O Movimento Ação Ética expressou perplexidade e acusou os deputados de “pressa legislativa”, em resposta à votação realizada hoje na Assembleia da República e referindo-se ao contexto político de “dissolução parlamentar e eleições antecipadas”.

O novo decreto sobre a eutanásia foi aprovado com os votos a favor de grande parte bancada do PS, do BE, do PAN, do PEV, IL e das duas deputadas não inscritas, bem como 13 deputados do PSD.

“Estamos diante de uma Assembleia da República politicamente eutanasiada, que aprova a lei da eutanásia, e num dia triste para a sociedade portuguesa pelo repúdio da mais elevada conquista da civilização, o direito à vida”, escreveu o movimento num comunicado divulgado esta tarde.

A votação de hoje ao decreto que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e que altera o Código Penal foi o culminar de um processo de reapreciação parlamentar do diploma, na sequência do veto por inconstitucionalidade do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que devolveu o diploma em março à Assembleia da República.

O movimento cívico que tem como cofundadores o economista António Bagão Félix, o constitucionalista Paulo Otero e os médicos Pedro Afonso e Vítor Gil, apelou ao Presidente da República para, face a uma nova versão da lei que considera “ainda mais inconstitucional do que a anterior”, solicite a apreciação preventiva da constitucionalidade ou, em alternativa, recuse a promulgação, num cenário de “um parlamento dissolvido que confere natureza absoluta ao seu veto”.

Também o movimento cívico Stop Eutanásia lamentou a decisão do parlamento, considerando que o debate final foi feito de forma precipitada, em plena dissolução” e com o país a viver “um contexto político e social instável, incerto e sofrido”.

“Aguardamos a decisão de veto do Senhor Presidente da República para travar uma lei que em nada favorece o fim de vida digno dos portugueses”, lê-se no documento.

A Associação Portuguesa de Bioética criticou igualmente o que classificou de “pressa legislativa”, com o presidente, Rui Nunes, a defender que um tema “tão fraturante” exige estabilidade legislativa.

O professor catedrático, que tem defendido um referendo sobre a matéria, entende tratar-se de um tema demasiado complexo para ser decidido apenas pelos deputados.

Da esfera religiosa houve também reações, através Grupo de Trabalho Inter-Religioso - Religiões-Saúde.

Subscrito por várias confissões religiosas – signatárias da declaração conjunta “Cuidar até ao fim com compaixão”, de 16 de maio de 2018 – sublinham em comunicado que o futuro das sociedades “não se encontra na oferta da morte, mas na aposta coletiva num modelo compassivo de sociedade”, defendendo que “os cuidados paliativos são uma resposta que o Estado deveria obrigatoriamente oferecer, de modo suficiente em quantidade e qualidade, para fazer frente às necessidades existentes dos doentes, sem marginalizar os mais frágeis e os mais pobres”.

“Não compreendemos que o Estado ofereça a morte a quem mais sofre, quando o SNS [Serviço Nacional de Saúde] não responde atempada e adequadamente às necessidades dos doentes (…), quando a resposta das Unidades de Cuidados Continuados é insuficiente e quando não existe uma Rede de Cuidados Paliativos capaz de responder às solicitações”, afirmam os subscritores, que não escondem a “perplexidade” pelo facto de “a problemática da vida e da morte” deixar de ser uma questão ética e passar para o foro da política, “ficando sujeita às maiorias de circunstância e aos interesses de lóbis e ideologias”.

Afirmando não acreditar “que sejam suficientes as boas intenções dos legisladores ao limitarem a aplicação da lei a casos limite de sofrimento definidos por dicionário”, o Grupo de Trabalho Inter-Religioso lamenta que tenham sido “ignorados os exemplos da rampa deslizante vindos do Canadá, da Holanda, da Bélgica e de outros países”.

“Lamentamos que médicos, formados para curar e proteger a vida, tenham de negar o juramento de Hipócrates e passem também a matar, violentando as suas consciências e gerando desconfiança nos doentes”, afirmam, acrescentando que não deixarão de se “empenhar na proclamação dos valores da vida e na formação humana suportada pelos mesmos (…) porque não há vidas descartáveis”.

Neste contexto, os responsáveis pelas confissões religiosas subscritoras dizem querer “viver o desafio de uma maior proximidade aos doentes através do acompanhamento espiritual” e exortam a que “o SNS e os Hospitais privados abram as portas das suas Instituições para que os doentes sejam acompanhados espiritualmente sem entraves ou tabus de uma forma organizada e integrada, segura e transparente”.

“Continuaremos (…) a afirmar o princípio ‘não matarás’, porque acreditamos que a vida é um dom que recebemos de Deus, que tem um caráter sagrado e uma finalidade última e por isso temos o dever de a cuidar até ao seu fim natural”, adianta o comunicado subscrito pela Aliança Evangélica Portuguesa, Comunidade Hindu Portuguesa, Comunidade Islâmica de Lisboa, Comunidade Israelita de Lisboa, Igreja Católica, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons), Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, União Budista Portuguesa e União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia.

A votação de hoje ao decreto que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e que altera o Código Penal foi o culminar de um processo de reapreciação parlamentar do diploma, na sequência do veto por inconstitucionalidade do Presidente da República, que devolveu o diploma em março à Assembleia da República.