Além de Berlim, Adolf Hitler tinha outro quartel-general a partir do qual governou a Alemanha nazi durante o Terceiro Reich: Berghof, um chalé de verão que se expandiu na zona montanhosa de Obersalzberg à medida que o chanceler tornado Führer foi consolidando o seu poder.
Comprada em 1923, ainda antes de Hitler tomar o poder na Alemanha, foi nesta propriedade que o ditador alemão comandou a invasão da Polónia em 1939, por exemplo, e onde recebeu vários diplomatas e governantes. Entre eles constaram o seu aliado italiano Benito Mussolini e os primeiros-ministros britânicos Neville Chamberlain e David Lloyd George, além de Eduardo VIII — que abdicou do trono inglês e cujas simpatias nazis causaram embaraço ao Reino Unido.
Deixada em ruínas no final da Segunda Guerra Mundial, o governo britânico mandou demolir o que restava das suas fundações em 1952 para evitar que se tornasse um local de peregrinação para nazis. No entanto, não obstante a iniciativa, o Berghof tornou-se isso mesmo — sendo desde então uma fonte de incómodo para a vila vizinha, Berchtesgaden.
Este verão, esta povoação idílica, localizada no sul da Alemanha, foi abalada por um episódio de violência, quando três homens vestidos com roupas associadas ao movimento neonazi atacaram um homem na esplanada de um bar. De acordo com o jornal britânico The Guardian, Joseph Brandner, de 34 anos, foi esmurrado de surpresa pelo trio, que quis continuar as agressões.
Essa foi a semente de um movimento de oposição à extrema-direita na vila. A iniciativa cidadã, batizada “Berchtesgaden Contra a Direita”, surgiu depois da agressão e de 40 membros desta comunidade alpina de 8000 habitantes se reunirem para discuti-la. “Não vão ter esta vila de volta — este local histórico deixou de ser vosso para sempre” afirma Jakob Palm, o dono do bar onde ocorreu o episódio e um dos líderes deste grupo. Para si, o murro “rompeu a complacência” desta povoação para com o seu legado histórico.
“O facto de muitas pessoas de círculos relevantes da direita estarem hoje a peregrinar novamente a Obersalzberg é uma espinha na garganta de muitos dos que vivem na bacia do vale de Berchtesgaden", lê-se no site criado pela iniciativa. O que este movimento pretende então é “tomar uma posição clara a favor de uma sociedade democrática e cosmopolita em tempos de atividades e ataques de extrema-direita."
Este esforço não é de agora. Em 1999 foi inaugurado o Dokumentation Obersalzberg, um museu a detalhar a atividade nazi na zona e as atrocidades que foram planeadas em Berghof. O espaço foi alvo de um projeto de 30 milhões de euros para expandir as instalações, tendo reaberto no outono de 2023.
No entanto, com a reabertura chegaram também as provocações. “Esta é a verdadeira Alemanha, orgulhosamente nacional”, alguém escreveu no livro de visitas do museu. Noutros casos, foram deixados post-it anti-semitas numa zona aberta à participação do público.
Este tipo de sinais tem levado a comunidade de Berchtesgaden a posicionar-se frontalmente contra a extrema-direita, em clara ascensão na Alemanha. O partido de extrema-direita alemão Alternativa para a Alemanha (AfD) tem neste momento mais de 20% das intenções de voto para as eleições nacionais, encontrando-se apenas atrás da conservadora CDU, da ex-chanceler Angela Merkel.
O partido tem cavalgado a onda de descontentamento da opinião pública com a coligação governamental composta pelos sociais-democratas do chanceler Olaf Scholz, os Verdes e os Liberais, a inflação e as medidas de proteção do clima. Detendo já 83 lugares no Bundestag, o parlamento alemão, o AfD conquistou pela primeira vez em 2023 a presidência de câmara numa cidade de média dimensão, em Pirna. Este ano, espera-se que continue a crescer e que obtenha bons resultados nas eleições regionais que vão decorrer em três estados federais.
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