O município “não tem cumprido com as suas competências”, obrigando as freguesias a intervir de forma a suprir essas falhas, revelam o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, Miguel Belo Marques, e o presidente da Junta de Freguesia de Benfica, Ricardo Marques, ambos do Partido Socialista (PS), em entrevista ao SAPO24.

“Estamos todos, na prática, a fazer funções que não são nossas e muitas vezes a deixar as nossas competências próprias para segundo plano, para apoiar a Câmara naquilo que são as competências deles”, refere Ricardo Marques.

Enquanto a CML está encarregue da recolha dos lixos indiferenciados e ecopontos, as freguesias estão responsáveis por toda a área envolvente, ou seja, por limpar o lixo que é deixado no chão. No entanto, segundo estes executivos, “nos últimos três anos, é muito raro os circuitos serem cumpridos na íntegra”, e, por isso, as freguesias veem-se forçadas a arranjar alternativas.

“Não existe nenhuma verba extra para suprir as falhas da CML”Miguel Belo Marques, Junta de Freguesia de Campolide

Já Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António, e Ricardo Mexia, presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, ambos do Partido Social Democrata (PSD) e da cor de Carlos Moedas, não descrevem o mesmo cenário. “Nós não extravasamos a nossa competência, como a Câmara também não extravasa a sua”, refere Vasco Morgado, “ajudamos a Câmara como a Câmara nos ajuda a nós”.

A divisão das tarefas foi oficializada no Projeto de Regulamento de Gestão de Resíduos, Limpeza e Higiene Urbana de Lisboa publicado em 2019, que recentemente foi atualizado. A nova lei respeita a Reforma Administrativa de Lisboa, referente a 2012, que desenhou um novo mapa da cidade e reformulou o sistema da distribuição de competências, promovendo a descentralização das responsabilidades. Redefiniu também os critérios de repartição de recursos entre o município e as freguesias do concelho.

Afinal, quem recolhe o lixo em Lisboa, a Câmara ou a Junta?

Em maio de 2024, a Reorganização Administrativa de Lisboa “transferiu competências e recursos na área da limpeza urbana para as Freguesias, passando estas a assegurar a lavagem, varredura e despejo de papeleiras na cidade”. Miguel Belo Marques, explica que “não há modelos diferentes para cada freguesia, todas têm as mesmas competências”, uma vez que não possuem os meios para os restantes serviços.

Segundo os termos da lei, o Município de Lisboa é a entidade titular responsável pelo serviço de gestão de recolha de resíduos de contentores (indiferenciados, papel, vidro, embalagens e orgânicos) e porta-a-porta, bem como pela respetiva gestão. Apenas o material que está no chão é da responsabilidade das freguesias.

A CML está então encarregue da “recolha, indiferenciada e seletiva e pelo encaminhamento para destino final adequado dos resíduos urbanos, cuja produção diária não exceda os 1100 litros por produtor” (artg. 5º, p.2). “A triagem, valorização, eliminação, tratamento e destino final” dos resíduos são procedimentos da responsabilidade da empresa VALORSUL — Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos das Regiões de Lisboa e do Oeste, S. A..

Além do tratamento dos resíduos, o município deve lavar, colocar e substituir os contentores, ecopontos e vidrões, assegurando a sua manutenção.

A recolha de lixo de grandes dimensões é da responsabilidade da CML, onde se incluem os resíduos de papel ou cartão, embalagens, resíduos elétricos e eletrónicos que, pelo seu volume, forma ou dimensão, exijam um tratamento específico. Este serviço deve ser agendado. Somam-se a desinfestação e controlo de pragas, a recolha de caixotes dos prédios e a remoção de resíduos de construção e demolição.

A par da remoção dos resíduos indiferenciados, a CML recolhe também o lixo reciclável deixado nos ecopontos e no pilhão e os resíduos verdes provenientes de jardins e da construção e demolição, que posteriormente encaminha para o respetivo tratamento e valorização.

As Juntas de Freguesias asseguram a lavagem, varredura e o despejo de papeleiras na cidade. A freguesia de Alvalade, por exemplo, dispõe de vários contentores subterrâneos de grandes dimensões para resíduos indiferenciados, vidro, papel/cartão e plástico/metal.

Que outras soluções existem para a remoção de lixo?

Para facilitar o contacto com os moradores, a CML criou um portal de ocorrências online, 'NA MINHA RUA LX', onde é possível requisitar a intervenção dos equipamentos municipais e higiene urbana nos espaços públicos utilizados. O apoio privado é sujeito a uma taxa de serviço, quer da Câmara Municipal, como da Junta de Freguesia.

As queixas deixadas nesta plataforma só são remetidas à Junta de Freguesia quando necessário. Segundo Ricardo Mexia, a melhor forma dos fregueses resolverem os seus problemas é falando diretamente com o dirigente, nos momentos dedicados à população.

Foi ainda criada a iniciativa Recolha Seletiva Porta a Porta Residencial, que também já tem atividade noutras cidades, como no Porto. Neste serviço, são entregues, gratuitamente, equipamentos para reciclagem (papel e cartão, plástico e metal, vidro, resíduos alimentares e lixo) e esclarecidas dúvidas “porta a porta”.

Então, o que está a falhar?

No dia a dia, este processo parece levantar problemas nalgumas freguesias. Em Benfica, o acordo assinado em 2019, com Fernando Medina, do PS, na direção da autarquia, estabelece que as juntas devem fazer a recolha “só à volta das eco-ilhas enterradas, mas não é isso que tem acontecido”, e, por isso, “têm-se chegado todas à frente em solidariedade [com a Câmara]”, explica Ricardo Marques.

"Não é por falta de meios que as freguesias não cumprem. É por falta de meios financeiros para aquilo que é estar a extrapolar muito as suas competências. Mas é mesmo e muito”. Ricardo Marques, Junta de Freguesia de Benfica

A ajuda começou a ser necessária quando se reparou que o lixo ficava acumulado à volta das eco-ilhas, quer por estarem cheias, ou pela “falta de civismo” mencionada por todos os dirigentes. Segundo Ricardo Marques, a CML “não quis fazer uma campanha séria junto dos lisboetas e explicar que a rede de contentorização enterrada não tem tonelagem suficiente para o lixo de toda a gente”, incentivando assim a acumulação de lixo no chão.

O mesmo refere Miguel Belo Marques: “um problema muito grande que temos tido tem sido o incumprimento das competências da CML a nível da recolha de tudo o que está nas eco-ilhas, nos ecopontos e mesmo nos caixotes da recolha seletiva dos prédios”. Em Campolide, a necessidade de suprir as falhas da CML sobrepõe-se “à missão que a própria freguesia tem de cumprir”.

“Nós não extravasamos a nossa competência, como a Câmara também não extravasa a sua”Vasco Morgado, Junta de Freguesia de Santo António

Do outro lado, Vasco Morgado diz que, apesar de ter algumas falhas, que resultam de circunstâncias específicas, a divisão de tarefas “faz todo o sentido” e não concorda com a acusação de incumprimento dos serviços municipais. A colaboração com a Câmara, para o representante, é bidirecional porque, “no final do dia, o lisboeta não quer saber quem é quem é que lhe recolhe o lixo”.

Acredita que a acumulação de resíduos acontece porque “as pessoas não se dão ao trabalho de pôr o saco no local onde deve ser depositado e largam-no no chão. O próximo a chegar segue o mesmo exemplo”, ainda que as eco-ilhas estejam vazias.

O mesmo acontece no Lumiar: “às vezes pedimos apoio à Câmara, que tem outros meios que nós não temos, tal como se a Câmara nos solicita apoio numa área sua, obviamente também estamos disponíveis", explica Ricardo Mexia, e, “fazemo-lo nalgumas situações, porque estamos mais próximos”.

Mais competências, menos recursos: “não existe nenhuma verba extra para suprir as falhas da CML”

Apesar de discordarem do sucesso da articulação das tarefas entre o município e as freguesias, todos os executivos entrevistados reclamam a falta de recursos humanos, material e financiamento para o ambiente urbano. Se, por um lado, a CML está sobrecarregada e tem necessidade de dividir responsabilidades com as freguesias, por outro, as equipas locais acusam a falta de financiamento alocado para a manutenção dos serviços.

“Estamos todos, na prática, a fazer funções que não são nossas e muitas vezes a deixar as nossas competências próprias para segundo plano, para apoiar a Câmara naquilo que são as competências deles” Ricardo Marques, Junta de Freguesia de Benfica

De acordo com o presidente da Junta de Benfica, “o problema tem vindo sempre a ser a falta de solidariedade do município, que faz com que as freguesias muitas vezes deixem para segundo plano as suas competências”, que são a varredura, a lavagem, a deservagem das ruas, a recolha diária das papeleiras e a lavagem de calçadas, “para desempenhar serviços municipais, como a recolha de lixo”.

Em suma, o executivo de Benfica explica que a sobreposição de tarefas resulta na redistribuição de recursos humanos a quem estariam atribuídas outras funções: “eu tenho duas carrinhas que podiam estar perfeitamente com homens a fazer deservagem, que não fazem outra coisa, dia e noite, a não ser recolher lixo”. Mas, sobretudo, acredita que é resultado da falta de reforço dos materiais, que encarece os serviços de higiene urbana para valores que a freguesia não consegue suportar.

“Benfica triplicou as eco-ilhas e a minha equipa, que neste momento já tem dois carros com três turnos diários que não param, recolhem lixo nas eco-ilhas, nos vidrões, nas arcadas dos prédios, quer dizer, são mais de 90 pontos diários em que a minha equipa, que não tem essa obrigação, recolhe lixo na freguesia”, relata.

“A Câmara muitas vezes diz que não consegue cumprir com o serviço por causa dos sindicatos, por causa dos trabalhadores, todos nós temos trabalhadores e todos nós lidamos com os sindicatos, é uma justificação que temos alguma dificuldade em compreender”Miguel Belo Marques, Junta de Freguesia de Campolide

A freguesia de Campolide lida com a mesma dificuldade, “até porque as verbas são transferidas com base nas competências das freguesias, ou seja, não existe nenhuma verba extra para suprir as falhas da CML”. Para Miguel Belo Marques, “a CML tem de ser capaz de assegurar de forma mais consistente essa sua competência”, ou, por outro lado, “investir na maior transferência de verbas para a Junta”.

Segundo o presidente, a disponibilidade das freguesias é possível “pela proximidade e pela consciência do dano que [a sujidade] causa na qualidade de vida das pessoas. (...) Tudo isto que fazemos, fazemos completamente de forma gratuita, a Câmara não nos dá dinheiro nenhum por isso”, porque “a última coisa que nós queremos é ter uma freguesia insalubre, que cause transtorno e que diminua a qualidade de vida de quem cá mora, trabalha, visita, ou estuda”, conclui.

O dirigente critica também o desempenho dos serviços municipais responsáveis pela recolha de monos, que só funciona “quando agendado”. O lixo em grandes volumes depositado durante o dia, sem aviso prévio, é levantado pelos trabalhadores da freguesia que se encontram no local. O mesmo acontece em Santo António, mas o presidente diz perceber “que a coisa nasce do dia para a noite”, e por isso não se importa de ajudar. Afinal, reforça, “o freguês não quer saber se é a Câmara ou a Junta que recolheu o lixo, quer é o lixo recolhido”.

"Às vezes pedimos apoio à Câmara, que tem outros meios que nós não temos, tal como se a Câmara nos solicita apoio numa área sua, obviamente nós também estamos disponíveis"Ricardo Mexia, Junta de Freguesia do Lumiar

Tanto o presidente da freguesia de Santo António, como o da freguesia do Lumiar, reconhecem que a falta de meios é resultado das “dificuldades da Câmara, que também tem uma cidade para gerir”, lembra Vasco Morgado. “Se eu quero que a Câmara me dê mais dinheiro, quero. Mas até ela me dar mais dinheiro, eu tenho de fazer o melhor que sei com o que tenho”.

Ricardo Mexia acrescenta que o Lumiar enfrenta uma “situação muito complicada” que está a ser resolvida pela aquisição de mais material e renovação de pessoal. As condições são reduzidas face às necessidades da população, e os recursos escassos. Ainda assim, considera “a articulação com a Câmara importante”, ainda que reconheça que gostasse “naturalmente, para a dimensão da freguesia, de ter muito mais meios, mas a dotação orçamental não o permite”.

Que verbas existem para o ambiente urbano em Lisboa?

O regulamento de 2019 definiu um orçamento de 120 mil euros para as freguesias, que passariam a complementar o trabalho da CML, recolhendo o lixo à volta das eco-ilhas. Desde então, com o aumento da taxa turística, a repartição das verbas foi alterada, aumentando cerca de 4 milhões de euros no 1º semestre de 2024.

Miguel Belo Marques aponta que “são verbas que são curtas porque são calculadas com base em valores não atualizados”. Também no caso da freguesia do Lumiar, estes valores fazem diferença, uma vez que tendo menos atividade turística, a freguesia recebe menos verbas: “entendemos que pode e deve haver uma revisão [da recolha dos ecopontos], houve já algumas correções, mas estão longe de permitir uma dotação orçamental concentrada e de acordo com as necessidades”.

Para Ricardo Marques este investimento não é suficiente. “Quando foi a reforma, em 2019, [Benfica] teve de equipar 80 pessoas. Ali ninguém nos pagou isto. E eu sei que as outras freguesias, grosso modo, é a mesma situação”. Antes do reforço de verbas, a freguesia que preside recebia 100 mil euros, o que, explica, “não paga, nem pagaria um quarto da equipa que tem de andar a varrer, ou a fazer um reforço nas ruas. Agora, imaginem zonas com pressão turística”.

Em outubro de 2024, Carlos Moedas anunciou a distribuição de mais 4 milhões de euros para as freguesias, “esforço” que o executivo de Benfica destaca, reconhecendo que “a fórmula que hoje existe é mais justa da que havia há dois anos”. Ainda assim, reforça a ideia defendida anteriormente, de que “não é por falta de meios que as freguesias não cumprem. É por falta de meios financeiros, para aquilo que é extrapolarem muito as suas competências. Mas é mesmo e muito”.

“Se eu quero que a Câmara me dê mais dinheiro, quero. Mas até ela me dar mais dinheiro, eu tenho que fazer o melhor que sei com o que tenho”. Ricardo Marques, Junta de Freguesia de Santo António

A par disso, relata ainda um cenário em que “as próprias freguesias têm de usar muito dinheiro, que seria investimento, por exemplo, em espaço público, para melhorar as condições de trabalho das suas equipas”. Como exemplo, refere o alargamento das instalações, uma das áreas onde a freguesia tem investido, apesar de “serem edifícios municipais”, o que, para Ricardo Marques, compreende a ideia de que “caberia à CML fazer obras estruturais”.

Já Vasco Morgado aceita o formato atual: “se eu queria ter dinheiro para contratar mais pessoas, queria. Mas eu também gostava de ser rico e não sou. Nós temos que trabalhar com o que temos. (...) As outras freguesias têm competências dadas pela lei em 2012 e têm de saber fazer com elas o melhor que podem”.

Como se faz no resto do país?

No Município de Braga , a higiene urbana é assegurada pela AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, uma empresa municipal que atua por delegação de competências da Câmara Municipal de Braga. O mesmo acontece em Coimbra, a partir do trabalho da empresa ERSUC, sendo que “o município assegura a recolha gratuita de pontos e a recolha pontual de recicláveis”, bem como a recolha de “resíduos não valorizávies”, explica Carlos Lopes, vereador do Ambiente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC).

As juntas de freguesia não possuem responsabilidades diretas neste processo, sendo as funções atribuídas apenas aos funcionários das empresas contratadas para o efeito. No entanto, Paula Campos, administradora executiva da AGERE, acredita que o modelo de cooperação entre as duas entidades “contribui para a otimização dos serviços públicos, promovendo uma resposta mais eficiente às necessidades da população e reforçando a qualidade de vida no Município de Braga”.

Neste registo, as freguesias estão encarregues de orientar os recursos humanos alocados às suas áreas territoriais, “garantindo que as equipas são utilizadas de forma eficiente e direcionada”. São também responsáveis por identificar situações específicas que exijam atenção imediata e alertar a AGERE, contribuindo para a “melhoria contínua” dos serviços prestados, “ao fornecer informações úteis que ajudam a adaptar os processos e estratégias da empresa às necessidades reais do território”.

Em Coimbra, foi feito “um reforço daquilo que são as competências de algumas juntas de freguesia”, adicionando os serviços de limpeza de passeios, por exemplo. Além disso, no website da CMC existe “um serviço com uma associação de freguesias eficientes e um sistema de informação geográfica onde cada município [da região centro] pode aceder e, com um click, perceber de quem é a responsabilidade de limpar uma determinada rua ou zona por freguesia”.

Quando questionados se a contratação de uma empresa privada seria uma opção em Lisboa, nenhum dos dirigentes concordou. "O espírito da Reforma tem de ser trabalhado", defende Ricardo Marques, "não é inventar agora soluções de preços privados como se as entidades públicas fossem incompetentes".

Relativamente às condições de trabalho, Paula Campos destaca “a inovação e o cuidado da AGERE na gestão dos seus recursos humanos, evidenciado pela inclusão, no Acordo de Empresa assinado em 2020 e renovado em 2023, de uma cláusula que prevê a distribuição de dividendos da empresa pelos seus trabalhadores”. Sobre o valor base de vencimento, é adicionado uma proporção dos lucros da empresa, de forma a “reconhecer o papel essencial desempenhado pelos cerca de 200 trabalhadores dedicados às áreas de limpeza urbana e recolha de resíduos”, refere.

Também em Coimbra existe uma preocupação do município em reforçar os meios e recursos humanos. O vereador revela que o município assinou recentemente “um protocolo com o Centro Penitenciário, que permite neste momento ter cerca de dez reclusos a darem apoio diário nas mais variadas funções, desde o cemitério até à questão da limpeza urbana”. Outras questões destacadas foram a fiscalização e responsabilização de “crimes ambientais” e o tratamento de bioresíduos com o objetivo de concretização “das metas da União Europeia para 2030”.

Os efeitos da greve: “É preciso sentarmo-nos à mesa com os sindicatos”

Depois da greve dos trabalhadores da higiene urbana, entre o Natal e o Ano Novo, Lisboa ficou mais alerta para os procedimentos de repartição do lixo. Durante o protesto, a equipa do Lumiar “teve de recolher aquilo que estava na via pública, mas que supostamente deveria ser recolhido pela Câmara, ou seja, que estava dentro dos contentores”, lembra, “mas o que é facto é que não podíamos deixar o lixo espalhado”. No resto do ano, Ricardo Mexia explica que essa não é a realidade, “não conseguimos, nem devemos, não temos o equipamento necessário”.

Nem Benfica, nem Campolide foram afetados pelo protesto dos trabalhadores de higiene urbana. Neste período, todos relatam ter ido mais além para ajudar a minimizar os efeitos, mas Vasco Morgado aponta já ter tido “segundas-feiras mais difíceis. (...) É para trabalhar? Trabalha-se com o que há”, acrescenta.

A opinião do dirigente não é consensual, e são vários os casos em que os executivos contam ter tido de substituir a CML nas ruas de Lisboa. Os dirigentes do PS descrevem vários dias de utilização de recursos das freguesias e articulação com os trabalhadores do ambiente urbano, muitos dos quais “também são sindicalizados”.

"Têm de se sentar e negociar e deixar o passa culpas a dizer coitadinhos, coitadinhos, coitadinhos"Vasco Morgado, Junta de Freguesia de Santo António

“A Câmara muitas vezes diz que não consegue cumprir com o serviço por causa dos sindicatos, por causa dos trabalhadores, todos nós temos trabalhadores e todos nós lidamos com os sindicatos, é uma justificação que temos alguma dificuldade em compreender”, refere Miguel Belo Marques. Nesta freguesia o diálogo estabelecido com os trabalhadores “tem sido franco e aberto”, uma vez que “o objetivo dos sindicatos não é concorrente com o objetivo das juntas”.

O mesmo acontece em Benfica, onde o ambiente “de estabilidade e paz social” só levou um trabalhador a fazer greve. “Neste momento está mais controlado, mas foram longas semanas com a Junta a ter que fazer um papel que não era o nosso. E quanto é que vem da Câmara para compensar? Zero”, diz. “As entidades públicas não são incompetentes”, continua, “é preciso é dotar de meios”.

"A melhor forma dos fregueses resolverem os seus problemas é falando diretamente com o dirigente, nos momentos dedicados à população".Ricardo Mexia, Junta de Freguesia do Lumiar

O que propõem as freguesias?

Todos os executivos abrem a possibilidade de rever a Reforma Administrativa de Lisboa como uma das soluções para os vários problemas elencados. Na leitura de Ricardo Marques, isso significa “com o presidente de Câmara a ter a coragem de materializar em atos aquilo que diz em palavras, que confia nas freguesias, que são os seus grandes parceiros”.

“Aquilo que é preciso”, defende, “é a solidariedade do município naquilo que é o pacote financeiro necessário para aprofundarmos a Reforma e o espírito da Reforma, que é de uma descentralização colaborante entre o município e as freguesias. Aprofundando a Reforma melhoraremos a qualidade do serviço”.

Para o socialista, é importante “não arranjar desculpas para tentar liberalizar aquilo que é a higiene urbana na cidade de Lisboa, que é, de facto, uma das intenções" que acredita que "todos nós avistamos e que todos nós vemos claramente neste executivo”.

“As entidades públicas não são incompetentes, é preciso é dotar de meios”.Ricardo Marques, Junta de Freguesia de Benfica

Já para Vasco Morgado, o principal problema prende-se com o facto de os serviços municipais de limpeza urbana terem deixado de trabalhar ao domingo, para dia de descanso, “resultando na acumulação em excesso de resíduos” no começo da semana. O presidente passa então a bola para a mão dos trabalhadores, defendendo que “é preciso sentar à mesa com os sindicatos”, o que tem sido um pedido constante desde a greve. Inclusive, lembra que “o engenheiro Moedas até foi à televisão convidar os sindicatos [para uma reunião], eles simplesmente recusaram”.

“A Câmara está disponível para que o domingo seja um dia de trabalho”, afirma, “claro que tem de compensar os trabalhadores”. Para isso, defende que as duas entidades “têm de se sentar e negociar e deixar o passa culpas a dizer coitadinhos, coitadinhos, coitadinhos. Não. Os sindicatos estão lá para defender os trabalhadores. Os sindicatos sentam-se à mesa com quem tem o dever de gerir a cidade e chegam a um acordo”.

A sobrecarga da CML e a inexecução das suas competências são as principais urgências para Miguel Belo Marques. A solução que propõe é clara: “ou a Câmara Municipal consegue assegurar as suas competências na íntegra, sem estas falhas constantes, ou então explorar-se um modelo em que as Juntas de Freguesia têm uma maior capacidade de intervenção para suprir essas falhas”. Mas “há coisas que eu acho que são impossíveis”, e que não devem ser atribuídas às Juntas, defende.

O executivo do Lumiar aponta ainda a dificuldade da freguesia em contratar profissionais encarregues da fiscalização da via pública, tendo por isso de recorrer à polícia municipal. Segundo Ricardo Mexia, esta seria uma forma de reduzir o número de incidentes.

*Edição por Ana Maria Pimentel