A suspeita foi transmitida através de um comunicado dos advogados da filha da vítima, a que a agência Lusa teve acesso, e onde é divulgado que "já foi requerida e admitida a constituição [da familiar] como assistente no inquérito crime aberto no passado mês de novembro pelo DIAP de Matosinhos para investigar as causas deste surto".
A vítima “era um idoso residente na Póvoa de Varzim e estava confinado à sua casa, pelo que nas semanas anteriores à data da sua infeção por legionella apenas saiu de casa para se deslocar a uma consulta no Hospital Pedro Hispano", revelou o jurista António Barreto Archer, que lidera o processo.
O advogado considerou que "seria normal e adequado que tivessem sido efetuadas todas as diligências necessárias para apurar a origem do surto e as eventuais responsabilidades do Hospital Pedro Hispano, enquanto possível fonte deste surto".
"Até à data, não se sabe se este hospital foi investigado e o caso parece ter sido desvalorizado pelas autoridades de saúde", acrescentou.
António Barreto Archer considerou, ainda, que o "surto de legionella é um problema de saúde pública cuja fonte, em regra, consegue ser rapidamente identificada através de um inquérito das autoridades de saúde competentes", mas estranhou a falta de conclusões neste foco que atingiu os concelhos Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim, do distrito do Porto
"Os danos sofridos pelas vítimas podem ser imputados, a título de responsabilidade civil ou penal, aos proprietários das redes, sistemas e equipamentos propícios à proliferação e disseminação da legionella, ou, em último caso, ao próprio Estado, caso a fonte do surto seja uma estrutura ou edifício público com torres de arrefecimento, como por exemplo um hospital, ou quando os serviços de saúde não sejam capazes de identificar a fonte do surto", alega o advogado.
O causídico adiantou que irá recorrer a todos meios legais para que "se faça justiça às vítimas deste caso, não só as que morreram, mas também as que tiveram a doença e sofreram e sofrem ainda as suas consequências".
"Por estar em causa a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de infrações contra a saúde pública, todos os cidadãos que se sintam lesados por danos causados por este surto de legionella poderão reclamá-los através da chamada Lei da Ação Popular, um instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de fiscalização da legalidade, de defesa dos interesses das coletividades e de educação e formação cívica de todos", partilhou António Barreto Archer.
A equipa de juristas, que utilizou este instrumento legal para se constituir como assistente no inquérito em curso, falou em "inércia" das autoridades de saúde neste caso, em contraste com a atuação desenvolvida em 2014 em surto idêntico ocorrido em Vila Franca de Xira.
Numa reação enviada à agência Lusa sobre esta suspeita dos familiares da vítima, o Hospital Pedro Hispano (HPH) garantiu que é feita uma monitorização frequente aos seus equipamentos e que as Autoridades de Saúde "excluíram a possibilidade do HPH constituir o foco de legionella.
"A Autoridade de Saúde incluiu o hospital entre os pontos críticos a investigar para detetar a origem do surto, mas, tal com era expectável, as análises revelaram-se negativas quanto à presença dessa bactéria nas nossas instalações, tendo em conta o plano de prevenção em vigor. Assim, foi excluída a possibilidade do HPH constituir o foco de legionella", pode ler-se na nota enviada.
O hospital matosinhense considera "inexistente a possibilidade de um doente contrair esta bactéria numa deslocação ao hospital para uma consulta", e partilhou os planos que desenvolve nas suas instalações no âmbito do controle e desinfeção dos circuitos de água quente
"O Hospital Pedro Hispano (HPH) tem há vários anos implementado um Plano de Prevenção de Legionella, o que obriga à monitorização contínua dos seus equipamentos e vigilância dos parâmetros de qualidade e segurança através da realização de análises à água. Este plano é executado em articulação com a Unidade de Saúde Pública", pode ler-se no mesmo comunicado.
O primeiro caso deste surto de legionnella, que afetou os concelhos de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim, foi detetado no final de outubro do ano passado.
A sucessão de casos, nos dias seguintes, levou as autoridades de saúde a fazerem análises nas redes de distribuição públicas de água e também em empresas com torres de refrigeração dos concelhos.
Já em novembro a fábrica de laticínios Longa Vida, em Matosinhos, desligou preventivamente os equipamentos, depois de ter sido detetada a bateria no local.
A empresa garantiu não ter recebido "informação sobre a correlação entre a presença desta bactéria" nas torres de refrigeração e a origem do surto.
Antes, o Ministério Público (MP) determinou a abertura de um inquérito para investigar as causas do surto.
A 13 de janeiro, em audição parlamentar, a Administração Regional de Saúde de Norte (ARS-N) deu por extinto o surto de legionnella que atingiu a região do Grande Porto no último trimestre de 2020, atualizando em 88 casos e 15 mortos o balanço final da ocorrência.
A doença do legionário, provocada pela bactéria 'Legionella Pneumophila', contrai-se por inalação de gotículas de vapor de água contaminada (aerossóis) de dimensões tão pequenas que transportam a bactéria para os pulmões, depositando-a nos alvéolos pulmonares.
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