“Eu sou irrequieta do ponto de vista político. É uma preocupação real e concreta que tenho em relação à sociedade e ao mundo. Ao mundo da nossa coletividade, portuguesa, europeia, em que eu intervenho um bocadinho demais, falo um bocadinho demais”, afirmou durante uma sessão no Festival Correntes d’Escritas, que decorre na Póvoa de Varzim.
Para a autora “a escrita é uma outra coisa: Eu poderia fazer outra coisa, se não escrevesse livros. Talvez fosse agitadora, sindicalista, qualquer coisa, mas a escrita é uma outra coisa, não é para intervir diretamente”.
No entanto, admite que escreveu um livro com essa intenção, “Os memoráveis”, que “resultou de uma interpelação do mundo português”.
“O 25 de Abril é algo de que nos podemos orgulhar, do ponto de vista cultural e civilizacional, termos inaugurado uma serie de mudanças de regime, sem efusão de sangue”.
Segundo Lídia Jorge, o livro foi escrito para os mais jovens, “para lhes dizer que as pessoas que fizeram isto não o fizeram para ser heróis. Aqueles homens combinaram entre si que não reivindicariam nada para si”.
A título de exemplo, recordou que quando Spínola manifestou intenção de os condecorar, a resposta que recebeu foi que a revolução não foi feita para isso.
“Um punhado de gente que fez coisas lindíssimas, mas o que acontece é que o tempo desgasta, desagasta as ideias, e passados 40 anos havia a ideia de que aqueles que tinham sido heróis estavam envelhecidos, gente que já não servia para nada, como o Vasco Lourenço ou o Otelo, gente que estava no fundo e que não servia para nada”.
Então, na altura pensou que “tinha de escrever um livro que os ressuscitasse, como se viessem do fundo e falassem de si como os memoráveis, aqueles que mesmo errando devem ser venerados pela inteireza da sua humanidade, mesmo com os seus erros”.
“Foi isso que eu vi nesses homens e mulheres. Escrevi com a intenção direta de informar, de dizer: ‘não culpem a geração passada, fomos generosos, demos-vos alguma coisa, e a história dos memoráveis é isso”.
Do ponto de vista cívico, Lídia Jorge considera que esse romance foi o que “terá dado maior entendimento do país”.
Referindo-se ao seu mais recente romance, que venceu o Prémio Médicis estrangeiro, confessa que o escreveu sem saber como seria recebido.
“Tinha receio, porque era uma homenagem que queria fazer, uma homenagem justa, não só a uma figura, mas a uma geração de pessoas, à condição humana, mas não julguei que tivesse o eco que teve nas pessoas. Foi o livro de confissão pessoal, de entrega a uma memória intima. Porquê? Pela necessidade de criar uma espécie de justiça ontológica, em face de perdermos o sentido de nós próprios”.
A escritora disse ainda que o escreveu “para mostrar que a idade não diminui, que a idade acrescenta: desejo, inquietação, desejo de termos um sentido”.
Na opinião da escritora, um idoso é aquele que “volta atrás” e é como um adolescente e pergunta para que é que viveu, que acha o corpo humano ridículo, pergunta para que serve o mundo.
“Quis mostrar como há uma parte da nossa perda que não deixa ver o que vamos adquirindo com a idade”.
Outro aspeto que a autora destacou foi o facto de as pessoas verem “esperança” nos seus livros, quando essa não é a intenção que põe neles.
Como exemplo refere o “Misericórdia”, assinalando que é um “livro duro”, mas “é muito interessante que as pessoas digam que é um livro de bondade”.
“Porque eu não vejo isso, não coloco isso. Passa um otimismo orgânico”.
Sobre os caminhos que influenciaram a sua escrita, Lídia Jorge destacou os livros que leu na infância, considerando que a infância “é uma espécie de moldura” na qual se caminha para o futuro.
“Há quem pense que contar uma historia é prova de que não se tem talento. Eu considero contar uma historia um ato primordial. Se tiramos a historia individual tiramos a historia coletiva. ‘Era uma vez’ é o ato fundador da vida”, afirmou.
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