As filas para as 27 sessões de voto na Faculdade de Direito de Lisboa foram crescendo ao longo do dia e os mais de 21 mil cidadãos com passaporte brasileiro que se registaram até março esperavam a oportunidade de registar o seu boletim.
Nas filas, eleitores com camisolas frases de apoio ou fotografias dos candidatos à Presidência do Brasil, equipamentos da seleção nacional de futebol ou até mesmo bandeiras à volta do corpo.
Ocasionalmente, um apoiante de Jair Bolsonaro – da extrema-direita e o favorito nas sondagens para a Presidência do Brasil – gritava, a plenos pulmões, o nome do candidato do topo da escadaria da Faculdade, ao que outros apoiantes respondiam com aplausos e gritos de apoio.
Solange Pinheiro está em Portugal há mais de 30 anos e não teve problemas em confessar à Lusa que votou Bolsonaro. Diz ser um fator necessário, comparando a eleição do candidato do Partido Social Liberal (PSL) a uma “quimioterapia de quatro anos”.
“Nas últimas semanas nós percebemos que estamos tirando o que não está dando certo. Nós não somos Bolsonaro, nós estamos Bolsonaro porque ficamos sem opção. Nenhum dos extremos é bom para nada (…), então nós vamos tirar o que está muito errado há 16 anos. Tira-se o tumor e durante quatro anos vai ser uma quimioterapia”, afirmou.
Solange considera Bolsonaro “providencial”, uma vez que “dá a certeza de tirar o que está errado”.
Ainda assim, a brasileira acredita que Bolsonaro, se vencer, deverá agir de forma diferente das polémicas posições que tem assumido ao longo dos anos durante o mandato, caso queira alcançar a reeleição.
“Ele vai ter consciência de que se não fosse pelo motivo de tirar o que estava ruim e sobrou ele para ganhar – porque o meu voto não era Bolsonaro -, ele vai aproveitar a oportunidade para passar a ser um candidato legítimo e que vão votar nele na reeleição, e não no Amoêdo”, constatou Solange.
Ao final da manhã de votação, José Roberto Pinto, cônsul-geral do Brasil em Lisboa, confirmou à Lusa existir uma afluência “muito intensa” às urnas na capital portuguesa.
“As eleições abriram, como era previsto, precisamente às oito da manhã e (…) o movimento [de eleitores] tem sido contínuo”, disse o diplomata, na Faculdade de Direito de Lisboa, onde estão 27 sessões eleitorais.
Numa dessas filas para votar estava Amélia Brito, 66 anos. Nasceu em Portugal, é filha de mãe brasileira e optou por escolher a nacionalidade da progenitora. Agora, conta, a apreensão é com o futuro do Brasil.
“Espero que os direitos das pessoas não sejam afetadas pela eleição do novo Presidente, que receio que seja ‘o coiso'”, disse Amélia, referindo-se a uma das alcunhas que os contestatários foram atribuindo a Jair Bolsonaro.
A luso-brasileira vê o futuro “assustador”, acrescentando que o Bolsonaro “é fascista”.
“Eu já vivi o fascismo. Sei o que é o fascismo e não quero o fascismo para o Brasil e para a minha família”, afirmou.
Já para Daniel, brasileiro que vive em Portugal há oito anos, o aparecimento de Bolsonaro foi sintomático da corrupção vivida no Brasil.
“O aparecimento do Jair foi nada mais que a revolta da população com a corrupção que houve. Durante vários anos houve essa corrupção, que o mundo inteiro sabe, e as pessoas estão revoltadas e estão procurando uma melhoria para o país”, salientou Daniel, que espera que o país “melhore” com o candidato do PSL.
No final de uma espera de vários minutos para votar, também Marco António Marco justificava o aparecimento de Bolsonaro com “o ressurgimento do espírito conservador” do Brasil.
“Eles falam que são fascistas. Fascista, não. O brasileiro é conservador”, exclamou.
Já Carlos Novais foi à Alameda da Universidade de Lisboa com uma camisola onde se lê “Antifascista”, acreditando que Bolsonaro não irá vencer hoje. Apesar disso, comunga da preocupação com o futuro do Brasil.
“Acho que há muito mais uso de ‘medias’ sociais e desinformação e manipulação, do que propriamente intenção de voto e eu tenho a certeza que o Brasil vai dizer ‘não’, ‘ditadura nunca mais’ e ‘ele não’, tenho a certeza”, desabafou, à Lusa.
Carlos culpou o não conhecimento da história para a situação que considera que o Brasil enfrenta.
“Essa desinformação leva as pessoas a um desespero e é como já foi dito: quem não conhece a sua história, é destinado a repeti-la, e acho que essa supressão do pensamento crítico que aconteceu no período da primeira ditadura colhe os seus frutos hoje”.
Para Carlos Novais, a solução passa pelo diálogo e pelo ensino da política.
“É preciso politizar, é preciso falar sobre política e discutir e conversar com as pessoas sem ofender, porque a democracia se constrói sobre o diálogo”, concluiu.
O Brasil realiza hoje eleições presidenciais, para o parlamento (Câmara dos Deputados e Senado) e para representantes dos governos regionais.
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