomas? Dor intensa no peito, por detrás do esterno, tipo aperto, esmagamento, queimor, que pode irradiar para os braços, normalmente mais o esquerdo, pescoço, mandíbula ou omoplata. Sensação de falta de ar, acompanhada de náuseas e vómitos, sensação de subitamente o coração começar a bater de modo irregular"

"A prevenção do enfarte agudo do miocárdio faz-se corrigindo os fatores de risco que levam às doenças cardiovasculares e cérebro vasculares. Os principais fatores de risco são: stress (ansiedade e depressão), sedentarismo, tabagismo, obesidade, alcoolismo, consumo excessivo de sal e açúcar, hipertensão, diabetes, dislipidemias. Existem também fatores de risco de caráter hereditário e familiar. Assim, quem tenha história familiar desta doença, deverá ter cuidados redobrados", assinalou o médico, terminando com exemplos de sintomas daquilo que poderá ser um enfarte de miocárdio

"Dor intensa no peito, por detrás do esterno, tipo aperto, esmagamento, queimor, que pode irradiar para os braços, normalmente mais o esquerdo, pescoço, mandíbula ou omoplata. Sensação de falta de ar, acompanhada de náuseas e vómitos, sensação de subitamente o coração começar a bater de modo irregular. Nestas circunstâncias deve manter-se calmo, quieto e ligar ao “112” referindo os sintomas, para ser transportado ao hospital mais próximo onde pode fazer um cateterismo (o INEM sabe qual é e contacta de imediato a Unidade de Intervenção Cardíaca, que estará pronta à sua espera). A rapidez é essencial, pois quanto mais precocemente se iniciar o tratamento melhores serão os resultados e menores as sequelas que podem ocorrer", concluiu.