
“A devastação que criei é da minha responsabilidade, não do meu ambiente”, reconheceu o arguido de 74 anos, já condenado por pedofilia em 2020, naquela que foi a sua primeira declaração aprofundada no julgamento em Vannes, na região da Bretanha, a oeste de França.
No seu aguardado testemunho sobre a sua vida e o que o levou a cometer os crimes de que é acusado, e que já reconheceu na sua grande maioria, disse que “nunca” encontrou nada na sua infância e juventude que pudesse explicar o seu comportamento.
“Não tenho a mais pequena recordação de que possa ter sido vítima de alguma coisa”, afirmou.
Le Scouarnec, que em 2020 foi condenado a 15 anos de prisão por outros crimes sexuais – molestar e violar quatro menores, duas das quais suas sobrinhas -, passou hoje em revista a sua vida, remontando à sua infância, e apontou também o facto de o seu pai ter sido criado num lar sem amor.
O próprio pai do arguido abusou do neto, filho de Le Scouarnec, facto que o mesmo desconhecia até ser detido, e que admitiu ter reproduzido “em muitas crianças”.
O antigo cirurgião reconheceu hoje, pela primeira vez, que pode ter violado a filha de seis anos de vizinhos, um dos casos pelos quais foi condenado em 2020, uma violação que tinha negado até agora.
“Hoje quero assumir a responsabilidade, seja qual for a natureza do que fiz, e não me esconder. Se cometi uma violação, cometi uma violação”, afirmou, falando de uma forma muito calma e serena, não demonstrando emoção em nenhum momento.
Já quando foi interrogado pela presidente do Tribunal Penal de Morbihan e por vários advogados de acusação sobre o silêncio da sua mulher, de quem só se divorciou em 2023 com um acordo de separação favorável a ela em termos financeiros, disse não se lembrar de nada.
No seu depoimento da semana passada, a ex-mulher negou saber e ter encoberto os crimes cometidos pelo médico, apesar de alguns testemunhos em contrário, como o do seu irmão, que considerou na semana passada que ela “tinha conhecimento das atividades do marido e não fez nada”.
”Eu tinha duas vidas: uma vida familiar, social e profissional, e uma vida de pedófilo, à qual dedicava muito tempo. Era viciado em ver pornografia infantil. Os abusos e as violações (de crianças e cometidos) não paravam”, admitiu hoje o arguido.
Le Scouarnec começou a sessão no início da segunda semana de julgamento assegurando que estava “pronto a reconhecer” violações até então desconhecidas ou não admitidas, num julgamento previsto para terminar apenas em 20 de junho.
O arguido também “pediu desculpa” à agente da polícia que iniciou a investigação em 2017, porque a viu “devastada” pelo conteúdo dos discos rígidos, nos quais tinha material pornográfico, por vezes infantil, ou muito violento, mas também imagens de menores da sua família.
O oficial de polícia que dirigiu a investigação, Sylvain Boissinot, declarou que o arguido admitiu, após a sua detenção, que tinha feito tudo o que tinha escrito em diários, em que pormenorizava os atos praticados contra os seus pacientes que se encontravam sob o efeito de anestesia.
Outro agente da polícia, Benoit Bordenave, reconheceu que os textos escritos “não deixam ninguém indiferente”, enquanto o advogado de várias das vítimas recordou que entre o material há histórias e poemas sobre pedofilia.
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