Pouco antes das 18H00 (hora local, 16h00 em Lisboa), hora do encerramento da campanha eleitoral, o Presidente da Turquia despediu-se hoje de milhares de apoiantes no distrito de Beykoz, situado na parte norte do Bósforo, no lado Anatólio da grande Istambul, perto do mar Negro, e em ambiente de vitória antecipada, mesmo que ainda não garantida.
Num amplo recinto junto ao mar, famílias acomodavam-se no revelado, enquanto vendedores com bandeias da Turquia ou com a foto de Erdogan tentavam o negócio. Outros vendem milho cozido ou assado. Camionetas transportavam muitos participantes, na maioria homens e mulheres adultos, de aparência simples, elas com a típica indumentária muçulmana, lenço, longos vestidos, muitas de negro e o rosto quase coberto.
A cerca de 50 quilómetros do centro da metrópole, este lado asiático revela outra Turquia, mais conservadora, mais religiosa, mais obediente.
Cargueiros atravessam lentamente o estreito em direção ao grande mar, talvez para um porto búlgaro, romeno, mesmo ucraniano ou russo. Patrulhas marítimas da polícia navegam por perto, um helicóptero sobrevoa o local da concentração, polícias e militares vigiam o habitual perímetro de segurança.
“Istambul está pronta. A Turquia preparada para o próximo século”, indica um grande cartaz com a esfinge do Reis, como aqui o designam, “o capitão que comanda o barco”, o líder de um país onde nacionalismo e religião caminham lado a lado.
O ruído de sirenes anuncia a chegada de Erdogan e da sua comitiva, entre música com tonalidades marciais. Sobre ao palco, é apresentado, agitam-se milhares de bandeiras com as cores turcas ou do seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, no poder desde 2003). Dizem estar presentes 70 mil pessoas, número decerto exagerado. O Reis discursa durante uma hora e repete os temas utilizados durante toda a campanha.
“Estão prontos para votar?”, lança, do seu palanque defronte dos apoiantes, com a imagem também transmitida em dois ecrãs gigantes. “Amanhã espero boas noticias de Beykoz. Agradeço a Deus todo este amor”, prossegue, a menos de 24 horas da decisiva segunda volta presidencial que pela primeira vez desde 2014 é forçado a disputar contra um rival de peso e líder da oposição, Kemal Kiliçdaroglu.
“É o homem que defende o nosso objetivo. Vai ganhar de certeza e é importante que após as eleições garanta mais contratos e investimentos para o nosso país”, dia Hilal, 28 anos, sem lenço e que trouxe um jovem sobrinho com a sua bicicleta.
“Para que a Turquia se torne mais poderosa no futuro, na economia, na tecnologia. Provou ao mundo que é um defensor da Turquia”, acrescenta Hilal, que trabalha numa empresa que produz cartões de crédito.
Erdogan prossegue o seu discurso, diz que as eleições comprovam que o país possui “uma democracia saudável e participativa”, que “quem vence é a Turquia”.
Haci e Sinan, ambos de 45 anos, o primeiro envolvido na restauração, o segundo numa empresa de “alta tecnologia”, óculos escuros, escutam atentivamente o seu líder.
“O que quero da Turquia? Um país livre e independente”, diz Sinan com convicção e revelando um punho com vigor. “Kiliçdaroglu é zero, não tem capacidade para liderar a Turquia, que deve ser produtiva em todas as áreas”.
Haci acrescenta que existem países que não querem uma Turquia independente. “Fizemos grandes progressos tecnológicos na área da Defesa, muitos não querem que tenhamos acesso ao petróleo e gás a que temos direito, e tudo porque somos muçulmanos”, invetiva, numa referência ao prolongado contencioso sobre o acesso às jazidas de hidrocarbonetos no Mediterrâneo oriental.
Todos os avanços tecnológicos do país, o poder das Forças Armadas, as novas infraestruturas, são exibidos em vídeos de propaganda que interrompem por momentos o discurso de Erdogan.
“Amanhã quem rezar por nós vencerá as eleições. A vitória será nossa!”, prossegue o Presidente turco, seguro da sua terceira reeleição. E repete os constantes ataques que tem deferido ao seu rival, ao associá-lo ao “terrorismo” curdo após Kiliçdaroglu continuar a manter o apoio do Partido Democrático dos Povos (HDP), a formação de esquerda e “pró-curda” que enfrenta um processo judicial com risco de dissolução.
“Quem fez a nova ponte do Bósforo?”, recorda ainda o Reis. “Não vamos parar dia 28, continuaremos a caminhar. Estão comigo?”. E ecoa um “sim” uníssono, e agiram-se as bandeiras.
De novo um ataque a Kiliçdaroglu e outros dirigentes do CHP, em particular ao presidente da câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, que nas municipais de 2019 derrotou o AKP, um duro golpe para a sua reputação de invencibilidade.
“Kemal [Kiliçdaroglu], se vencesses, seriam os banqueiros de Londres que te dão dinheiro a governar a Turquia, e não tu”. As bandeiras agitam-se de novo. “Vamos defender as nossas famílias contra a tendência dos LGBT”. Novos aplausos.
O discurso, mais de uma hora, termina e com ele o final da campanha eleitoral do todo-poderoso Presidente turco. “Uma Nação unida, uma Bandeira, um País, um Estado”. Erdogan repete a sua mensagem central, assente na ideia de um país multifacetado mas que cujo cimento deve assentar na sua religião muçulmana sunita e no nacionalismo turco na nova Türkiye.
A assistir ao comício esteva Kuzey, 32 anos, licenciado na área da engenharia. Não se identifica com esta Turquia.
“Detesto esta mentalidade, a imposição do islão contra os costumes com que nos identificamos, mais ocidentais. Existe uma grande alienação nestas pessoas, parecem que só sabem cumprir ordens sem qualquer crítica. Em nem uma referência à crise económica, que é grave”. A “outra Turquia” a revelar-se.
A campanha para a segunda volta das presidenciais — e após a aliança eleitoral liderada pelo AKP ter garantido maioria absoluta na nas eleições para o Parlamento que decorreram em simultâneo — foram menos participadas e empenhadas.
O mesmo sucedeu com as sondagens, desta vez muito discretas e após o falhanço quase geral das previsões para a primeira volta, onde Erdogan esteve muito perto de evitar este segundo escrutínio ao obter 49,52% dos votos expressos contra 44,8% para Kiliçdaroglu.
Na sexta-feira, três sondagens voltaram a revelar um país dividido, com duas a apontarem para a vitória de Erdogan e a terceira a admitir a eleição do chefe da oposição, por margem muito reduzida.
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