Foi preciso disparar 3.120 tiros em cinco dias com uma espingarda especial e fazer uma análise minuciosa durante 480 horas, em apenas quatro meses, para que o investigador Tiago Romão da Cunha conseguisse reunir provas científicas para anunciar de que não há, de facto, aumento substancial de dispersão do chumbo se os canos da espingarda forem serrados.

É a queda de um mito depois de Tiago Romão da Cunha ter avaliado variáveis tais como a dispersão de chumbos, distância ao alvo, tamanho do cano, munições, tipo de bucha e granulagem do chumbo.

“A margem de erro é de 4,2%. É mínima. Cada disparo foi feito três vezes para conseguirmos uma média”, conta à agência Lusa o investigador, recordando que na experiência científica o cano da espingarda foi sendo cortado até ao limite.

Os vários cortes na espingarda serviram de base para comprovar cientificamente que é “irrelevante a relação entre o aumento da dispersão do chumbo e o corte dos canos”, esclareceu, reconhecendo que o objetivo da investigação era “quebrar um mito” e haver uma “mudança de paradigma total”, porque é a distância que tem influência na dispersão do chumbo.

Trata-se de “uma viragem a 180 graus”, assume Tiago Romão da Cunha. A tese foi feita de um modo “tão controlado e tão afinado” que rebate a velha doutrina, sem que ninguém ainda tenha conseguido contestar.

Estados Unidos da América (EUA), Canadá, Brasil e Itália são os principais países a fazer ‘download’ (transferência) da dissertação de mestrado em Medicina Legal no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e que é de livre acesso no repositório da Universidade do Porto.

Num caso policial prático, a nova tese “deita por terra a teoria de que se houver uma dispersão muito grande do chumbo no corpo da vítima, tal facto tenha, forçosamente, que corresponder a um disparo de uma arma de canos serrados”.

Vitor Teixeira, responsável pelo Serviço de Armamento e Tiro da Polícia Judiciária da Diretoria do Norte e coorientador desta tese, revela que as armas usadas vulgarmente pelos criminosos têm canos serrados para ficarem “mais pequenas e serem mais facilmente ocultadas” durante o ato.

“Os canos serrados das armas são usados, normalmente, para ser mais fácil aos bandidos camuflarem a arma de fogo. Cortando os canos transforma-se uma espingarda, que é uma arma grande e bem visível, numa arma bastante mais pequena e facilmente ocultada e essa é uma grande vantagem para os criminosos”, justifica.

Segundo o inspetor, se a velha teoria dos canos cortados se verificasse, seria uma vantagem, porque, aparentemente, o indivíduo nem precisava de apontar. “Virava a arma [de canos serrados] para um lado e o chumbo espalhava-se de tal maneira que acertava sempre” no alvo.

Apesar do novo estudo científico vir alterar uma crença antiga em vigor, a verdade é que os manuais de balística forense ainda aparecem a defender a teoria anterior, conta o inspetor da Judiciária.

Vítor Teixeira afirma que a nova tese rege-se por um rigor científico “muitíssimo grande” e classifica-a como “fraturante”, “inovadora” e uma das mais “revolucionárias descobertas nesta área ocorrida nas últimas décadas”.

A tese em balística forense (ciência que estuda o movimento dos projéteis), intitulada “Avaliação da dispersão em armas caçadeiras de canos serrados”, recebeu 18 valores de nota e, no final do estudo, o autor ofereceu a arma à Diretoria do Norte da Judiciária.

A espingarda está atualmente exposta no Núcleo Museológico da Polícia Judiciária do Porto.