Ao ser recebido por uma multidão de apoiantes no aeroporto da capital, no seu regresso de Istambul, Erdogan prometeu que “as coisas vão melhorar” após a entrada em vigor da revisão constitucional que amplia consideravelmente os poderes presidenciais.
O chefe de Estado turco, cujo cortejo se dirigiu de seguida para o recém-construído palácio presidencial, não respondeu às acusações dos dois principais partidos da oposição que denunciaram irregularidades durante o referendo.
O islamita-conservador Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, no poder) ignorou as críticas e anunciou que no final de abril vai propor a Erdogan o seu regresso às fileiras partidárias, a primeira fase das reformas, que deverão entrar em vigor após as eleições legislativas e presidenciais de 2019. A atual Constituição proíbe a filiação partidária do chefe de Estado, uma das normas que foi abolida no projeto de revisão constitucional.
Um dia após um referendo, com um resultado muito disputado (51,41% pelo “sim” e 48,59% pelo “não”), a chanceler Angela Merkel exortou Erdogan a um “diálogo respeitoso” para tranquilizar uma sociedade turca perto da implosão após uma virulenta campanha eleitoral.
As relações com a União Europeia (UE), muito comprometidas durante a campanha, surgem como uma das questões mais prementes no pós-referendo. Hoje, Paris alertou contra o restabelecimento da pena de morte, que Erdogan tem evocado por diversas vezes após o sangrento golpe militar falhado em julho de 2016, e que provocaria uma “rutura”.
Uma missão comum de observadores da OSCE e do Conselho da Europa criticou a forma “desigual” como decorreu a campanha, assinalada por um controlo quase total dos ‘media’ e a disponibilização de importantes meios financeiros e humanos pelo AKP.
“Globalmente, o referendo não está à altura dos critérios do Conselho da Europa”, declarou Cezar Florin Preda, chefe da delegação da Assembleia parlamentar do Conselho da Europa.
Os dois principais partidos da oposição turca, o Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata) e o Partido Democrático dos Povos (HDP, de esquerda e pró-curdo) foram mais incisivos e denunciaram “manipulações” durante o escrutínio, irregularidades em “60% das assembleias de votos” e anunciaram a intenção de pedir uma recontagem.
“Mais de um milhão e meio de votos duvidosos foram validados”, denunciava na noite de domingo Erdal Aksunger, um dos vice-presidentes do CHP.
Em causa, a decisão do Supremo Conselho Eleitoral (YSK), pouco após o início da contagem dos votos, de considerar como válidos os que não possuíam o carimbo oficial das autoridades eleitorais, e que segundo a oposição é suscetível de fraudes.
As alterações constitucionais foram aprovadas pela maioria dos eleitores sobretudo no centro do país, na “Anatólia profunda”. Mas o “não” garantiu uma larga vitória em Istambul, Ancara e Izmir, as principais cidades do país euroasiático. As regiões habitadas por uma maioria de curdos no sudeste do país também votaram em massa contra o aumento dos poderes presidenciais.
A frágil margem garantida pelo AKP e pelos seus aliados ultranacionalistas do Partido de Ação Nacionalista (MHP, quarta força no parlamento), torna difícil fornecer uma real legitimidade à alteração da Constituição.
“Tal reforma não pode passar com uma maioria tão estreita”, considerou Murat Yetkin, diretor do Hurriyet Daily News, em declarações à CNN-Turk.
A análise dos resultados demonstra que uma parte do eleitorado tradicional do AKP não seguiu o partido, designadamente em Istambul. E às manifestações de regozijo pela vitória do “sim”, responderam diversos protestos contra os resultados em numerosas cidades do país. Na noite de domingo em Cihangir, no centro de Istambul, os habitantes protagonizaram um concerto de caçarolas, o primeiro desde as manifestações do parque Gazi em 2013, que então abalaram o poder turco.
Em caso de concretização destas reformas, o Presidente torna-se no único detentor do poder executivo, vai manter um amplo controlo sobre os poderes judicial e legislativo e é autorizado e emitir decretos.
Em teoria, Erdogan poderá permanecer na chefia do Estado até 2019. Ocupou o cargo de primeiro-ministro entre 2003 e 2014, antes de ser eleito Presidente através de sufrágio universal.
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