As autoridades chinesas estão a abolir testes em massa, quarentena em instalações designadas para casos positivos e contactos diretos, e a utilização de aplicações de rastreamento de contactos, numa acelerada reversão das medidas altamente restritivas que vigoraram na China ao longo dos últimos três anos.
A remoção destas restrições acarreta, no entanto, o risco de desencadear uma ‘onda’ de casos sem paralelo este inverno, sobrecarregando rapidamente o sistema de saúde do país, de acordo com projeções elaboradas pela Wigram Capital Advisors, um grupo de consultadoria com sede na Nova Zelândia e que foca a sua pesquisa na Ásia. O grupo forneceu modelos de projecção a vários governos da região, durante a pandemia.
A mesma projecção aponta que a China pode registar 20.000 mortes por dia em meados de março. No final do mesmo mês, a procura por unidades de cuidados intensivos deve ultrapassar em dez vezes a capacidade do país, que deve atingir as 70.000 hospitalizações diárias.
Com 1.400 milhões de habitantes, a China é o país mais populoso do mundo. A estratégia de ‘zero casos’ significa que a esmagadora maioria da população chinesa carece de imunidade natural. Pequim recusou também importar vacinas de RNA mensageiro, consideradas mais eficazes do que as inoculações desenvolvidas pelas farmacêuticas locais Sinopharm e Sinovac.
A taxa de vacinação entre os idosos, o grupo mais vulnerável, permanece também baixa. Segundo dados oficiais recentemente publicados, 86% dos chineses com mais de 60 anos receberam o esquema vacinal completo, embora a percentagem diminua no grupo com mais de 80 anos (65,7%). A proporção de idosos com mais de 80 anos que recebeu a dose de reforço, a nível nacional, é de 40%.
A vaga de casos no inverno deve ser exacerbada pelo feriado do Ano Novo Lunar. A principal festa das famílias chinesas, equivalente ao natal nos países ocidentais, regista, tradicionalmente, a maior migração interna do planeta, com centenas de milhões de chineses a regressarem à terra natal.
Modelos elaborados por pesquisadores da Universidade Fudan, de Xangai, divulgados em maio passado, estimam que um surto descontrolado da variante Ómicron no país pode levar a quase 1,6 milhão de mortes, no espaço de três meses.
“A mensagem oficial atual na China é que a reabertura não vai ter custos”, escreve Rodney Jones, diretor da Wigram Capital Advisors. “O risco é que [Pequim] esteja a subestimar o trabalho e os custos que o resto do mundo teve para atingir o ponto de coexistir com o vírus”, aponta.
Os modelos Wigram usam dados sobre vacinação e idade, o efeito das medidas de saúde pública e o R0, o indicador que mede o número médio de contágios causados por cada pessoa. A análise recorre também às experiências de Singapura, Austrália, Nova Zelândia e Hong Kong.
Para a população chinesa alcançar imunidade, permitindo à economia operar livremente, 20% da população, ou 290 milhões de pessoas, teria que ficar infetada.
Num cenário de reabertura mais gradual e controlada, este nível de imunidade seria atingido em agosto do próximo ano, de acordo com o modelo da Wigram. Isto ajudaria a limitar as hospitalizações e mortes até meados de 2023.
Durante a vaga de verão, o pico diário de mortes cairia para metade do número registado em julho de 2023, ou cerca de 4.000.
“A China nada fez para preparar esta etapa. [O líder chinês] Xi [Jinping] parece estar a agir por impulso, como uma reação aos protestos, e não como parte de um programa político cuidadoso”, observa Jones.
“Seria mais fácil ter confiança numa estratégia de reabertura se esta acontecesse como parte de uma estratégia política cuidadosa, e não por impulso, sem preparação”, acrescenta.
Várias cidades chinesas foram palco de protestos, no final do mês passado, contra a estratégia de ‘zero casos’ de covid-19, que prevê o bloqueio de bairros ou cidades inteiras, a realização constante de testes em massa e o isolamento de todos os casos positivos e respetivos contactos diretos em instalações designadas, muitas vezes em condições degradantes.
Esta política manteve também as fronteiras do país praticamente encerradas desde março de 2020.
Pequim reagiu com um reforço da presença policial em várias cidades do país e prendeu um número desconhecido de manifestantes, mas avançou também com diretrizes que põem fim à estratégia de ‘zero casos’ de covid-19.
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