As medidas da estratégia nacional foram hoje apresentadas em Lisboa pela ministra da Justiça, Francisca van Dunem, que, realçou contudo que a "chave do problema" para enfrentar a corrupção está na prevenção, por se entender que o sistema repressivo, por mais sofisticado que seja, é " insuficiente para diminuir seriamente o fenómeno".
Porém, ao nível da repressão, a estratégia propõe alguns ajustes nos mecanismos que já existem em Portugal, como a dispensa de pena, a atenuação da pena ou a suspensão provisória do processo, com a ministra a salientar que se pretende que estas soluções sejam aplicadas na prática e auxiliem à investigação.
Ainda na esfera repressiva, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC), hoje aprovada em Conselho de Ministros para discussão pública, pretende reforçar a pena acessória de proibição do exercício de funções públicas aplicada a titulares de cargos públicos que cometam crimes de média ou alta gravidade, prevendo prazos mais longos de impedimento e tornando-a aplicável a titulares de cargos políticos, conforme consta de uma nota informativa distribuída aos jornalistas.
No plano da prevenção - que a ministra insiste ser a "chave do problema - pretende-se reforçar o papel das escolas, transmitindo-se às crianças e jovens valores que gerem repúdio perante as práticas corruptivas.
Outro das medidas preventivas prevê a implementação, dentro da administração pública e das médias e grandes empresas, de programas vocacionados para a prevenção e deteção de práticas ilícitas e para a proteção de dirigentes ou trabalhadores que denunciem tais práticas, dando assim cumprimento a recomendações da União Europeia.
Pretende-se ainda criar um mecanismo anticorrupção com poderes de iniciativa, controlo e sancionamento no âmbito do regime geral de prevenção da corrupção e com atribuições ao nível da recolha e tratamento de informação e da organização de atividades entre entidades públicas e entidades privadas relacionados com a corrupção.
Francisca van Dunem referiu que o essencial no combate à corrupção é a "prevenção primária", razão pela qual se incluiu as escolas, as universidades e formação a dar a todos os dirigentes e funcionários públicos sobre os perigos e as consequências negativas da corrupção e para a necessidade de haver probidade e transparência.
A ministra notou também que "uma importante dimensão da corrupção" está no setor privado, e que disso "pouco se fala" embora também tenha uma "enorme relevância".
Ao nível da repressão da corrupção, apontou como "problemas complexos" o conhecimento tardio dos factos ilícitos, a dificuldade de quebrar os "pactos de silêncio" e a tendência relacionada com a elaboração de "processos de grande dimensão", uma expressão que diz preferir em desfavor do termo "megaprocessos".
A ministra anunciou a intenção de realizar intervenções "cirúrgicas" para resolver tais problemas, por forma a "remover os obstáculos à aplicação" de mecanismos já existentes na lei que permitem a atenuação ou redução da pena.
Quanto à "magnitude dos processos" - outra expressão utilizada em alternativa ao termo “megaprocessos” - Francisca van Dunem adiantou que a intenção é interferir ao nível das regras de conexão processual, por forma a permitir que, em certos contextos, seja possível "fazer cessar a conexão de processos", sendo assim "possível trabalhar com matérias mais reduzidas".
Relativamente à possibilidade de se celebrar acordos sobre a pena aplicável, durante o julgamento, isso implicará - explicou - que se verifique a confissão integral e sem reserva dos factos. Tal permitirá ao arguido e ao Ministério Público "negociar a pena aplicável com dispensa de produção de prova relativamente aos factos".
Assim, acrescentou, o "tribunal só terá que fazer prova relativamente à culpabilidade do agente".
A ministra vincou que relativamente à delação premiada a "questão não se coloca", porque "não é da delação premiada que se está aqui a falar", mas apenas de um instituto que já existe no ordenamento penal português e que se está apenas a "aprimorar".
Questionada sobre o regime de proteção dos denunciantes, em véspera de se iniciar o julgamento do pirata informático Rui Pinto (criador da plataforma Football Leaks e que denunciou o caso Luanda Leks), Francisca vab Dunem indicou que o regime está previsto no quadro da União Europeia e consta de uma diretiva que Portugal terá que transpor para o direito interno.
"Esse regime tem como pressuposto que o denunciante esteja integrado numa organização e tenha conhecimento dos factos (ilícitos) em virtude da sua atividade nessa organização e, em resultado disso, através dos canais de denúncia adequados, faça a denúncia", precisou a ministra, referindo que por isso "não será propriamente essa a situação" com a qual foi confrontada na pergunta sobre a aplicabilidade daquele regime ao arguido e denunciante do Football Leaks Rui Pinto.
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