“Nós, hoje em dia, temos notícias falsas cada vez mais profundas e elas estão a desenvolver-se a um ritmo e qualidade tais que se torna difícil detetar o que é real ou não”, alertou, em declarações à agência Lusa o diretor estratégico do centro de reflexão Friends of Europe, Dharmendra Kanani.

Fazendo um balanço das medidas em curso na UE para combater a desinformação – algumas das quais entraram em vigor para impedir que este tipo de conteúdos afetasse as eleições europeias de maio –, o analista considerou que “o código de conduta e as outras medidas adotadas em termos de autorregulação foram implementadas um pouco tarde porque o problema já estava à porta e não foi possível acompanhar o seu ritmo”.

Por isso, acrescentou, “este assunto deve uma das 10 maiores prioridades” para a nova Comissão, que entra em funções em novembro, liderada pela alemã Ursula von der Leyen.

“Não nos podemos esquecer que, atualmente, temos líderes na UE que propagam ativamente as suas próprias notícias falsas”, destacou Dharmendra Kanani.

Aludindo a “vulnerabilidades da agenda interna” da UE introduzidas por responsáveis políticos de países como o Reino Unido, Polónia, Hungria e Itália, o analista notou que “eles não vão tentar tanto quanto deviam [combater este fenómeno] porque, na verdade, beneficiam das notícias falsas”.

“Penso que o que necessitamos é de uma abordagem muito diferente em termos de governança e de regulação”, vincou Dharmendra Kanani, sugerindo a criação de “um regulador europeu para a proteção digital focado nas notícias falsas e na desinformação”, que inclua “engenheiros informáticos, plataformas ‘online’ e consumidores”.

Em causa deveria estar, a seu ver, “uma instituição europeia independente”, um “regulador que fosse capaz de pesquisar, investigar, pôr em prática códigos de conduta para práticas maliciosas e que fosse especialmente severo, também tendo os recursos para atacar esta questão”, especificou o responsável.

“Se não [tiver esses recursos], acaba por ser suave e não consegue acompanhar” a evolução, adiantou o especialista à Lusa.

Posição semelhante manifestou o analista do centro de reflexão European Policy Centre Paul Butcher, para quem “o esforço que as plataformas ‘online’ fizeram para combater [as ‘fake news’], na base do código de conduta, não foi suficiente”, já que “algumas medidas se revelaram contraproducentes” e “difíceis de aplicar”.

“Penso que a atual abordagem não é suficiente e, por isso, terá de ser adotada regulamentação adicional”, vincou o especialista, defendendo “regulação mais forte para as plataformas 'online', que pode incluir sanções”.

Para Paul Butcher, o novo executivo comunitário deverá, então, “introduzir legislação adequada, mais severa para as empresas das redes sociais fazerem mais”.

O combate à desinformação e às ‘fake news’ tem estado no topo da agenda da Comissão Europeia e do Conselho da UE.

Foi, por isso, criado no final do ano passado um Plano de Ação Conjunto que contém medidas como a criação de um sistema de alerta rápido para sinalizar campanhas de desinformação em tempo real, que entrou em vigor em março deste ano.

Criado foi ainda um instrumento de autorregulação para combater a desinformação ‘online’, um código de conduta subscrito por grandes plataformas digitais, como Google, Facebook e Twitter, que se comprometeram a aplicá-lo, adotando medidas como a monitorização para evitar estes tipo de conteúdos nas suas páginas.

Página satírica na ‘net’ sobre UE quer pôr jovens a debater a Europa

Poderia ser uma direção-geral da Comissão Europeia, mas na página criada nas redes sociais “DG Meme” o único ‘serviço’ prestado é a sátira de líderes e instituições europeias, visando pôr os cidadãos, nomeadamente os jovens, a discutir a Europa.

Está presente nas redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, mas é nesta última que a “Direção-geral para os ‘memes’ [imagens humorísticas], sátira e diversão sóbria” - nome completo da iniciativa - tem mais visibilidade, num total de mais de 10 mil seguidores.

Com publicações satíricas que abrangem desde comissários europeus, eurodeputados e líderes políticos da União Europeia (UE), a página “DG Meme” foi criada na rede social Facebook há um ano e pouco por pessoas do “círculo” europeu, algumas funcionárias das instituições, que não se identificavam com a comunicação “cinzenta” do executivo comunitário.

“O objetivo é comunicar sobre a Europa e informar sobre os assuntos europeus, mas tornando as coisas divertidas”, explica um dos membros da equipa à agência Lusa, em Bruxelas, pedindo a salvaguarda da sua identidade.

Com mais de 10 mil seguidores, a maioria dos quais entre os 28 e os 34 anos, a plataforma tornou-se “numa forma de trazer os jovens para os assuntos europeus”, que normalmente “não são atrativos”, acrescenta o membro.

“Se conseguimos ter 10 mil pessoas a falar sobre a política europeia, então isso é um sucesso”, observa, indicando que “a página também é usada como plataforma de debate”, embora a equipa tente filtrar os comentários insultuosos que, ainda assim, são uma exceção.

Uma das recentes publicações com mais sucesso na página foi um ‘post’ falso sobre a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, à procura de alojamento em Bruxelas, dado o início de funções em novembro.

“Quisemos mostrar que eles [líderes da UE] também são pessoas normais e relacionámos a sua vinda para Bruxelas, uma cidade nova, com aquele que é um dos primeiros desafios dos estagiários das instituições”, explicou à Lusa o membro da página.

Nesse caso, como noutros, “é divertido ver como as pessoas interagem”, assinala.

Os seguidores estão espalhados por toda a Europa, havendo mais checos, eslovacos e italianos a acompanhar a página. Dos 10 mil seguidores, perto de quatro mil estão em Bruxelas.

Quanto aos políticos da UE com melhores características para a paródia, o membro da página aponta o italiano Silvio Berlusconi, agora eurodeputado, que “toda a gente acha divertido”, mas também o ainda presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, por ser “muito propício a ‘memes’”.

Apesar de considerar que a página “DG Meme” é “politicamente correta”, o membro da equipa defende que “a sátira é uma importante forma de expressão”.

“Precisamos que a nossa sociedade se sinta livre para se expressar, tendo, ainda assim, alguns limites”, adiantou à Lusa.

Um dos cuidados da “DG Meme” é, por isso, garantir que os utilizadores entendem que os conteúdos não são reais, razão pela qual no cima da página existe uma imagem assinalando que esta não é uma plataforma oficial da UE e que contém “notícias falsas satíricas”.

Numa altura em que a desinformação é uma realidade e estas páginas humorísticas se multiplicam nas redes sociais, os analistas Dharmendra Kanani e Paul Butcher, respetivamente dos centros de reflexão Friends of Europe e European Policy Centre, são unânimes em afirmar à Lusa que “ainda existe um espaço para a sátira”.

Segundo o diretor estratégico do ‘think tank’ Friends of Europe, Dharmendra Kanani, há “um espaço importante para a sátira, mas a questão será se, num contexto de falsificações profundas [de informação], isso não se torna um abuso”.

“A sátira faz parte da nossa liberdade de expressão, mas quando se torna insultuosa e é usada para os fins errados isso afeta as opiniões e os julgamentos das pessoas”, acrescentou o analista.

Por seu lado, o analista Paul Butcher, do European Policy Centre, notou que “as plataformas ‘online’ já estão conscientes deste problema, de as pessoas levaram as coisas demasiado a sério ou acharem que [determinado conteúdo] é real, e por isso começaram a requerer que, para estas páginas existirem, têm de estar assinaladas como tal”.

“É uma questão difícil porque a análise das linhas ténues entre a paródia e os conteúdos maliciosos só pode ser feita tendo em conta as intenções, se quem criou as páginas quer enganar as pessoas ou apenas diverti-las, e isso é algo que não é possível fazer com um algoritmo”, acrescentou.

Para Paul Butcher, esta situação “salienta a necessidade de haver literacia mediática”, sendo essa a única forma de levar os cidadãos a “distinguir a diferença entre uma paródia e as notícias falsas maliciosas”, adiantou à Lusa.

*Por Ana Matos Neves, da agência Lusa