O diretor do Depósito de Munições NATO de Lisboa (DMNL), Antunes Pereira, disse à agência Lusa que o manuseamento frequente de explosivos deixa as pessoas numa situação de “risco bastante elevado”.
“Fazemos com frequência o manuseamento desses materiais energéticos, neste caso explosivos, e aí o risco é um pouco maior. A Marinha está preocupada com as pessoas. O objetivo é que, se houver um acidente, não haja baixas desnecessárias por estarem numa situação clandestina”, afirmou.
Sobre o motivo que permitiu a fixação de dezenas de famílias na área de servidão militar, através da construção de várias moradias, o comandante referiu tratar-se de um problema que se “arrastou muito no tempo” e considerou que terá começado com a autorização “para construir pequenas infraestruturas de apoio à agricultura”.
“Na altura em que foi estabelecida esta servidão salvaguardou-se a necessidade de ser aproveitado aquele espaço para agricultura. Desde o início houve essa preocupação, o que levou a que fossem autorizadas determinadas infraestruturas. Estamos a falar de uma pequena cerca e de uma pequena arrecadação para a guarda das alfaias agrícolas. Quanto a mim, isso levou a que mais tarde começassem a aparecer ilegalmente os aumentos dessas pequenas arrecadações”, esclareceu.
Antunes Pereira afirmou que a fiscalização da zona de servidão militar “foi sempre constante” e que depois da modificação do diploma de servidão militar do DMNL, aprovada em 2017, a Marinha “está a fazer tudo o necessário para tentar reverter a situação”.
“Neste momento no processo que está instituído compete ao diretor do DMNL a fiscalização. Os autos de notícia das anomalias são reportados, através da Marinha, para a Câmara Municipal respetiva, ou Seixal ou Sesimbra. Se não houver resposta da Câmara Municipal nesses 10 dias, em princípio o processo é remetido para o Ministério da Defesa para decisão do ministro”, explicou.
O presidente da associação de moradores da zona que abarca a área de servidão militar aponta “falhas graves na fiscalização” e “vendas enganosas e baratas” como os principais motivos para a construção ilegal.
“Acho que realmente tem havido falhas graves na fiscalização. Embora tenha havido algumas demolições pontuais, foi insuficiente. As pessoas continuam a comprar e a construir porque os terrenos estão onerados e são vendidos muito mais baratos. Compram e passadas umas semanas começam a construir muros e paredes, continuam a construir”, comentou Bernardino Milheiras, defendendo uma fiscalização militar mais eficaz.
Segundo o presidente da Associação de Proprietários de Pinhal de Freiras e Quinta da Lobateira, a infraestruturação que está a ser feita na zona fora da servidão militar, com a colocação de asfalto e serviços de saneamento básico, contribui para a “promoção imobiliária”, apesar de todo o trabalho que é feito para “alertar as pessoas para o risco que correm”.
“Ao fazermos a infraestruturação do espaço liberto da servidão militar os promotores imobiliários aproveitam para pôr na sua publicidade que a zona vai ser urbanizada e desta forma, por vezes, as pessoas são enganadas. A associação faz toda a informação possível para alertar as pessoas para que não construam porque estão a colocar em risco as suas próprias vidas”, alertou.
Irene Silva vive com mais quatro elementos da família numa casa ilegal que diz ter construída sem saber que estava numa “zona protegida pela NATO”, mas desvaloriza o perigo que corre porque gosta de ali morar.
“Não sabia que isto era uma zona protegida pela NATO, foi o meu ex-marido que comprou o terreno. O projeto inicial para esta vivenda foi o meu ex-marido que submeteu à Câmara, eu mais tarde fui ver e estava arquivado. Fiz um anexo, tem três quartos, uma cozinha, uma sala e uma casa de banho. Nunca ninguém me impediu”, contou.
Só quando fez uma garagem a Câmara do Seixal (distrito de Setúbal) passou no local, durante as obras, e “deixou um postal”.
“Fui falar com o responsável, perguntou-me pelo projeto da outra casa e eu disse que estava na Câmara Municipal arquivado. Ele disse que ia ver, mas até hoje nunca me disseram nada”, explicou.
Contactada pela Lusa sobre a construção de habitações nesta área, o município recusou-se a comentar “por se tratar de competências do Ministério da Defesa”.
Em Sesimbra, segundo a Marinha, não há casas em situação ilegal.
Moradores recusam sair
As dezenas de famílias que vivem ilegalmente na área de servidão militar recusam ficar sem casa na sequência do processo de reconversão urbana em curso.
De acordo com a Associação de Proprietários de Pinhal de Freiras e Quinta da Lobateira, em Fernão Ferro, o Plano Diretor Municipal (PDM) prevê para metade daquela área a edificabilidade.
“Os termos de referência da Unidade Operativa de Planeamento e Gestão obrigam a que para a urbanização do espaço liberto da servidão militar seja cedida área para alojar aquelas pessoas [as que vivem na área de servidão militar]. É a forma encontrada pela Câmara Municipal Seixal e que nós temos de seguir por ser legal, e a única que neste momento possuímos”, disse à agência Lusa o presidente da associação, Bernardino Milheiras.
Segundo o representante, a infraestruturação que está a ser feita na zona está a ser fiscalizada, mas sem investimento municipal.
“A associação de proprietários foi considerada pelo PDM, consta do próprio PDM, como um interlocutor privilegiado para resolver este problema. Temos contacto e acompanhamento com a Câmara, todo o projeto deu entrada na Câmara e está a ser acompanhado e fiscalizado. Estamos a infraestruturar a zona, mas é a única ajuda. Não temos qualquer ajuda económica da Câmara Municipal do Seixal”, afirmou.
Apesar dos esforços realizados pela associação e pela Marinha ao longo das últimas décadas, os moradores da zona de servidão militar, que recorrem a “furos” e a “puxadas de eletricidade” para terem acesso a serviços básicos, não estão disponíveis para sair.
“Não tenho dinheiro para fazer outra casa, dão-me o terreno, mas não posso ir para lá e ficar numa tenda. Assim cá estamos, vou ficando”, disse Irene Silva, que vive há 22 anos na zona de servidão militar.
Segundo a associação de proprietários, a transferência dos moradores desta zona para a área que está a ser infraestruturada “apenas transfere direitos”.
“Não há forma de os indemnizar, não há forma de fazer a transferência das construções. Não sei por onde passará essa solução, penso que irá ser uma resolução complicada para as pessoas”, afirmou Bernardino Milheiras.
Questionado pela agência Lusa sobre a duração prevista para a infraestruturação de toda a área e transferência da população para uma zona onde não corra risco, o presidente da associação afirma que “é muito difícil prever um fim” de todo o processo.
“Existimos há cerca de 19 anos, os passos têm sido muito lentos. Iniciámos com um plano de pormenor tendo em vista a alteração do uso do solo que não foi concluído porque, no entretanto, a Câmara Municipal do Seixal pretendeu alterar o uso do solo através da revisão do PDM e fê-lo. Neste momento estamos dependentes de outras entidades, nomeadamente o Ministério da Defesa, que faz a gestão da servidão militar”, explicou.
A associação ficou incumbida de definir o traçado de uma alternativa à Estrada Nacional 378, que faz a ligação Sesimbra-Fogueteiro e está a tentar que essa via cause os menores danos possíveis em termos urbanísticos e em termos de ocupação de espaço urbanizável.
“Todo o espaço urbanizável é necessário para que se consiga fazer a transferência destas pessoas”, disse o representante.
Comentários