No despacho de não admissão a que a Lusa teve acesso – depois de a decisão ter sido anunciada ao início da tarde -, Augusto Santos Silva apoia-se igualmente na nota de admissibilidade dos serviços da Assembleia da República para concluir que a iniciativa do PSD renova uma outra apresentada pelo Chega sobre a mesma matéria, em junho, e que foi rejeitada.
Em causa está a violação do número 4 do artigo 167.º da lei fundamental determinando que “os projetos e as propostas de lei e de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República”.
Santos Silva refere que “resulta pacífico da doutrina e da jurisprudência constitucional mais relevantes” que é indiferente qual a identidade dos proponentes das iniciativas, dizendo compreender que a Constituição procure “o prestígio da instituição, bem como de boa gestão do tempo parlamentar”.
O presidente da Assembleia da República admite que, nos dois projetos de resolução, as perguntas apresentadas por Chega e PSD “têm formulações distintas”.
“Todavia, isso não parece suficiente, no caso em apreço, para afastar a aplicação da regra da proibição de renovação, na mesma sessão legislativa, de projetos de referendo rejeitados”, defende.
Santos Silva cita o acórdão 578/2005, no caso relativo ao referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, em que se refere que “as diferenças de formulação das perguntas, especialmente tendo em conta que se trata de propostas de referendos e não de textos legislativos, são insuficientes para permitir afirmar que não se pretende que o eleitorado se pronuncie sobre a mesma questão nas duas iniciativas referendárias”.
O presidente do parlamento recorda que este acórdão recorre às posições dos constitucionalistas Jorge Miranda, Gomes Canotilho e Vital Moreira, com o primeiro a defender que “o que conta é a identidade de sentidos prescritivos”, e não a “identidade de matérias versadas em duas ou mais iniciativas”, sendo irrelevantes “diferenças de simples pormenor”.
“É meu entendimento que o atrás exposto mostra, de forma clara e manifesta, que o projeto de resolução 311/XV/1.a contraria de forma insanável o disposto na Constituição, e na Lei Orgânica do Regime do Referendo, sobre esta matéria”, afirma.
Santos Silva recorda que o Regimento atribui ao Presidente da Assembleia da República a competência de admitir ou rejeitar diplomas “verificada a sua regularidade regimental, sem prejuízo do direito de recurso para a Assembleia”.
“Tal como os meus antecessores, entendo que este é um poder que deve ser exercido com a maior cautela, em respeito pelos poderes de iniciativa constitucionalmente reconhecidos, devendo, por isso, ser excecional, e, quando baseado em inconstitucionalidade, apenas quando esta resulte absolutamente manifesta e evidente e os motivos não possam ser corrigidos no decurso do processo legislativo, como considero ser o caso”, acrescenta, justificando a não admissão do projeto do PSD.
Na nota técnica, os serviços da Assembleia da República concluem igualmente que a iniciativa do PSD “parece não cumprir os requisitos formais de admissibilidade previstos na Constituição” por não respeitar o limite de renovação na mesma sessão legislativa.
Depois da decisão de não admissão ter sido anunciada, o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, acusou hoje à tarde o presidente do parlamento e o líder do Chega de “cumplicidade e conluio” na rejeição do projeto dos sociais-democratas que pedia um referendo à despenalização da eutanásia, e afirmou que o partido vai recorrer para plenário desta decisão.
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