“Eu creio que foi uma decisão acertada por parte da ONU de finalmente desalojar-se da Guiné-Bissau enquanto missão política, porque as agências todas vão manter-se, fazem imensa falta, e levam apoio concreto às comunidades”, afirmou José Ramos-Horta à Lusa.
O Gabinete Integrado da ONU para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (Uniogbis) termina no próximo dia 31, depois de mais de 20 anos no país.
“A questão agora é o grande desafio político para as autoridades guineenses, partidos políticos, talvez com apoio da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) ou da União Africana para se sentarem à mesa e encontrem um ‘modus vivendi’ entre o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e outros partidos com quem hoje detém o poder”, salientou o antigo chefe de Estado timorense.
José Ramos-Horta foi representante do secretário-geral da ONU em Bissau entre janeiro de 2013 e junho de 2014.
“Quem detém o poder hoje, e apesar de algumas questões levantadas no passado sobre irregularidades das eleições, impôs-se, foi reconhecido pela CEDEAO, União Africana, Portugal e é preciso trabalhar com quem está no poder e quem está no poder deve procurar inspirar-se, gerir-se pelos princípios do Estado de Direito, democracia dos direitos humanos”, disse.
José Ramos-Horta salientou também que se deve ter o “máximo de respeito pela santidade da vida humana” e “máximo respeito pela dignidade das pessoas”.
Nesse sentido, o também Nobel Paz pede para não haver “perseguição política aos governantes anteriores”.
“É preferível para o atual Governo relaxar a pressão política sobre a oposição, deixar sair quem queira sair livremente, porque isso também constitui menos pressão e dissabores para o Presidente e para o Governo”, sublinhou.
O antigo primeiro-ministro guineense Aristides Gomes está refugiado na sede da ONU, em Bissau, há vários meses e está a ser alvo de vários processos judiciais, que os seus advogados consideram ser uma “perseguição política”.
“A situação, do que sei, de longe não é fácil na parte económica e social e a verdade é que de uma maneira geral globalmente do mundo nenhum de nós, Estados frágeis, podem contar muito com a generosidade internacional, porque países como Portugal e outros pela Europa fora e os Estados Unidos estão a braços com os efeitos da pandemia na sua própria população e crise económica”, disse.
Para Ramos-Horta, é preciso que os países mais frágeis deem o exemplo de respeito rigoroso pelos “princípios democráticos e Estado de Direito”, caso contrário, terão menos chances de conseguir “convencer a União Europeia, os Estados Unidos, e outros” a prestar apoio.
“Vão ser anos muito difíceis para todos nós, incluindo para Timor-Leste”, disse.
Nas declarações à Lusa, José Ramos-Horta pediu também ao Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, para mostrar a “sua grandeza de alma” e iniciar uma “nova era de solidariedade e de diálogo para a grande família guineense”.
“Converse com Domingos Simões Pereira e todos os outros, converse, porque pode ser o Sissoco que afinal vai conseguir trazer todos debaixo de uma grande tenda e conversarem e de uma vez para sempre estabilizar a Guiné-Bissau politicamente”, sublinhou, lembrando o potencial do país.
A missão da ONU sai numa altura em que o país atravessa uma nova crise política com o Presidente a admitir dissolver o parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas.
O chefe de Estado admitiu na quarta-feira em Bissau ter convocado para hoje os partidos políticos e o Conselho de Estado para analisar a eventualidade da dissolução do parlamento, depois de já ter feito críticas à atuação de alguns deputados.
Na sexta-feira, a Procuradoria-Geral da República guineense, anunciou que emitiu um mandado de captura internacional contra Domingos Simões Pereira, que é alvo de um processo-crime, mas sem especificar de que crime se trata.
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