O especialista e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo está em Lisboa a participar no Simpósio sobre Intercâmbio em Medicina e, em entrevista à agência Lusa, recordou as “inúmeras conquistas” que o Brasil obteve na luta contra o VIH, identificado pela primeira vez no país em 1982.
O Brasil foi durante anos considerado um país modelo na luta contra a sida, graças à oferta universal da terapia antirretroviral e pela forma como enfrentou a indústria farmacêutica, conseguindo o fim das patentes de alguns fármacos.
“A nossa preocupação atual diz respeito ao momento político e social que o Brasil vive hoje, com um Governo com um pensamento conservador e moralista e, por vezes, de cunho religioso, que tem dificultado o enfrentamento objetivo dos principais desafios”, disse.
Para Aluisio Cotrim Segurado, esses desafios passam por encontrar “soluções para as populações reconhecidamente entendidas como vulneráveis e mais afetadas: homens que fazem sexo com homens e gays”.
O médico deu o exemplo da campanha contra o VIH no último Carnaval que, na sua opinião, foi uma oportunidade perdida, pois evitou “tratar da questão como ela merece nos tempos atuais”.
O especialista defende um tratamento cristalino desta temática, o que passa por “dar os efetivos nomes à identificação das populações mais vulneráveis”.
Dados oficiais apontam para uma prevalência do VIH no Brasil na ordem dos 0,5% nos homens e 0,3% nas mulheres. Contudo, essa percentagem sobe para os 15% nos gays e homens que fazem sexo com outros homens.
Recentemente, os especialistas ficaram “alarmados” com a prevalência da infeção nas mulheres ‘trans’ — 30%, o que significa que é 60 vezes superior à prevalência média no Brasil.
“É urgente o seu reconhecimento como uma população especialmente vulnerável e o desenvolvimento de medidas voltadas ao seu acolhimento nos serviços de saúde”, disse.
Aluisio Cotrim Segurado acredita que estes eram números “invisíveis”, uma vez que as mulheres ‘trans’ estiveram “sob o guarda-chuva dos homens que fazem sexo com outros homens”.
“Enquanto estavam sendo trabalhadas na categoria homens que fazem sexo com outros homens estavam diluídas e não aparecia a sua alta vulnerabilidade”, adiantou.
A sociedade civil está ainda preocupada com eventuais mexidas na profilaxia pré-exposição, a qual está “voltada para os grupos mais vulneráveis”, mas até agora isso não aconteceu.
“O acesso aos antirretrovirais para as pessoas que estão vivendo com o VIH está garantido por uma lei federal no Brasil. Mas a profilaxia pré-exposição foi uma decisão governamental baseada na evidência científica, mas sem um amparo legal com a mesma intensidade de um tratamento”, prosseguiu.
Aluisio Cotrim Segurado considera igualmente preocupante a “proibição da veiculação do material educativo anti-homofobia nas escolas”, assim como a recente “desmobilização efetiva de vários setores ligados aos direitos humanos no Governo federal, com a desativação de uma secretaria específica dos direitos humanos e das mulheres e a sua incorporação de um novo ministério criado, denominado da Família, das Mulheres e dos Direitos Humanos”.
“Ao usar esse termo [Ministério da Família], parece que só há um tipo de família que deve ser considerado como tal, o que é preocupante”, comentou.
Mas deixou um aviso: “A nossa posição é de vigilância, tanto da sociedade civil como da comunidade académica, na garantia que essas conquistas e benefícios não sejam perdidos”.
O infeciologista acrescenta ao VIH outras doenças, como a sífilis, que também afetam particularmente a população dos jovens gays e homens que fazem sexo com outros homens e que estão a merecer a atenção da comunidade científica.
“Os números já são bastante alarmantes” e demonstram que “não se trata apenas do resultado de mais testagem e sim de uma maior circulação do agente”, frisou.
E acrescentou: “Não estamos a conseguir levar uma mensagem efetiva de prevenção para esta população que, por vezes, está alijada do sistema de saúde”.
“Se a homofobia é prevalente na comunidade, a identificação desses jovens com a sua condição já é prejudicada e muito menos será frequente o acesso aos serviços de saúde para a sua prevenção”.
Para o médico, “há uma necessidade urgente de se vincular a mensagem de que a sífilis é um problema muito grave de saúde pública no Brasil”.
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