Em declarações à agência Lusa, a presidente da SPO defendeu que os médicos dos centros de saúde têm de ser libertados das tarefas ligadas à covid-19 para poderem acompanhar os doentes e fazer os diagnósticos numa altura em que hospitais não podem receber mais doentes.
Segundo Ana Raimundo, devem ser colocados outro tipo de profissionais a fazerem os telefonemas de acompanhamento dos suspeitos ou doentes com covid-19, uma situação que as autoridades governamentais já estão a fazer.
Para a médica, devia ter-se aproveitado o “período de acalmia” da pandemia de covid-19 para treinar profissionais de outras áreas para realizar este trabalho.
Ana Raimundo criticou também a paragem dos rastreios do cancro no país, afirmando que aliado à questão dos médicos de família, são situações que vão “trazer consequências graves para as curvas de sobrevivência”, em que se vai verificar “uma queda abrupta daqui a três anos”.
“Vai aumentar drasticamente porque vamos tratar doentes em estadios mais avançados e sem possibilidade de cura” e que vão custar muito mais ao Serviço Nacional de Saúde, “num país em crise”.
Relativamente às consultas, cirurgias e tratamentos que tiveram de ser adiados desde o início da pandemia, a oncologista disse que “a recuperação não foi aquilo que se estava à espera”.
“A partir de abril ocorreu uma redução do número de casos e houve um período de acalmia e a ideia era ter recuperado estas lista de espera em algum momento”, tentando-se remarcar as cirurgias e as consultas.
No entanto, “a recuperação não foi assim tão completa”, principalmente “na região de Lisboa onde os casos não reduziram assim tanto”.
Para agravar, o acesso dos doentes a consultas nos seus centros de saúde também “se manteve complicado”, porque os médicos de família estavam noutras funções.
“O que se perdeu em termos de novos diagnósticos do cancro não foi ganho durante esse período de acalmia e agora voltou tudo e de “um modo ainda pior” com números mais elevados de casos covid-19, uma situação a que hospitais e os centros de saúde têm que responder e os outros doentes “ficam um pouco de lado e à espera”.
No caso do cancro, as consequências serão “graves” porque o diagnóstico será feito em “fases mais avançadas com menor possibilidade de cura e com impactos nas curvas de sobrevivência”.
Além disso, as cirurgias consideradas não urgentes poderão ser adiadas e as que impliquem cuidados intensivos obrigatoriamente terão de ser adiadas porque as camas estão ocupadas.
“É complicado gerir tudo ao mesmo tempo e eu temo que as consequências irão ser bastante intensas”, sendo que no caso do cancro vão sentir-se “daqui a mais algum tempo”.
Os oncologistas estão já a receber doentes em estádios mais avançados, porque estiveram à espera de ter consulta ou porque tiveram medo de ir à consulta ou estiveram à espera que a pandemia acalmasse para ir ao médico.
Sobre os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados no final de outubro que indicam que desde março houve mais 7.396 mortes do que a média do período homólogo dos cinco anos anteriores, sendo a covid-19 responsável por 27,5% do total de óbitos, a oncologista afirmou que serão “uma consequência” dos doentes crónicos, não só os oncológicos, terem menos apoio.
“Os serviços de oncologia mantiveram a sua atividade” com os doentes já diagnosticados. Houve foi “um agravamento da lista de espera das cirurgias, porque depende de uma equipa, de um bloco operatório”.
Eventualmente vai haver alguns casos de doenças oncológicas agressivas que foram diagnosticadas mais tardiamente.
“São cancros agressivos, que evoluem rápido e que mataram naqueles primeiros meses após a primeira fase de covid”, como provavelmente outras doenças crónicas que descompensaram como a diabetes, doenças cardiovasculares e respiratórias.
Dados do INE indicam que em 2018 a taxa de mortalidade por tumores malignos foi de 270,8 por 100 mil habitantes, mantendo-se a tendência de aumento.
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