Na quarta-feira, em entrevista à Lusa, o ministro da Defesa Nacional revelou que vai apresentar no parlamento, nas próximas semanas, uma proposta de lei para alterar a estrutura superior de comando das Forças Armadas (FA) visando reforçar a autoridade e competências do CEMGFA, que passará a ter o comando operacional de toda a atividade militar.

Contactados pela Lusa, antigos responsáveis militares, recordando que o número de efetivos deveria rondar os 30 ou 32 mil em vez dos atuais cerca de 26 mil, criticaram o poder político por constantes alterações à legislação sem o necessário reforço de meios humanos, materiais e financeiros das FA para que possam cumprir cabalmente as suas missões.

“Os governos, seja este ou anteriores, PS ou PSD… não custa muito, não é muito caro fazer leis. Depois, logo se vê se elas se cumprem ou não. É mais caro obter recursos, meios materiais e humanos. O problema das FA não é a estrutura, é a escassez de meios de toda a ordem”, sentenciou o general piloto-aviador Luís Araújo, CEMGFA entre 2011 e 2014, sublinhando o excelente desempenho “na pandemia” e nas “Forças Nacionais Destacadas”.

O general chamou a atenção para o facto de o ministro da Defesa Nacional pretender que o conselho de chefes (militares) passar a ser “consultivo e não deliberativo”. “O CEMGFA não tem de se chatear nem justificar, junto dos chefes. Isto é apoucar os chefes dos ramos. Atenção, que eu fui CEMGFA, tenho as duas experiências. Portanto, os chefes deixam de ‘despachar’ com o ministro”, criticou.

Gomes Cravinho sublinhara que, entre os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (), já não se encontra “um modelo parecido com o português” na medida em que “já evoluíram para um modelo mais adequado que é o CEMGFA ter autoridade sobre os três ramos e também sobre as novas valências, da Ciberdefesa e da Saúde militar”.

Os três ramos das FA “continuarão a existir e a ter uma identidade própria e vincada” e não está em cima da mesa a criação de um Estado-Maior único, disse o responsável pela tutela.

“Nas democracias, há sempre — como se viu agora nos Estados Unidos — ‘checks and balances’ (equilíbrios). Isto, concentra mais, em excesso, no CEMGFA”, afirmou Luís Araújo.

O almirante Melo Gomes, antigo Chefe do Estado-Maior da Armada (Marinha), declarou não conceber “esta reforma isolada de uma revisão da organização do Estado no âmbito da Defesa porque o problema das FA não é a questão da estrutura superior, mas a adequação dos objetivos definidos em relação aos recursos disponibilizados: financeiros, operacionais, apoio social, Saúde e condição militar”.

“As FA são um corpo estratificado, com 900 anos de História, que não pode estar permanentemente sujeito a reformas. Nos últimos anos, houve uma reforma em 2009, uma em 2014, uma que está ainda em curso em 2020 e já se está a pensar noutra!”, indignou-se.

O comandante de uma operação de resgate na Guiné-Bissau, durante a guerra civil naquele país africano em 1998, na qual foram resgatadas cerca de 1.200 pessoas, de diversas nacionalidades, alertou que, perante as intenções do governante, a “‘autoritas’ dos chefes dos ramos fica diminuída, em relação aos seus subordinados, que pode levar a consequências muito grave, que é preciso ponderar devidamente, tal como o que se passa com movimentos inorgânicos”.

Melo Gomes serviu também as forças marítimas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) durante o período crítico em que foi acionado o artigo 5.º, após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 contra diversos alvos nos Estados Unidos.

O general Pinto Ramalho, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), também concordou que se trata de “uma desvalorização da posição dos ramos” e “centralizar no CEMGFA tudo aquilo que é a relação com a tutela política”.

“É retirar a capacidade de informação e de conhecimento. Quem, realmente, sente as tropas, quem sente a evolução dos ramos e as necessidades do dia-a-dia são os chefes dos ramos e não o CEMGFA. É uma redução da capacidade de intervenção dos chefes, o que é, necessariamente, negativo”, disse o atual diretor da Revista Militar e presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

Segundo Gomes Cravinho, o objetivo global da reforma é permitir que o CEMGFA “tenha à sua disposição a qualquer momento as forças de que precisa para executar as suas missões” e favorecer uma “visão de conjunto” sobre as necessidades e processos de investimento das FA.

De acordo com as linhas gerais da proposta do Governo, as alterações à Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas (LOBOFA) reforçam a autoridade do CEMGFA e os chefes dos ramos “passam a depender do CEMGFA para todas as áreas da atividade militar, incluindo o planeamento, direção e controlo da execução da estratégia de defesa militar, a administração de recursos e capacidades militares”.

O Conselho de Chefes de Estado-Maior deixará, na proposta do ministro da Defesa, de ter as atuais competências deliberativas e de coordenação, passando a ter principalmente funções de consulta.

General Valença Pinto favorável a proposta para reforço da autoridade 

“Do ponto de vista institucional e técnico, isto não me surpreende nada. O que acho que se tratará, ou se devia tratar, é de promover e assegurar uma melhor lógica intrínseca e coordenação no aparelho da Defesa Nacional e das FA, não pode ser uma questão que seria muito pobre apenas de redefinição de poderes relativos”, disse o também ex-Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), em entrevista à Lusa.

Para Valença Pinto, que foi a figura de topo da hierarquia militar portuguesa entre 2006 e 2011, “não chega ser um ‘primus inter pares’”, pois o CEMGFA “tem de ser o primeiro responsável pelas FA”.

“Não chega dizer-se que é o chefe militar de mais elevada hierarquia, que é. Os chefes dos estados-maiores dos ramos (Exército, Força Aérea e Marinha), claramente, devem estar subordinados ao CEMGFA, mantendo as responsabilidades fundamentais que têm: no plano da formação, aprontamento e sustentação das forças”, defendeu.

“[A crise das FA] decorre da incúria e desatenção a que os responsáveis políticos votaram as FA, sobretudo na última década. Este é o caminho de todos os países aliados na NATO, UE... Não temos de fazer porque os outros fazem. Temos de fazer porque percebemos que, olhando para os outros, é melhor”, rematou o general Valença Pinto.