Cerca de 200 pessoas clamaram por justiça várias vezes, enquanto o caixão com o corpo de Evaldo dos Santos era depositado no cemitério de Ricardo de Albuquerque, não muito longe de onde foi morto no domingo, quando dirigia o carro em que viajava com a família rumo a um encontro de amigos e família para assinalar a vinda de um novo bebé.

Estavam cinco pessoas no automóvel no momento em que os militares abriram fogo. Além de Evaldo, o seu sogro, a sua mulher, o filho de sete anos e uma amiga da família.

Segundo o Exército, os militares procuravam um carro similar ao do músico que seria conduzido por criminosos, durante uma "patrulha regular" no perímetro de segurança de uma área militar.

A mulher de Evaldo, o filho e a amiga da família saíram ilesos, mas o sogro e um peão que tentou ajudar ficaram feridos.

A prisão rápida dos militares envolvidos na ação não foi suficiente para acalmar a revolta dos amigos e parentes do músico durante o funeral que se realizou num dia chuvoso e quente, numa semana que começou com chuvas torrenciais na segunda-feira que provocaram estragos e mortes na cidade.

"A culpa é sua, Bolsonaro!"

Alguns gritavam "a culpa é sua, Bolsonaro!", enquanto outros o acusavam de dar às forças de segurança permissão para cometer atos de violência.

"A violência não era assim antes, não", disse à AFP Patrícia Lima, prima de Evaldo. "Esta é uma violência concedida", acrescentou.

Ciney Silva, membro do grupo de pagode Remelexo da Cor, fundado por Evaldo, tocou vários sambas com um cavaquinho durante o funeral, enquanto os presentes cantavam e aplaudiam.

"Ele foi brutalmente assassinado", disse Silva à AFP. "O que mais me revolta foi como aconteceu".

Entre janeiro e fevereiro de 2019,  305 pessoas foram mortas pela Polícia no Rio

O assassinato de Evaldo, de 51 anos, que além de músico trabalhava como segurança, ocorreu dias depois de um adolescente ter sido morto a tiros por militares no Rio de Janeiro por furar um bloqueio, segundo a imprensa.

Bolsonaro chegou ao poder a 1 de janeiro, com promessas de aplicar uma política de tolerância zero contra a criminalidade, também partilhada pelo governador do estado, Wilson Witzel.

Entre janeiro e fevereiro de 2019, os dois primeiros meses de Witzel no cargo, 305 pessoas foram mortas pela Polícia no Rio, segundo números do governo. Este número representa um aumento de 17,6% com relação ao mesmo período de 2018, e é um recorde nos 16 anos em que se faz estatísticas sobre homicídios relacionados com a intervenção da Polícia.

Witzel admitiu no final de março que a Polícia recorre a atiradores de elite para atingir suspeitos armados à distância.

Nove soldados estão presos preventivamente por envolvimento na ação que resultou na morte de Evaldo, que o Exército qualificou nesta quarta-feira como um "triste incidente".

O advogado da família de Evaldo pediu que a polícia trate do caso. "Estamos buscando uma apuração isenta", disse João Tancredo aos jornalistas presentes no cemitério.

Depois do funeral, dezenas de amigos e parentes do músico protestaram em frente aos postos onde estavam os militares. Gritaram palavras como "assassinato" e "justiça", alguns segurando bandeiras do Brasil salpicadas de tinta vermelha como se fosse sangue.

"Nós somos só números", disse Patrícia Lima. "Ele deixou uma família, um filho de sete anos que era a sua vida. Era uma família linda de se ver e tudo isso aconteceu por nada".