“É com grande tristeza que assisto ao encerramento [da central] porque a instalação ainda podia trabalhar mais meia dúzia de anos”, lamenta em declarações à agência Lusa Bruno Carreira, trabalhador da EDP Produção há 20 anos.

O funcionário, de 44 anos, casado e com um filho menor, foi dos primeiros a aceitar a mobilidade e divide agora os seus dias entre Sines, onde reside, e outras centrais do grupo.

Bruno foi colocado na central termoelétrica do Carregado (Alenquer) e tem de deslocar-se também à central de ciclo combinado de Lares, Figueira da Foz, e à de cogeração do Barreiro.

“Com a família em Sines e eu a andar mais deslocado, o tempo útil acaba por ser menor, porque agora estou num departamento que me obriga a ir a várias instalações da produção térmica e aos escritórios em Lisboa”, conta o técnico principal de manutenção, que não pondera para já sair de onde vive.

Numa “situação delicada” diz estar Paulo Mota, 56 anos, trabalhador há seis anos da Zilmo, empresa de manutenção industrial, com o fecho da central a carvão de Sines.

“Sinto-me muito mal, mais ainda com a conversa do ministro do Ambiente, Matos Fernandes, que disse que os 400 trabalhadores iam ter formação específica na área do hidrogénio, mas, quando a Segurança Social e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) foram à EDP fazer uma sessão de esclarecimento, disseram que não tinham conhecimento de nada”, critica.

O operador especializado, que esteve 31 anos na central termoelétrica, em várias empresas prestadoras de serviços, recebeu a carta de despedimento no final de dezembro do ano passado e mostra-se “apreensivo” quanto ao futuro.

“Já me inscrevi no fundo de desemprego e mandei currículos para várias empresas na minha área na esperança de conseguir” trabalho, adianta.

A central “tinha licença ambiental até 2030 e o que não faltava era trabalho. Agora, fechamos para ir comprar a Espanha mais caro, o que não tem lógica. Quem vai pagar são todos os consumidores da energia”, vaticina.

Já Rui Galindro, funcionário da EDP há 35 anos, não esquece aquela que considera ter sido “a pior forma de anunciar” o encerramento da central termoelétrica de Sines, durante a tomada de posse do atual Governo de António Costa.

Fruto desse anúncio, “a EDP ficou como ‘peixe na água’, porque tinha uma data de encerramento político que iria utilizar de duas formas: uma para 'sacar mais uns cobres' ao Estado e outra para jogar com a falta de rentabilidade por via dos impostos suportados pela central”, opina.

Para este operador de produção térmica, de 58 anos, “confirmou-se a segunda hipótese, infelizmente para a maior parte dos trabalhadores que passaram na central os melhores anos das suas vidas”.

“Isto é como quando se termina um namoro. Por muito violento que seja esse período final, há sempre recordações que ficam”, reforça Rui, que recusa chamar “processo negocial” ao modelo “mais ou menos imposto” pela EDP para a pré-reforma.

No âmbito das conversações, “ou aceito aquilo que a EDP me quer impor, ainda que com prejuízos, ou não aceito e continuo a ser trabalhador da EDP, porque não há nada que me obrigue a aceitar a pré-reforma”, indica.

Sem opções está Manuel Ferreira, de 52 anos, que terminou o contrato com a empresa de manutenção ATM, em novembro último, após 22 anos “a passar por várias empresas” prestadoras de serviços.

“Comecei na vigilância, nas portarias, e a partir daí foram surgindo outros empregos”, sempre em empresas daquele tipo, “até aos últimos seis anos, na ATM, na área da lubrificação”, recorda.

Com a cessação do contrato, Manuel, residente em Vila Nova de Santo André, no vizinho concelho de Santiago do Cacém, inscreveu-se no IEFP. Está agora a receber o subsídio de desemprego, que lhe vale “menos 300 euros” na “carteira” do que quando trabalhava.

“É uma situação delicada. Aos 52 anos parece que já somos velhos e, hoje em dia, não é fácil arranjar trabalho no concelho. Com a covid-19, as empresas também têm dificuldades financeiras e não estão a recrutar, mas temos de continuar a tentar, apesar de ser preocupante”, lamenta.

Com os investimentos previstos na área do hidrogénio verde, este ex-trabalhador espera ser contactado para “fazer formação” e aguarda respostas quanto ao seu futuro.

Fecho da central a carvão de Sines “não foi o mais indicado” na atual conjuntura, diz autarca

O presidente da Câmara Municipal de Sines, no distrito de Setúbal, Nuno Mascarenhas, considerou que “face à conjuntura existente” o fecho da central a carvão de Sines “não foi o mais indicado”.

“O encerramento desta central no atual momento e face à conjuntura existente não foi o mais indicado e independentemente de as decisões serem políticas ou económicas, julgamos que havia margem para que esta central continuasse a laborar por mais algum tempo, até porque o país continua a importar energia”, frisou o autarca socialista em declarações à agência Lusa.

A central termoelétrica de Sines “chegou a produzir cerca de 18 a 20% da energia consumida no país” o que “não deixa de ser curioso, uma vez que, segundo as últimas informações, 20% da energia que consumimos é importada”, reforçou.

“Foi uma decisão tomada pela EDP, mas temos de nos concentrar naquilo que é o mais importante e encontrar alternativas para os trabalhadores que direta ou indiretamente exerceram funções durante muitos anos nesta central”, sublinhou.

Para o autarca, compete não só ao Governo arranjar alternativas para os trabalhadores que ficaram no desemprego, mas também ao município alentejano que “deve dar o seu contributo no sentido de encontrar soluções”.

Numa reunião com o Governo, em novembro do ano passado, “foram abordados diversos temas relativos ao encerramento da central e ouvidas algumas propostas por parte dos sindicatos”, disse o autarca que questionou o Governo “na última semana” para “saber que medidas foram tomadas entretanto”.

“Estamos também a trabalhar com a EDP e com o IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] para encontrar soluções locais que possam dar resposta a estes trabalhadores que vão ficar, durante algum tempo, no desemprego”, acrescentou.

Nuno Mascarenhas mostra-se igualmente expectante quanto ao futuro da indústria nesta região, uma vez que “existem projetos que poderão ter uma importância tremenda na absorção desta mão-de-obra”.

“Acredito que irá surgir aqui um novo ciclo, quer seja virado para as energias alternativas, quer para o hidrogénio que estão, neste momento, a ser abordadas a vários níveis, para que sejam concretizadas no mais curto espaço de tempo”, concluiu.

Com cerca de 50% dos trabalhadores da central a residirem no concelho vizinho de Santiago do Cacém, a preocupação do presidente da Câmara Municipal, Álvaro Beijinha, recai nos “trabalhadores que vão para o desemprego”.

“Desde a primeira hora que manifestámos essa preocupação porque esta questão deve ser vista a dois níveis: a primeira são os trabalhadores com vínculo direto à EDP que, à partida, terão os seus direitos assegurados, e a segunda são os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços, com vínculo precário”, frisou.

No entender do autarca, “se a opção de encerrar a central a carvão de Sines é com o objetivo maior de ter um ambiente melhor, se calhar o país tem de pagar esse custo e assumir de facto as questões sociais relativamente a estes trabalhadores”, defendeu.

“O projeto da nova fábrica do hidrogénio poderia de alguma forma absorver estes trabalhadores, mas investimentos desta envergadura não se concretizam de um momento para o outro, sendo que a antecipação do fecho em dois anos não favoreceu o processo”.

Admitindo que a pandemia de covid-19 veio “agravar ainda mais esta situação”, o autarca considera que o complexo industrial e portuário de Sines “dificilmente conseguirá resolver o problema de todos os trabalhadores que estão numa situação frágil”, concluiu.