No início da intervenção, Marcelo considerou que estes tempos de pandemia da Covid-19 impõem unidade — mas "não unicidade nem unanimismo" — entre "os portugueses que o têm lembrado no seu dia a dia e os responsáveis políticos, uma convergência que tem sido decisiva para Portugal”.
No entanto, o Presidente da República diz-se ser "obviamente sensível às dúvidas de alguns portugueses surgidas nas últimas semanas acerca da sessão", aludindo às críticas de que, por motivos de segurança e por solidariedade aos cidadãos portugueses em dever de confinamento, este evento não deveria ocorrer na Assembleia da República.
A este respeito, Marcelo Rebelo de Sousa disse ser "fundamental" responder a estas "interrogações críticas" por um dever de unidade, "para continuarmos todos juntos, porque o caminho a fazer ainda é longo, difícil e imprevisível".
O Presidente da República rejeitou assim as considerações que determinavam como "costumeiras e para muitos, ritualistas" as celebrações do 25 de abril, que deveriam ser dispensadas neste "tempo excecional", defendendo que o seu cariz é, mais do que tudo,"essencial".
Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou assim outras datas determinantes para o país, como o 10 de junho (dia de Portugal), o 5 de outubro (Implantação da República) e o 1 de dezembro (Restauração da Independência) também são "essenciais" e vão ser evocadas, tal como 25 de abril o está a ser.
A justificação que o líder máximo do país deu para esta opção é porque "em tempos execionais de dor, sofrimento, luto, separação e confinamento, é que mais importa evocar a pátria, a independência, a República, a liberdade e a democracia”.
No entanto, o Presidente da República deu outro exemplo, de que, sendo um tempo "em que vários de nós não vemos filhos ou netos, nem visitamos doentes ou lares há mais de um mês, e só alguns, em grupo de risco, podem sair das casas em termos muito mais limitados", deveria conter-se um "um espírito de festa de políticos".
Marcelo Rebelo de Sousa, porém, rejeitou tal caracterização, dizendo que esta "não é uma festa de políticos alheia ao clima de privação vivido na sociedade portuguesa" e que "evocar o 25 de abril é falar deste tempo, não é ignorá-lo". "É falar dos seus desafios, presentes e futuros, do que fazemos e do que falta fazer. Do que acertamos e do que erramos. É ainda ir às raízes buscar forças adicionais, encontrar mais razões para mobilizar, para enfrentar cansaços, desânimos e frustrações", considerou o governante.
Mais ainda, o Presidente da República recordou à assembleia que quem lá se encontrava não veio "de outro país, de outro mundo, de outra galáxia", sendo sim "livre escolha dos portugueses". "O que nos reune hoje são os seus dramas, os seus anseios e as suas angustias, pelas quais somos assumidamente responsáveis", lembrou Marcelo.
Ainda assim, o Presidente da República trouxe um terceiro argumento, de que este poderia ser "um mau exemplo em Estado de Emergência no plano dos princípios como no do acatamento das diretivas sanitárias".
No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa apontou que, especificamente pelo país se encontrar sob Estado de Emergência, que "implica um reforço extraordinário dos poderes do Governo", é necessária força idêntica da "Assembleia da República, para o controlar".
"Por isso a Assembleia da República nunca parou de funcionar. Discutiu e votou o mais importante em sessões plenárias. Ao fazê-lo, trabalho e trabalha, para cumprir a sua missão nacional. Tem-lo feito e fá-lo hoje também respeitando as diretivas sanitárias", defendeu o Presidente da República.
Por essa razão, Marcelo apontou a sessão de hoje como sendo "um bom e não um mau exemplo", pois "seria verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso" haver "todo um país a viver este tempo de sacrifício e entrega e a Assembleia da República demitir-se de exercer todos os seus poderes numa situação em que eles eram e são mais do que nunca imprescindíveis".
Na sessão de hoje, disse o Presidente da República, "ouviram-se vozes discordantes que falaram de abril de 2020, de sucessos e também de fracassos, passados e presentes, e de sonhos e temores presentes numa situação crítica da vida nacional", adiantando Marcelo que tais exemplos dão conta de "um momento crucial de controlo crítico e plural em liberdade e democracia. Porque são esses os valores de Abril".
Dirigindo-se depois aos atuais desafios, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que este momento exige unidade e prometeu que os mortos pela covid-19 "hão de merecer no fim desta privação uma homenagem coletiva daqueles que não puderam prestar a sua homenagem pessoal".
O chefe de Estado afirmou também que haverá que "retirar, a seu tempo, as lições" desta crise de saúde pública, que no seu entender mostrou "as fragilidades, as desigualdades, as clivagens" do tecido social português e "as debilidades, as carências, as descoordenações, a rigidez, a lentidão" em várias instituições - "em demasiadas", observou, sem dar exemplos.
"Esta hora impõe-nos unidade. Unidade que não é nem unicidade nem unanimismo. Mas unidade entre os portugueses, que o têm lembrado no seu dia a dia, e unidade entre os responsáveis políticos, uma convergência que tem sido decisiva para Portugal", declarou.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou que "a crise económica e social" resultante da pandemia de covid-19 se fará sentir "durante anos" e que agora é preciso "conjugar aberturas amadurecidas com precauções bem explicadas e bem compreendidas que há a conjugar" e "acorrer aos desempregados, aos que estão em risco de o ser, às famílias aflitas, às empresas estranguladas".
"Temos de continuar a resistir ao desgaste, à fadiga, à lassidão, temos de manter a máxima convergência possível, temos de não ceder ao simplismo de separar velhos e novos, metropolitanos, urbanos e rurais, regiões autónomas, sem embargo da sua autonomia específica, Porto, Norte, Centro, Alentejo, Algarve e Lisboa. E também não cair na tentação fácil de discriminar ideias, correntes de opinião ou pessoas, como se o 25 de Abril fosse só de uma parte de Portugal", acrescentou.
Neste discurso do 25 de Abril, o último do seu mandato de cinco anos, que termina em março de 2021, Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que é fundamental assinalar esta data histórica e que no atual contexto de confinamento devido à pandemia de covid-19 "evocar Abril" é falar dos desafios deste tempo.
"É testemunhar gratidão sem fim aos que salvaram, salvam e salvarão vidas e por isso deverão ser permanentemente acarinhados, agora e sempre, e os que ajudaram a salvar e a manter o básico na nossa sociedade, civis, Forças Armadas e forças de segurança", disse.
Depois, realçou que Portugal está a "viver tudo isto em liberdade e democracia, com comunicação social insubstituível, como é sempre em democracia, sem censura e redes sociais sem controlos".
Em Portugal, vigora um "estado de emergência preventivo e não repressivo, adotado sem um voto contra nesta casa, com confinamentos assumidos e não arregimentados, combatendo o vírus e não o escondendo", destacou.
A meio da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa saudou "de modo especial o Presidente António Ramalho Eanes", o seu único antecessor presente nesta sessão solene, "primeiro Presidente da República democraticamente eleito em Portugal, símbolo, também ele, do espírito de unidade deste nosso encontro cívico".
O chefe de Estado destacou também a presença nesta cerimónia de um representante dos capitães de Abril e de dois antigos deputados constituintes - o próprio Marcelo Rebelo de Sousa e o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
Além disso, recordou que nesta sessão solene já não está nenhum dos "quatro principais fundadores partidários do constitucionalismo pós-Abril", Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Mário Soares e Diogo Freitas do Amaral, que morreu em outubro do ano passado.
"E agora, senhor presidente [da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues], senhoras e senhores deputados portugueses, vamos ao essencial, vamos vencer as crises que temos de vencer", exclamou Marcelo Rebelo de Sousa, no final da sua intervenção, que foi aplaudida de pé por PS, PSD e CDS-PP, recebendo alguns aplausos de deputados do PCP e do BE, sentados.
A sessão contou com um número de presenças reduzido devido à pandemia de Covid-19, cabendo ao chefe de Estado, como é habitual, a última intervenção da cerimónia.
Nas bancadas estiveram 46 deputados, um por cada ano sobre a data da Revolução: 19 do PS, 13 do PSD, quatro do BE quatro do PCP, e um parlamentar por cada um dos restantes partidos – CDS, PAN, PEV, Chega e Iniciativa Liberal -, a que se soma a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
O Governo apenas teve quatro elementos na sua bancada: o primeiro-ministro, António Costa, a ministra de Estado e da Presidência, o ministro da Defesa Nacional e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Os convidados, menos de duas dezenas, sentaram-se nas galerias e não no espaço entre as bancadas dos partidos e do Governo.
Pelo PS discursou a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, pelo PSD o presidente do partido e da bancada, Rui Rio, pelo BE o deputado Moisés Ferreira, pelo PCP o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, e pelo o CDS-PP, Telmo Correia, a líder parlamentar dos centristas.
As restantes forças políticas apenas tiveram um parlamentar cada, cabendo a eles as intervenções: pelo Partido Ecologista “os Verdes” o líder parlamentar José Luís Ferreira, pelo PAN a presidente da bancada Inês Sousa Real, pelo Chega o deputado único André Ventura e pela Iniciativa Liberal o também deputado único João Cotrim Figueiredo.
Depois da sessão solene na Assembleia da República, sem os habituais cortejos no exterior, também não haverá o programa de visitas, o ‘Parlamento de portas abertas’.
O primeiro-ministro, António Costa, vai deixar uma mensagem alusiva às comemorações do 46º aniversário do 25 de Abril, pelas 15:30 horas, e “abrirá” aos cidadãos, através da Internet, a residência oficial de São Bento.
Em vez de abrir os jardins à população como habitualmente, o primeiro-ministro pediu aos diretores dos teatros nacionais portugueses e da Companhia Nacional de Bailado que pensassem numa forma de celebrar o 25 de Abril, tendo resultado a obra de teatro documental “Agora Que Não Podemos Estar Juntos”, criada pela companhia portuguesa Hotel Europa, e que será transmitida pelas 15:30 nas plataformas online do Governo.
Em Belém, o Presidente da República também dedicará a tarde à Cultura, recebendo em audiências separadas, entre as 14:00 e as 19:00, seis associações da área dos livreiros, cinema, artes performativas, dança, museus, promotores de espetáculos e autores.
Em Portugal, a pandemia de Covid-19 já causou a morte de 854 pessoas das 22.797 confirmadas como infetadas, e há 1.228 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.
*com Lusa
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